A banalização das estratégias de investimento diferenciadas.
Nos últimos meses virou costume do mercado financeiro em geral, e de setores da imprensa, em particular, comentar a respeito de estratégias de investimento diferenciadas, para serem utilizadas por investidores no mercado de ações. Tornou-se lugar comum ouvir comentaristas de rádio e TV indicarem as virtudes de “estratégias dinâmicas” a serem realizadas na bolsa de valores. É como se o investidor pudesse escolher, dentre um menu de alternativas, as “estratégias […] Leia mais
Publicado em 9 de janeiro de 2012 às, 10h16.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 13h37.
Nos últimos meses virou costume do mercado financeiro em geral, e de setores da imprensa, em particular, comentar a respeito de estratégias de investimento diferenciadas, para serem utilizadas por investidores no mercado de ações. Tornou-se lugar comum ouvir comentaristas de rádio e TV indicarem as virtudes de “estratégias dinâmicas” a serem realizadas na bolsa de valores. É como se o investidor pudesse escolher, dentre um menu de alternativas, as “estratégias dinâmicas” para realizar. Seja lá o que isto possa significar…
Além disso, vários participantes do mercado de capitais, com destaque para o setor de distribuição de valores mobiliários, têm se preocupado em enaltecer as virtudes e vantagens de “estratégias diferenciadas” junto ao seus clientes e redes sociais pela Internet afora. Vale ressaltar que tais estratégias envolvem o mercado de opções, venda descoberta de ações, pair trading (long-short) entre outras.
O pano de fundo de tal movimento parece estar ligado ao momento desfavorável vivido pelo mercado local de corretagem nos últimos meses decorrente da redução no número de investidores pessoa física na bolsa. Não satisfeito em competir por meio de estratégia com foco em custo, ao derrubar as taxas de corretagem cobradas para seus clientes, o mercado (de corretoras independentes às ligadas a bancos) tem procurado oferecer e, de certa forma, popularizar produtos de investimento diferenciados.
Para que isso seja possível, as equipes de análise dessas instituições costumam fazer recomendações acerca de tais estratégias para seus clientes e prospects. Entretanto, esse processo nem sempre acontece de maneira adequada. Há vários aspectos relacionados a ele que podem acabar por prejudicar o investidor, seja ele leigo ou experiente. Para sanar esse vício, algumas questões devem ser respondidas; dentre elas:
– o investidor compreende o risco implícito das estratégias diferenciadas?
– essas estratégias estão alinhadas ao perfil demográfico e objetivos do investidor?
– o investidor conhece adequadamente esses produtos/estratégias diferenciadas?
– os relatórios de análise/recomendações efetuadas por analistas abordam adequadamente os principais aspectos de cada produto/estratégia diferenciada recomendada?
– os relatórios de análise analisam de maneira abrangente os principais fatores de risco envolvidos nas estratégias diferenciadas?
Tem sido comum ler relatórios de análise e recomendações para estratégias long-short, onde o analista utiliza apenas uma ou duas linhas para realizar sua recomendação; como se fosse possível ressaltar ali todos os aspectos envolvidos em tal estratégia. Vale lembrar que, conforme orientação da CVM e exigência da Associação de Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (APIMEC), estes aspectos deveriam ser elencados e esclarecidos da melhor maneira possível para o público leitor dos relatórios. Pode-se estender esse mau costume, cada vez mais recorrente, para outras estratégias diferenciadas, como as listadas anteriormente.
Qual é a consequência de tal procedimento? Em primeiro lugar, essa tendência contribui para o aumento da assimetria informacional no mercado, no que diz respeito ao controle e posse da informação técnica sobre esses produtos/estratégias. Além disso, a conduta contribui para o aumento do risco e da probabilidade de perdas geradas por estratégias mal formuladas e/ou executadas por analistas/investidores. E, por fim, banaliza aspectos técnicos críticos para a formulação de tais estratégias; senão as próprias estratégias.
Para quem está no métier, tal procedimento muitas vezes é justificado pelo fato de que o investidor estaria apenas interessado na recomendação e no resultado financeiro advindo dela; dispensando aspectos técnicos e operacionais envolvidos nas estratégias. O monitoramento das estratégias em tempo real e a recomendação de entrada/saída pelos analistas seriam mais do que suficientes para atender aos interesses do investidor.
Tal visão é reducionista e míope, uma vez que subestima a capacidade de compreensão e interesse do investidor em conhecer detalhes sobre a formulação dessas estratégias; além de minimizar a importância dos aspectos gerais e, por que não dizer, críticos a respeito das estratégias diferenciadas. Caso esse enfoque fosse verdadeiro, a melhor estratégia para o investidor, tanto do ponto de vista de custo quanto do binômio retorno- risco, seria entregar seus recursos para serem administrados por uma equipe de gestores de recursos assessorados por analistas de investimentos – em fundos de investimento multimercado, por exemplo. Evento que reduziria, ainda mais, a corretagem obtida por esses participantes do mercado.
Portanto, vê-se que o caminho não é por aí. Para que o investidor possa “comprar” de maneira adequada as recomendações feitas pelos analistas, ele deve ter acesso, em conjunto com a recomendações elaboradas, aos fundamentos e principais fatores de risco envolvidos nas estratégias. Dessa forma, a chance de que maior número de investidores se sinta mais a vontade com esse tipo de estratégia cresce, assim como a corretagem a ser gerada pelo aumento do número de negócios daí decorrentes.
Todavia, esse é um longo processo, que passa pela ampliação e melhora da qualidade na educação do investidor, assim como pela melhor definição e controle das autoridades reguladoras sobre aspectos do alinhamento de produtos e estratégias de investimento ao perfil de risco/conhecimento do investidor em geral. Mas deve ser ressaltado que todos têm a ganhar com ele.
A Comissão de Valores Mobiliários, por meio de audiência pública recente (SDM no 15/11), quer ouvir a opinião do mercado a respeito da questão da suitability: adequação do perfil de risco do investidor aos produtos e/ou estratégias recomendadas a ele por participantes do mercado de capitais. É uma grande oportunidade criada pela CVM para regular de maneira mais abrangente (e depois fiscalizar por meio das entidades autorreguladoras) essa questão.