O jogo depois do jogo: como preparar atletas para vencer fora da competição
O foco total no desempenho esportivo é essencial para vencer dentro das quadras, mas deixa pouco espaço para pensar no que vem depois
Publicado em 19 de novembro de 2024 às, 09h21.
Todo atleta sabe como conquistar vitórias, mas poucos sabem como planejar a vida após o esporte. Essa, talvez, seja a maior competição de suas carreiras. A rotina intensa de treinos e competições é a base do sucesso de qualquer atleta de alto rendimento. O foco total no desempenho esportivo é essencial, mas também deixa pouco espaço para pensar no que vem depois. E se há uma certeza nesse universo, é que, cedo ou tarde, a aposentadoria chega.
O grande problema é que a transição de carreira no esporte, muitas vezes, é marcada por desafios emocionais, físicos e financeiros. Um estudo da área da Medicina Esportiva revela que a maioria dos atletas deixa o esporte por motivos como idade (49,4%), novas prioridades na vida (43%) e problemas de saúde ou lesões (cerca de 16%). O fim da carreira traz sentimentos como tristeza, medo e, em alguns casos, depressão. Mais da metade relata dificuldade em se adaptar a uma nova rotina, e muitos enfrentam um estilo de vida sedentário e uma piora na saúde física.
Para muitos, o esporte não é apenas um trabalho, mas uma identidade. Ao “pendurar as chuteiras” ou abandonar as quadras, eles perdem uma parte central de quem são. Essa mudança abrupta gera um vazio difícil de preencher. E, ao contrário do que se imagina, poucos esportes oferecem contratos que garantam estabilidade econômica no longo prazo. Sem planejamento financeiro, a aposentadoria pode ser uma fonte de ansiedade, ao invés de descanso.
Mas será que precisa ser assim? A aposentadoria não precisa ser o fim do jogo. Com o planejamento certo, pode se tornar o início de um novo capítulo igualmente impactante. E isso começa enquanto o atleta ainda está em atividade.
O primeiro passo é mapear habilidades, experiências e interesses que possam ser aplicados fora do esporte. Muitas das competências que fazem de um atleta um campeão — resiliência, trabalho em equipe, foco sob pressão — são extremamente valorizadas em outras áreas. Exemplos não faltam. Bernardinho, com oito Olimpíadas no currículo, construiu uma carreira como treinador, empreendedor e palestrante. Michael Jordan transformou sua marca em parceria com a Nike em um dos maiores cases de sucesso no mercado esportivo. Venus Williams levou a disciplina das quadras para o empreendedorismo, com negócios em design e moda. David Beckham se tornou dono de um clube e ícone global, unindo esporte e entretenimento.
Essas transições bem-sucedidas mostram que é possível ressignificar a carreira e aproveitar o legado construído no esporte. No entanto, a maioria dos atletas não consegue fazer essa transição sozinha. Por isso, as organizações esportivas têm um papel fundamental. Elas precisam ir além do desempenho em campo e investir no desenvolvimento de seus atletas para a vida.
Algumas iniciativas já se destacam. A Federação Alemã de Futebol, por exemplo, oferece programas de licenciamento para jogadores que desejam se tornar treinadores, facilitando uma continuidade quase natural dentro do esporte. Apesar disso, muitas entidades ainda não abordam o tema da aposentadoria, por medo de que isso distraia os atletas ou crie insegurança. Essa visão precisa mudar. A preparação para a aposentadoria deve ser integrada ao dia a dia, com suporte psicológico, planejamento financeiro e incentivos para carreiras duplas. Quanto mais cedo o atleta começar a pensar no futuro, mais suave será a transição.
A transição de carreira não é apenas uma questão prática, mas uma oportunidade de criar um legado. Com planejamento, apoio familiar e programas estruturados, o pós-carreira pode ser um período de realizações tão grandioso quanto os anos de competição.
O jogo depois do jogo começa com um plano. Cabe a atletas, organizações e suas redes de apoio jogarem juntos para garantir que a aposentadoria seja um ponto de partida — e não o fim da linha.