Ao transformar conquistas em plataformas de continuidade, o surfe brasileiro deixou de ser apenas um case esportivo para se tornar um case de negócios (Jerome BROUILLET/AFP)
Colunista
Publicado em 6 de setembro de 2025 às 08h00.
A história do surfe profissional remonta a 1976, quando nasceu o International Professional Surfers (IPS), que anos mais tarde se transformaria na Association of Surfing Professionals (ASP) e, em 2014, passou para a gestão privada, adotando no ano seguinte o nome que hoje domina o calendário global: WSL (World Surf League).
Durante décadas, os campeonatos funcionaram como centros de custo, sustentados pelas próprias marcas de surfwear. O objetivo era claro: transformar a competição em vitrine aspiracional para vender camisetas, bermudas, bonés e roupas de borracha, alimentando o tão desejado lifestyle do surfe. Nessa época, o esporte era dominado por Americanos e Australianos, nomes como Kelly Slater, Andy Irons, Mick Fanning eram as estrelas e o idioma oficial era o inglês.
A grande virada ocorre quando essas marcas deixaram de ser donas do espetáculo para assumir o papel de patrocinadoras. A mudança de controle abriu espaço para que outras indústrias, até então distantes do mar, se aproximassem. Mas, para ser relevante a empresas não originárias do setor, era preciso mais do que ídolos dentro d’água: tornou-se necessário criar uma plataforma de experiências de fãs, capaz de atrair uma audiência majoritariamente composta por não praticantes. Dessa forma, os eventos deixaram de ser contabilizados como despesas de marketing e passaram a ser ativos de receita, sustentados por direitos de transmissão, patrocínios, licenciamento e merchandising. O desafio era singular: diferente de outros esportes, o surfe não pode vender ingressos, afinal, a arena é a praia, espaço público por excelência.
Foi nesse contexto que o desempenho esportivo brasileiro ganhou protagonismo. Nos últimos onze anos, o país conquistou oito títulos mundiais, divididos entre cinco atletas diferentes, um feito inédito que quebrou paradigmas históricos e consolidou o Brasil como potência do surfe mundial. A vitória recente de Yago Dora não apenas confirma o talento individual de mais um atleta extraordinário, como simboliza a profundidade da chamada Brazilian Storm. Trata-se de um ciclo consistente, capaz de renovar ídolos com regularidade, em vez de depender de uma geração isolada.
O risco, contudo, é conhecido: a memória do brasileiro costuma ser curta, e conquistas esportivas, por mais grandiosas que sejam, se dissipam rapidamente no imaginário coletivo. Para evitar que momentos históricos se transformem apenas em lembranças passageiras, a WSL estruturou uma plataforma que transforma vitórias em ponto de partida, e não de chegada. Cada título passa a ser combustível para manter viva a narrativa junto a fãs, marcas e sociedade. É nesse espaço que empresas como Vivo, Banco do Brasil, Natura, Unilever, Red Bull, Corona, Lexus, Apple Watch, Probiótica e Riachuelo passaram a enxergar o surfe como arena legítima para associar seus valores, um terreno fértil para trabalhar propósito, cultura e lifestyle.
Esse movimento cria um ciclo virtuoso que se retroalimenta: Conquistas geram atenção. Atenção se converte em audiência. Audiência traz relevância para marcas, que, ao encontrarem um produto formatado na linguagem que já estão habituadas a comprar, passam a investir. Os investimentos, por sua vez, possibilitam aprimorar a cadeia como um todo: melhoram a operação dos eventos, elevam a qualidade das transmissões e ampliam as experiências oferecidas ao público. Mas, talvez mais importante, permitem investir na base, aquelas competições de formação que, por sua usual baixa audiência, têm dificuldade em atrair patrocinadores em qualquer modalidade esportiva, mas que são justamente o berço do futuro.
Assim, cada vitória de hoje pavimenta o caminho de amanhã. Ao transformar conquistas em plataformas de continuidade, o surfe brasileiro deixou de ser apenas um case esportivo para se tornar um case de negócios. Oito títulos em onze anos não são apenas a consagração de atletas excepcionais; são o alicerce de uma fábrica de novos ídolos, que garante ao país não apenas protagonismo nas ondas, mas relevância duradoura no mercado global do esporte e do entretenimento