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Vida longa às concessões!

Nos últimos 30 anos, a maior participação privada foi essencial para o desenvolvimento da infraestrutura e dos serviços públicos no Brasil

Leilão da Dutra:  (Luis Lima Jr/Fotoarena/Estadão Conteúdo)

Leilão da Dutra: (Luis Lima Jr/Fotoarena/Estadão Conteúdo)

Fernando Pieroni
Fernando Pieroni

Especialista em parcerias público-privadas

Publicado em 25 de fevereiro de 2025 às 23h05.

No último dia 13 de fevereiro, celebrou-se o aniversário de 30 anos da Lei de Concessões (Lei 8.987/95), que instituiu o regime de concessão e permissão de serviços públicos no país.

Como resposta a um contexto de severas restrições na capacidade de investimento estatal, após a crise dos anos oitenta, a lei buscou viabilizar uma maior participação privada na expansão e aprimoramento da infraestrutura e dos serviços prestados à população e introduziu um novo paradigma sobre o papel do Estado na economia e na sociedade. Uma experiência com importantes conquistas, grandes desafios e a necessidade de se atualizar continuamente para que cumpra o papel para a qual foi concebida.

Com a publicação da lei, a tradicional prestação centralizada de serviços públicos por órgãos estatais passou a contar também com empresas privadas a quem poderia ser delegada a responsabilidade pelos serviços, resguardando a eficiência, acessibilidade e o seu alinhamento com o interesse da população. No novo modelo, caberia ao Estado definir regras e fiscalizar a qualidade do trabalho desenvolvido pelas empresas e tomar medidas, quando necessário, para garantir o fiel cumprimento do que foi pactuado
entre ele e seu parceiro privado.

Posteriormente a Lei das PPPs (Lei 11.079/04) expandiu esse padrão para iniciativas mais complexas, consolidando o que consideramos hoje o marco legal das concessões no pais. Embora inicialmente concebida para grandes projetos como rodovias, ferrovias, saneamento e energia elétrica, essa lógica ao longo do tempo acabou por se expandir
para diversos outros setores de infraestrutura urbana, social e ambiental, como escolas, hospitais, mobilidade urbana e unidades de conservação.

Da mesma forma, a experiência também passou a permear as políticas de governos dos três níveis da federação – União, Estados e Municípios. Para ilustrar a magnitude dessa expansão, dados da consultoria Radar PPP mostram que hoje existem mais de 1.300 contratos de concessão em vigor no Brasil, com outros mais de 1.400 em fase de modelagem.

Dos contratos vigentes, mais de 70% estão no âmbito municipal, enquanto aproximadamente 16% pertencem aos estados e o restante está sob responsabilidade
da União ou de consórcios públicos. Diante desse quadro, é sempre valido esclarecer que concessões não são sinônimos de privatização. Diferentemente desta última, que envolve a alienação definitiva de um ativo estatal, a concessão é uma delegação temporária para que uma empresa privada preste serviços à população sob regras e prazos predefinidos, sem que a propriedade dos bens seja transferida. Ou seja, permanece público. Essa distinção é essencial para evitar equívocos sobre o papel do setor privado na gestão pública.

Um dos aspectos fundamentais do modelo de concessões é a transferência de riscos e a flexibilidade ao parceiro privado, condição que permite capturar a engenhosidade do setor empresarial com foco no resultado final. Segundo essa lógica, em vez de definir projetos excessivamente prescritivos, que tornam a empresas contratadas pelos governos meras executoras das obras por eles especificadas, o modelo de concessões foca na definição de padrões de qualidade, cabendo à concessionária escolher a solução mais eficiente para alcançá-lo, desde que respeitadas as normas e legislação.

Garante-se assim um processo menos burocrático, mais abrangente na busca por soluções e, consequentemente, com potencial de melhor atender os interesses da
sociedade. Outra característica está relacionada aos incentivos presentes, considerando todo o ciclo de vida dos projetos. No modelo tradicional, em que o governo contrata
empresas apenas para realizar obras, há um incentivo natural para, uma vez contratada, a execução do projeto se pautar pela busca do menor custo possível, podendo potencialmente comprometer a qualidade entregue.

Afinal, os gastos com sua gestão e manutenção recaem sobre o setor público. Ao permitir a vinculação da operação e manutenção à mesma empresa responsável pela construção, o modelo de concessão cria um incentivo para a entrega de instalações mais duradouras e eficientes, reduzindo custos de longo prazo e promovendo maior responsabilidade por parte da concessionária, condição revertida ao poder público ao final do contrato.

Uma responsabilização também fortalecida por indicadores de desempenho que são monitorados recorrentemente e que promovem o melhor alinhamento entre parceiro
privado e as políticas publicas pensadas para o setor. Isso porque, o cumprimento dessas metas impacta diretamente a remuneração da empresa concessionária, incentivando-a a manter padrões elevados de qualidade e eficiência na prestação dos serviços.

Mas a mudança de paradigma também traz desafios. Um dos principais é o risco de que os serviços se tornem excessivamente caros e, eventualmente inacessíveis para parte da população, dado a necessidade de assegurar a viabilidade dos empreendimentos sob a lógica privada. Além disso, é necessário que o Estado e seu corpo de servidores compreenda seu novo papel e esteja preparado para lidar com as novas responsabilidades de fiscalização dos contratos. Por isso, para que o modelo funcione de maneira adequada, é indispensável um aparato regulatório forte, com reguladores independentes e contratos bem estruturados que garantam o equilíbrio entre o interesse público e a viabilidade econômica das concessões.

Nos últimos 30 anos amadurecemos nessa direção, mas ainda há muito espaço para aprimoramento pela frente. Além disso, o próprio transcorrer do tempo fez com que aspectos da legislação original precisassem ser atualizados para refletir as mudanças na sociedade, práticas da administração púbica e os próprios aprendizados acumulados. E de fato, atualmente se encontra em tramitação no Congresso, um projeto de lei (PL 7.063) que busca aperfeiçoar o marco regulatório das concessões.

Especialistas alertam, no entanto, que essa revisão deve priorizar ajustes pontuais, evitando uma reformulação profunda das regras, o que poderia impactar as práticas e entendimentos hoje já consolidadas e que
garantem estabilidade, previsibilidade e a segurança jurídica necessária à atração dos investimentos e o aprimoramento qualidade dos serviços.

Felizmente, parece haver sensibilidade entre os legisladores sobre a necessidade de preservar os avanços obtidos até aqui, garantindo a continuidade de um modelo que
trouxe importantes resultados como um pilar essencial para o desenvolvimento da infraestrutura e dos serviços públicos no Brasil. E ajudando a nos preparar para os
próximos 30 anos.

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