Young people chatting in foreign languages with phone. Multilingual greeting. Hello in different languages. Diverse cultures, international communication. Students with speech bubbles and earth planet (Divulgação: Nadezhda Buravleva/Getty Images)
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 26 de setembro de 2025 às 15h07.
Esta é uma pergunta perigosa, eu sei. Entretanto, precisa ser enfrentada. A “Análise Econômica do Direito” (AED ou, em inglês, Law and Economics) tem uma abordagem interessante para este dilema, baseada em um cálculo de custo-benefício. Trata-se da “Fórmula de Hand”. Alerto, pois, o leitor, para que tenha em mente que a abordagem é limitada, pois outros critérios poderiam ser usados para suprimir a liberdade de expressão como, por exemplo, o puro arbítrio.
Pois bem, o juiz norte-americano Learned Hand (1872-1961) postulou a fórmula B < P x L, em que B = custo, em unidades monetárias, de se precaver contra um evento, P = probabilidade de dano e L = o dano, em unidades monetárias. Em resumo, vale a pena, investir em prevenção se a perda esperada for maior que o investimento. Em 1986, o juiz Richard Posner propôs uma adaptação da fórmula, pensando especificamente na liberdade de expressão. Em sua formulação temos: (V + E) < (P×L)/(1+i)n.
O custo, agora, é o da regulação dos discursos e é a soma de dois componentes: “V” = perda social causada pela supressão do discurso e “E” = custo dos erros por parte do judiciário ao suprimir a informação/censurá-la.
No lado direito da fórmula, considera-se o valor presente descontado do produto de P (a probabilidade que o discurso, não sendo censurado, cause danos à sociedade o que podemos chamar de “probabilidade de que se passe das palavras à ação”) e L (a magnitude da perda caso o evento ocorra).
O uso do fator de desconto - ou seja, o cálculo do valor presente - é justificável pois pode ser que o evento provocado pelo discurso sobre o qual se analisa a censura possa ter efeitos ao longo do tempo.
O ponto principal da fórmula ampliada é, justamente, considerar a falibilidade do Judiciário, pois pode ser que: (a) a supressão acabe por privar a sociedade de um discurso que pode ser útil e não perigoso (erro na mensuração do risco); (b) como juízes e reguladores não são neutros, podem estar sendo parciais (viesados ideologicamente, por exemplo); (c) sabe-se que é difícil medir o valor social de ideias em tempo real; (d) censura ou julgamentos não são uma boa forma de se analisar um caso complexo de custo-benefício sobre o conteúdo de um discurso.
Há bons motivos para se considerar esta falibilidade. Afinal, a história nos dá vários bons exemplos de julgamentos problemáticos. Há o caso de Copérnico (no qual só descobrimos que ele não estava errado muito tempo depois), os julgamentos norte-americanos durante a era McCarthy e as tentativas do mesmo governo de suprimir protestos contra a guerra do Vietnã, para mencionar apenas alguns.
A fórmula acima pode ser reescrita de forma que possamos ver qual o valor mínimo da probabilidade P que justificaria uma restrição à liberdade de expressão.
[(V + E) * (1+i)n ] / L < P. Antes que o leitor fuja correndo dos algebrismos, afirmo, com segurança que a relação entre P e n é positiva e exponencial. Isto implica que a justificativa para a censura representada pela probabilidade P de que “palavras se convertam em ação” fica cada vez mais difícil ao longo do tempo. Um exemplo? Censurar o discurso dos que desejavam a morte de um senador do império em, digamos, 1800, poderia ter sido justificável, nos termos da fórmula de Posner em 1800 ou mesmo em 1801, mas não em 1855. Obviamente, a defesa da liberdade de expressão, tanto quanto o ataque à ela, não precisa se justificar apenas por uma desigualdade algébrica, podendo seguir outros critérios (neste caso, recomendo o livro de Gustavo Maultasch, Contra toda censura, editora Avis Rara, de 2022).
De todo modo, a análise de custo-benefício nos diz algo sobre a censura: se ela pode evitar algum vandalismo no curto prazo, sua eficácia se perde ao longo do tempo. Talvez seja a hora de revermos as “censuras” ou “regulações” das mídias sociais, piadas etc.
Um exercício para o caso do 08 de janeiro de 2023
Eis um exercício considerando, na falta de uma palavra melhor, a censura, que se aplica às redes sociais (desde o episódio da revista Crusoé, em 2019) e o lamentável episódio de vandalismo de 08 de janeiro de 2023 que alguns pensam ser culpa de algum “excesso de liberdade de expressão” nas redes sociais.
É bom esclarecer que é difícil achar estimativas fidedignas dos parâmetros usados na fórmula, o que me forçou a fazer algumas hipóteses. No caso das manifestações seguidas de vandalismo no lamentável 08 de janeiro, notícias do Senado e da Câmara, publicadas logo após o evento, estimavam as perdas, para as duas casas legislativas, em um total de R$ 7 milhões. Suponha mais R$ 3 milhões para as depredações no caso do STF e temos um total de R$ 10 milhões em prejuízos ou: L = 10.000.000.
Para a falibilidade do judiciário, suponho E = 1.000.000. Sigo Posner, assumindo i = 5% ao ano.
Para a variável V, uma pesquisa na internet sugere que o valor perdido dos pelas pessoas com a censura ou cancelamento de suas contas nas redes seja aproximadamente R$ 668 mil. Para os interessados, este valor foi calculado pelo preço médio pago por item (postagens, vídeos etc.) nas redes de US$ 0.80 por 1000 itens visualizados aplicados em um total de 10 mil visualizações por item. No meu levantamento, temos 16.700 itens censurados/retirados do ar incluindo Google, X/Twitter, Meta em 2022, o que nos dá, em dólares, 16.700 x 8 = US$ 133.600. Aplicando uma taxa de câmbio de US$ 5.00, temos V = R$ 668,000.
Cenário I
Suponha, inicialmente, que a censura se desse apenas no curto prazo, logo após o vandalismo. Neste caso teríamos: V + E = R$ 1.668.000, L = R$ 10.000, n = 0, i = 0.
Com estes parâmetros, a probabilidade P a partir da qual valeria a pena suprimir a liberdade de expressão seria igual a 0,167 ou 16,7%.
Cenário II
A hipótese de censura apenas no curto prazo não é uma boa representação do que temos no Brasil. Assim, o novo exercício considera n = 4 e i = 0.05 ao ano, para os mesmos valores de V, E e L anteriores.
Neste caso, a censura somente seria justificada para uma probabilidade P = 0,203 (20,3%). O leitor pode verificar que com o passar do tempo, a probabilidade limítrofe aumenta, o que significa que a censura perde eficácia ou seja, que ela prejudica a sociedade muito mais do que a protege.