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Brasil já é líder global em piscinas de ondas — e está no epicentro da nova era do surfe

Mais do que um esporte ou um mercado, as piscinas de ondas ajudam a consolidar um novo lifestyle urbano conectado ao surfe

Condomínio Praia da Grama em Itupeva, no interior de São Paulo: piscina do condomínio é capaz de reproduzir diferentes tipos de ondas (Praia da Grama/Divulgação)

Condomínio Praia da Grama em Itupeva, no interior de São Paulo: piscina do condomínio é capaz de reproduzir diferentes tipos de ondas (Praia da Grama/Divulgação)

Ivan Martinho
Ivan Martinho

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Publicado em 28 de julho de 2025 às 16h59.

Última atualização em 28 de julho de 2025 às 18h21.

Se há pouco mais de uma década o mundo aprendeu a respeitar a Brazilian Storm, agora é hora de se preparar para a Wave Pool Storm. Em menos de dois anos, o Brasil vai liderar o planeta no número de piscinas de ondas, consolidando um movimento que muda o surfe, a indústria e até as marcas que gravitam ao redor desse esporte.

Em pleno 2025, o Brasil já conta com três piscinas de ondas em funcionamento: em Itupeva (Praia da Grama), Porto Feliz (Boa Vista Village) e Garopaba (Surfland)  e outras duas em fase de testes, incluindo o São Paulo Surf Club e o Beyond the Club, em São Paulo, com inauguração prevista para o segundo semestre deste ano.

O Beyond ocupa o espaço do antigo Hotel Transamérica, na zona sul da capital paulista, e se posiciona como um clube de bem-estar urbano com atividades diversas, de academia a beach tennis, de gastronomia a espaços de relaxamento. Mas o que realmente diferencia o projeto é a presença de uma piscina de ondas de última geração no coração de uma metrópole. A ideia de surfar em meio à cidade mais populosa do hemisfério sul não é apenas uma novidade tecnológica, mas um novo símbolo do que o surfe pode representar: acesso, performance e estilo de vida num só lugar.

A expectativa é que, até o fim de 2026, o país atinja a marca de 13 instalações em operação, o que tornará o Brasil o país com o maior número de piscinas de ondas do mundo, à frente de potências como EUA, Austrália. As novas unidades estão distribuídas por cidades como São Paulo(SP), Curitiba (PR), Búzios (RJ), Atibaia (SP), Aracaju (SE) e outras regiões em expansão.

Mas o dado bruto, por si só, não conta toda a história. O surfe que emerge dessas estruturas não é o mesmo das praias lotadas. Ele é planejado, previsível, premium e mais: ele desafia a própria geografia do esporte, que deixa de depender da maré e passa a fluir com hora marcada e playlist própria.

Tecnologias como Wavegarden Cove, PerfectSwell e Endless Surf exigem investimentos altos por projeto e isso faz com que a grande maioria dessas piscinas esteja integrada a empreendimentos imobiliários de alto padrão ou clubes exclusivos, acessíveis apenas a quem compra uma fração da propriedade, adquire um título ou se associa. Na prática, trata-se de um surfe que dialoga diretamente com a classe A brasileira amplia o posicionamento do esporte em um novo território social.

O surfe, que historicamente foi praiano e popular, agora divide espaço com o tênis, o golfe e o hipismo. O que antes era esporte de areia virou pilar de experiências sofisticadas com design, gastronomia e lifestyle. E com isso, abre-se uma nova avenida para marcas que até então não dialogavam com o surfe.

Relógios de luxo, bancos de investimento, incorporadoras, marcas de moda premium e bebidas refinadas passam a encontrar no surfe um território compatível com seus valores, desde que saibam entrar na água com autenticidade e entender como dialogar com essa comunidade.

Outro aspecto que chama atenção nas três piscinas já em operação no Brasil é o ambiente familiar que se forma ao redor delas. Longe de serem espaços exclusivamente esportivos ou voltados à performance, elas têm se mostrado verdadeiros pontos de encontro entre gerações. Pais, mães e filhos se divertem juntos na água, seja pegando as primeiras ondas, seja apenas se incentivando da borda da piscina. Em tempos em que a relação entre pais e filhos adolescentes costuma ser marcada por distanciamento e poucos interesses em comum, o surfe tem servido como ponte: um elo emocional em torno da superação, do frio na barriga e da celebração coletiva de cada evolução.

Do ponto de vista competitivo, as etapas do Championship Tour (CT) da WSL são realizadas exclusivamente nas piscinas de tecnologia proprietária da liga, atualmente localizadas em Leemore (Califórnia) e Abu Dhabi. Porém, campeonatos de divisões qualificatórias já foram realizados com sucesso em piscinas de outras tecnologias, comprovando sua viabilidade técnica e esportiva.

Mais do que um esporte ou um mercado, as piscinas de ondas ajudam a consolidar um novo lifestyle urbano conectado ao surfe, um estilo de vida que valoriza saúde, natureza, propósito e pertencimento. Nesse contexto, o surfe deixa de ser apenas uma prática atlética para se tornar também um símbolo cultural aspiracional. Algo que fala de liberdade, mas também de sofisticação. De raiz, mas também de vanguarda. E esse equilíbrio, por si só, já é um ativo poderoso.

Do ponto de vista da performance, as piscinas oferecem uma vantagem poderosa: permitem a repetição precisa de manobras, acelerando o aperfeiçoamento técnico dos atletas, algo quase impossível de se controlar no oceano. Ainda assim, as ondas do mar seguem com seu espaço garantido porque o imprevisível também faz parte da essência do esporte.

E como em todo universo que cresce, começa a se formar uma espécie de “fã-clube” de cada tecnologia, com grupos defendendo com entusiasmo suas preferidas, atribuindo características únicas a cada tipo de onda. Na prática, como no mar, cada onda é diferente. E pensar que agora é possível ter ondas abundantes, todos os dias, em qualquer estação do ano, é algo que muitos surfistas acreditavam ser um sonho para a geração de seus netos, mas que chegou antes, para a alegria de todos.

No fim das contas, quem ganha é o surfe. E quem entender isso agora, vai pegar a melhor parte da onda.

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