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A fábula da lã e do carneiro

Se algum candidato diz que vai governar para o “povo” e não para o “mercado”, ele está mentindo. Se não estiver, você não vai querer votar nele

Bolsa de valores | Alguns candidatos dizem que vão governar para o “povo” e não para o “mercado”. Como se houvesse alguma oposição entre as duas coisas (Germano Lüders/Exame)
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Publicado em 15 de junho de 2018 às 14h26.

Última atualização em 20 de junho de 2018 às 14h29.

“É preciso engordar o carneiro do capitalismo para usar a sua lã.”

A frase, com diferentes versões, é atribuída a Olof Palme, que foi primeiro ministro da Suécia em dois períodos, nos anos 1970 e 1980. Palme era social-democrata e um dos políticos mais polêmicos da esquerda europeia em seu tempo. Em suas gestões, o carneiro não engordou tanto quanto ele gostaria – as receitas econômicas disponíveis em sua época não eram tão efetivas. O cerne de seu pensamento, no entanto – para fazer bons programas sociais, a esquerda precisa administrar a economia de forma competente – foi considerado precursor da Terceira Via de Bill Clinton e Tony Blair e, mais recentemente, Barack Obama e Emmanuel Macron.

Analisada logicamente, a máxima de Palme parece uma obviedade. Segundo os cientistas políticos pós-muro de Berlim, a diferença entre as esquerdas e as direitas está, basicamente, na forma de inclusão social que umas e outras propõem. As direitas acreditam em impostos baixos para gerar pujança econômica, e tal pujança traria oportunidades de inclusão. As esquerdas acham que a melhor forma de promover inclusão é atuar no sentido de diminuir a desigualdade – e para isso o papel do Estado é importante. Isso significa impostos mais altos financiando programas sociais. Muito do que se chama hoje de “modelo nórdico” vem daí. Cria-se um ambiente favorável para que a economia floresça. Com regras simples e claras, propriedade respeitada e facilidades para os que empreendem e geram empregos – o carneiro engorda. A pujança econômica permite que se cobrem impostos altos, e tais impostos financiam programas sociais – a lã do carneiro.

É inevitável pensar na frase de Palme quando, em campanha eleitoral, alguns candidatos dizem que vão governar para o “povo” e não para o “mercado”. Como se houvesse alguma oposição entre as duas coisas. “Povo” e “mercado” estão imbricados como a lã e o carneiro da frase de Palme. É só substituir “mercado” por “aqueles que geram empregos e pagam impostos”. Como um governo pode jogar contra os que geram empregos e pagam impostos? Ainda mais um governo de esquerda, que precisa dos impostos para financiar programas sociais? Citados acima, Blair, Clinton, Obama e Macron perceberam isso. Os três primeiros, com maior ou menor intensidade, administraram períodos de crescimento econômico e criação de programas sociais. O quarto ainda está em busca. Grande parte dos governos de esquerda bem-sucedidos, na era pós-muro, só tiveram lã porque conseguiram engordar o carneiro.

A frase “governamos para o povo e não para o mercado” surgiu novamente na carta que Lula escreveu na prisão para o lançamento de sua candidatura. Seria injusto dizer que ele é o único a recorrer à falsa oposição. No caso de Lula, no entanto, ela é ainda mais flagrante. Se existe, no Brasil, um presidente que governou para o mercado, este foi Lula, pelo menos em seus primeiros anos. Para melhorar as condições dos que investem e criam empregos, Lula bancou Antonio Palocci e Henrique Meireles em sua equipe econômica – considerados “neoliberais” por muitos dos integrantes de seu partido –, perseguiu superávits primários e deu continuidade a várias das políticas do governo anterior. A ponto de o termo “Malocci”, criação do economista Samuel Pessoa, ter-se popularizado – ele se refere à continuidade entre as gestões econômicas de Pedro Malan e Antonio Palocci (depois Dilma Rousseff sugou o pobre do carneiro até deixá-lo exangue, mas isso é assunto para outra coluna).

Ao longo da campanha eleitoral, você vai ouvir várias vezes que o candidato “x” ou “y” vai governar contra o mercado. Do ponto de vista do marketing, pode até funcionar. Muitos brasileiros pensam, erroneamente, que a palavra “mercado” se refere a um bando de engravatados que ganha fortunas trabalhando em bancos. O mercado, na verdade, somos todos nós – os que criam e geram empregos, como se disse acima, mas também os que ocupam esses postos de trabalho, com ou sem carteira; os que os financiam; os que empreendem; os que geram valor em qualquer tipo de atividade econômica – sejam operários, banqueiros, comerciantes ou bailarinos do Teatro Municipal. Quando você compra uma cadeira no Foyer, assiste ao mercado dançando “O Lago dos Cisnes”.

Isso significa que os candidatos que dizem que vão governar contra o mercado estão mentindo. Ainda bem. Ninguém quer matar o carneiro e ficar sem a lã. A não ser que se trate de um incompetente. Ou louco. Mas, aí, você não vai querer votar nele.

“É preciso engordar o carneiro do capitalismo para usar a sua lã.”

A frase, com diferentes versões, é atribuída a Olof Palme, que foi primeiro ministro da Suécia em dois períodos, nos anos 1970 e 1980. Palme era social-democrata e um dos políticos mais polêmicos da esquerda europeia em seu tempo. Em suas gestões, o carneiro não engordou tanto quanto ele gostaria – as receitas econômicas disponíveis em sua época não eram tão efetivas. O cerne de seu pensamento, no entanto – para fazer bons programas sociais, a esquerda precisa administrar a economia de forma competente – foi considerado precursor da Terceira Via de Bill Clinton e Tony Blair e, mais recentemente, Barack Obama e Emmanuel Macron.

Analisada logicamente, a máxima de Palme parece uma obviedade. Segundo os cientistas políticos pós-muro de Berlim, a diferença entre as esquerdas e as direitas está, basicamente, na forma de inclusão social que umas e outras propõem. As direitas acreditam em impostos baixos para gerar pujança econômica, e tal pujança traria oportunidades de inclusão. As esquerdas acham que a melhor forma de promover inclusão é atuar no sentido de diminuir a desigualdade – e para isso o papel do Estado é importante. Isso significa impostos mais altos financiando programas sociais. Muito do que se chama hoje de “modelo nórdico” vem daí. Cria-se um ambiente favorável para que a economia floresça. Com regras simples e claras, propriedade respeitada e facilidades para os que empreendem e geram empregos – o carneiro engorda. A pujança econômica permite que se cobrem impostos altos, e tais impostos financiam programas sociais – a lã do carneiro.

É inevitável pensar na frase de Palme quando, em campanha eleitoral, alguns candidatos dizem que vão governar para o “povo” e não para o “mercado”. Como se houvesse alguma oposição entre as duas coisas. “Povo” e “mercado” estão imbricados como a lã e o carneiro da frase de Palme. É só substituir “mercado” por “aqueles que geram empregos e pagam impostos”. Como um governo pode jogar contra os que geram empregos e pagam impostos? Ainda mais um governo de esquerda, que precisa dos impostos para financiar programas sociais? Citados acima, Blair, Clinton, Obama e Macron perceberam isso. Os três primeiros, com maior ou menor intensidade, administraram períodos de crescimento econômico e criação de programas sociais. O quarto ainda está em busca. Grande parte dos governos de esquerda bem-sucedidos, na era pós-muro, só tiveram lã porque conseguiram engordar o carneiro.

A frase “governamos para o povo e não para o mercado” surgiu novamente na carta que Lula escreveu na prisão para o lançamento de sua candidatura. Seria injusto dizer que ele é o único a recorrer à falsa oposição. No caso de Lula, no entanto, ela é ainda mais flagrante. Se existe, no Brasil, um presidente que governou para o mercado, este foi Lula, pelo menos em seus primeiros anos. Para melhorar as condições dos que investem e criam empregos, Lula bancou Antonio Palocci e Henrique Meireles em sua equipe econômica – considerados “neoliberais” por muitos dos integrantes de seu partido –, perseguiu superávits primários e deu continuidade a várias das políticas do governo anterior. A ponto de o termo “Malocci”, criação do economista Samuel Pessoa, ter-se popularizado – ele se refere à continuidade entre as gestões econômicas de Pedro Malan e Antonio Palocci (depois Dilma Rousseff sugou o pobre do carneiro até deixá-lo exangue, mas isso é assunto para outra coluna).

Ao longo da campanha eleitoral, você vai ouvir várias vezes que o candidato “x” ou “y” vai governar contra o mercado. Do ponto de vista do marketing, pode até funcionar. Muitos brasileiros pensam, erroneamente, que a palavra “mercado” se refere a um bando de engravatados que ganha fortunas trabalhando em bancos. O mercado, na verdade, somos todos nós – os que criam e geram empregos, como se disse acima, mas também os que ocupam esses postos de trabalho, com ou sem carteira; os que os financiam; os que empreendem; os que geram valor em qualquer tipo de atividade econômica – sejam operários, banqueiros, comerciantes ou bailarinos do Teatro Municipal. Quando você compra uma cadeira no Foyer, assiste ao mercado dançando “O Lago dos Cisnes”.

Isso significa que os candidatos que dizem que vão governar contra o mercado estão mentindo. Ainda bem. Ninguém quer matar o carneiro e ficar sem a lã. A não ser que se trate de um incompetente. Ou louco. Mas, aí, você não vai querer votar nele.

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