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Velloso: "O teto de gastos é uma âncora para a política macroeconômica"

Economista reforça: é preciso repensar o gasto de dinheiro público no Brasil

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Instituto Millenium

Publicado em 10 de setembro de 2019 às, 10h48.

No final de 2016, foi aprovada a Proposta de Emenda Constitucional que instituiu o Teto de Gastos. A PEC limitou as despesas e os investimentos públicos aos mesmos valores do ano anterior, corrigidos pela inflação (através do IPCA), com o objetivo de evitar o crescimento da relação entre a dívida pública e o PIB. Pouco mais de dois anos após a implantação da medida, já há um forte debate sobre a flexibilização da proposta. No entanto, a permissão para o aumento dos gastos públicos é vista com reserva por especialistas, que temem um novo descontrole nas contas do governo central.

O especialista do Instituto Millenium, Raul Velloso, acredita que a mudança neste momento não é uma boa sinalização para a sociedade. “O afrouxamento é ruim, ainda que seja vista como necessária, porque mina a confiança dos agentes econômicos na capacidade de o governo construir políticas que se mantenham com o tempo, além da solidez das contas públicas. Se havia o risco de precisar mudar em pouco tempo, teríamos que pensar em algo mais, para não passar por esse tipo de problema”, afirmou.

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Na visão de Velloso, uma eventual alteração deve ser precedida de medidas que mostrem impactos significativos nas contas. “Uma coisa que me vem à mente é a Reforma da Previdência, que irá reduzir gastos de um item cuja despesa vem crescendo acima dos índices inflacionários. Vamos supor que se consiga um resultado razoável: a questão é perguntar o quanto vamos ter de espaço para impedir que o teto seja estourado nos primeiros anos. Infelizmente, o que sabemos hoje é que o ganho nos primeiros anos não é muito expressivo, então talvez esta não seja uma âncora que tranquilize a sociedade. Desta forma, é necessário pensar em algo mais”, destacou. Raul Velloso acredita que o Ministério da Economia está fazendo este trabalho de avaliar medidas adicionais, identificando ações que contenham os itens de gastos que estão subindo acima da inflação – no entanto, é preciso atentar para a viabilidade de aprovação no Congresso Nacional.

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De acordo com o economista, é importante repensar a maneira de gastar dinheiro público no Brasil. “Temos que repensar completamente tudo que foi feito nos últimos 30 anos, desde a Constituição de 1988, e fazer um exame cuidadoso para analisar se os impactos que se imaginavam que seriam possíveis e relevantes aconteceram e a que custo isso ocorreu”, disse, citando, por exemplo, o gargalo na infraestrutura. “Nós já temos gastos bastante elevados nas áreas sociais; e, em outros segmentos, as ações são muito contidas. A infraestrutura, por exemplo, que não é exatamente da área social, mas ajuda, aumentando a produtividade, a distribuição de renda e a redução da pobreza, está em situação de terra arrasada. Temos que avaliar se não está na hora de buscar espaços nesses segmentos”, disse.

Pode acontecer, mas não agora

O economista do BNDES e especialista do Instituto Millenium, Fabio Giambiagi, declarou que é a favor de uma possível flexibilização do teto de gastos, no entanto, também acredita que este não é o momento ideal. Em entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo”, ele disse que as alterações seriam apenas a partir de 2023. “Entendemos que, para o período de 2023 a 2026, é impossível manter o teto sem mudanças por causa da dinâmica dos gastos e das despesas discricionárias”, disse.

Gambiagi esclareceu que a proposta seria corrigir os investimentos com possibilidade de aumento real de 1% ao ano entre 2023 e 2026; 1,5% ao ano nos quatro anos seguintes; e 2% nos seis anos finais. “Minha visão é que este governo pode ter como benefício principal, no campo econômico, deixar os alicerces para que a economia tenha um bom desempenho ao longo da década de 2020. Não há um economista que, no íntimo, acredita que o teto é viável de ser mantido até 2026”, disse.

O economista explicou ainda o porquê de não defender a alteração neste momento. “O que está pressionando o gasto é o teto do déficit primário, não é o teto de gastos. O problema do teto de gastos se coloca para o médio prazo, não para o curto prazo. Hoje, elevar o teto é inócuo em relação à política fiscal”, declarou.