Vamos sair dessa crise mais ou menos produtivos?
Solange Srour: "Superadas essas etapas, o aumento da produtividade deve ser o foco das políticas públicas"
Publicado em 14 de maio de 2020 às, 12h57.
* Por Solange Srour
O mundo entrou na crise do COVID-19 com a produtividade global em desaceleração por mais de duas décadas. Segundo estimativas do FMI, o PIB global recuará 3%, com os EUA caindo 5,9%, Europa 7,5% e a China crescendo apenas 1,2%. Será que essas economias poderão voltar a crescer de forma mais rápida a fim de recuperar o PIB perdido? Há vários canais pelos quais essa crise mudará o crescimento potencial e a produtividade dos países. Alguns negativos, outros positivos, sendo o resultado bastante dependente das escolhas de políticas de cada país.
De imediato, é certo que a produtividade irá desabar. Vários governos estão implementando políticas para incentivar a manutenção do emprego, apesar do declínio acentuado da produção e da expectativa de uma recuperação em V se esvaindo. O processo de saída do isolamento social também será custoso em termos de eficiência, pois as empresas terão que adotar protocolos como checagem de temperatura e distanciamento mínimo de funcionários, operar com capacidade restringida e podem até mesmo ter que voltar a desligar suas operações caso ocorram novos surtos.
No médio prazo, a produção em cadeias mundiais interligadas, a mobilidade de trabalhadores e a transferência do conhecimento entre países, fundamentais para o aumento da produtividade, podem ser as maiores vítimas da crise. Se os países se fecharem, priorizando guerras comerciais e cambiais, teremos um equilíbrio pior para todos. O isolacionismo e o protecionismo devem inclusive interromper o grande fator de desinflação dos últimos anos.
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A crise trará também consequências na acumulação de capital humano. Medidas de distanciamento físico causam alguma interrupção na escolaridade, ainda que em muitos países o ensino à distância tenha superado às expectativas. O distanciamento prolongado do ambiente de trabalho e o desemprego persistente fazem com que os trabalhadores percam habilidades. Nem todo trabalho pode ser feito remotamente e em vários setores, a qualificação é realizada primordialmente dentro do próprio local de trabalho.
De outro lado, a adoção de novas tecnologias está sendo surpreendente tanto na sua velocidade quanto na sua amplitude. Outro fator que pode trazer ganhos de produtividade é a esperada realocação de mão de obra intrassetorial. Empresas de pequeno porte, que são em média menos produtivas e estão sofrendo mais com a paralisação total de suas atividades, provavelmente irão desaparecer ou serão adquiridas por grandes empresas.
Em relação à acumulação de máquinas e equipamentos, alguns setores ficarão com capacidade ociosa e até mesmo obsoleta. Nestes casos, o retorno do investimento cairá abruptamente e pode demorar a voltar. Apesar de, ao contrário de uma guerra, a paralisação atual não envolver uma destruição em larga escala do capital físico, parte do PIB perderá relevância simplesmente porque a demanda por alguns serviços (hotéis, restaurantes, setor aéreo) se recuperará muito lentamente. Será que a demanda, por exemplo, de filmes da Netflix, compensará o fechamento dos cinemas a ponto das super produções cinematográficas serem mantidas?
Já o investimento em saúde apresentará um retorno social muito mais elevado do que o percebido anteriormente. O mesmo ocorrerá para tecnologias de mitigação de riscos operacionais e de segurança. Entretanto, os efeitos positivos desses investimentos na produtividade serão mais relevantes na ocorrência de novas crises de saúde ou calamidades.
Não é possível ainda saber a dimensão de todos esses efeitos no crescimento potencial das economias. No momento, o foco das atenções está no controle da epidemia e em como reabrir as economias de maneira controlada. Mas uma vez superadas essas etapas, o aumento da produtividade deve ser o foco das políticas públicas a fim de não apenas recuperarmos o PIB perdido, mas principalmente, diminuirmos a desigualdade social agravada com essa crise.
* Solange Srour é economista-chefe da ARX Investimentos desde 2008. Antes, foi economista da BNY Mellon (2005-2008), do Banco BBM (2004-2005) e da Nobel Asset Management (2002-2004). Solange tem mestrado pela PUC-Rio e já foi professora do Departamento de Economia na mesma Universidade. Ela escreve com frequência artigos nos principais jornais nacionais e participa de debates e conferências sobre economia e política.