Uso do orçamento no Congresso não tem paralelo no mundo, diz especialista
No mais recente Millenium Talks, consultor de Orçamento da Câmara e pesquisador apontaram possíveis alternativas para aprimorar o orçamento brasileiro
Da Redação
Publicado em 19 de abril de 2022 às 18h26.
A forma de utilização de emendas parlamentares no orçamento brasileiro é antidemocrática, dá ao Legislativo um poder de ingerência que não encontra paralelo em outros países da OCDE e precisa ser aprimorada levando-se em conta a distribuição dos recursos por áreas temáticas, e não interesses políticos. Essas foram algumas das observações feitas por especialistas durante o Millenium Talks desta terça-feira (19) sobre “O que o Congresso está fazendo com o seu dinheiro?”.
O debate foi mediado pela diretora-executiva do Millenium, Marina Helena Santos, e contou com a participação de Marcos Mendes, pesquisador do Insper e autor do paper “Emendas parlamentares e controle do orçamento pelo legislativo: uma comparação do Brasil com a OCDE", divulgado nessa terça pelo Instituto. Também participou o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Helio Tollini.
Os especialistas analisaram o processo de indicações de emendas do Legislativo brasileiro e comentaram que ele deve ser melhorado para garantir políticas públicas mais eficazes. “O fato de o Congresso ter poder não é ruim. O ruim é a forma como esse poder ocorre via emendas de relator e sem transparência”, afirmou Tollini em referência aos tipos de emendas que nos últimos anos têm se intensificado no orçamento brasileiro. Segundo o documento recém-divulgado, cerca de 24% de todas as despesas de livre indicação do governo federal estão nas mãos de parlamentares, patamar que não encontra paralelo com nenhum país desenvolvido do mundo.
"Não seria muito problema (o uso de emendas) se fosse um montante pequeno, alguns países permitem um montante pequeno, o problema no Brasil é que é um montante muito maior. É aí começa a diferenciar entre parlamento ter participação no orçamento, na definição de prioridades, e o parlamento, de certa forma, capturar o orçamento, mexendo de certa forma descoordenada baseado em interesses e propostas muito dispersas”, afirmou Mendes citando o recente exemplo de Portugal, onde foram feitas pouco menos de 300 emendas no orçamento e as autoridades de lá já identificaram que isso estaria dificultando a administração orçamentária. No orçamento brasileiro de 2021, por sua vez, deputados e senadores apresentaram 6,5 mil emendas. Tollini relembrou sua experiência de expor os números para estrangeiros em palestras que participou e de como isso os surpreendia. “Temos mais de 30 mil execuções de obras determinadas pelo Legislativo”, afirmou, ressaltando que esse grande volume de indicações dos parlamentares não é devidamente analisado.
Mendes, que foi um dos idealizadores do teto de gastos implementado em 2016, também aproveitou para rebater os argumentos de que haveria uma má distribuição de recursos entre governo federal, governos estaduais e municípios e que, por isso, seria necessária a distribuição de verbas por meio de emendas parlamentares. “Os dados não mostram isso, nós somos uma das federações mais descentralizadas do mundo, quando você soma arrecadação própria com as transferências recebidas por estados e municípios o volume é muito grande”, explicou.
O autor do paper ainda comentou que essas emendas muitas vezes acabam pressionando o teto de gastos e se disse surpreso com o descaso dos políticos com os interesses coletivos. “Tínhamos em mente (com a criação do teto de gastos) que, na hora que se tem uma limitação clara, os tomadores de decisões públicas vão pensar duas vezes antes de cortar uma despesa de interesse coletivo para botar uma de interesse individual. Nós erramos”, afirmou, citando como exemplo a destinação de verbas para emendas impositivas e para o fundão eleitoral.
Tollini, por sua vez, lembrou que, no orçamento brasileiro, os parlamentares podem indicar uma emenda sem precisar indicar de qual área seria retirada a verba para custear aquela despesa e que esse poder para interferir no orçamento gera um desequilíbrio nas disputas eleitorais. “O fato de um parlamentar ter acesso a esses recursos gera uma desvantagem comparativa muito grande com as novas pessoas que querem entrar na política, então você pode falar com certeza que é um processo antidemocrático”, afirmou.
Temáticas
Ao longo do debate, os especialistas também discutiram possíveis alternativas ao modelo de emendas parlamentares em vigor hoje no Brasil e apontaram que, além de diminuir o número de emendas, seria importante que essas indicações passassem a ser analisadas por comissões temáticas do Congresso antes de serem encaminhadas à Comissão Mista do Orçamento.
“O regimento (do Congresso) já prevê participação ativa de comissões temáticas no processo orçamentário, mas, na prática, isso nunca aconteceu”, afirmou ele, que já fez um estudo sugerindo que as emendas passassem a ser indicadas pelas comissões temáticas. Segundo Tollini, essas comissões tem condições de avaliar tecnicamente se aquele recurso da emenda será importante para a política pública para determinada área. Mendes, por sua vez, lembrou que é importante também reduzir o grau de detalhamento das despesas que os políticos brasileiros podem indicar, e que é necessário que o governo tenha um objetivo e diretrizes claras na interlocução com o Congresso para levar suas prioridades. “Se você tem toda essa estrutura legal, institucional, que já não ajuda, somado a um governo que não tem prioridade, e ao mesmo tempo permite que a Casa Civil e a Secretaria de Governo (principais órgãos de interlocução com o Congresso) sejam ocupadas pelos interesses pulverizados, que predominam no Congresso, aí fica muito difícil você conseguir dar coerência à política do governo”
A forma de utilização de emendas parlamentares no orçamento brasileiro é antidemocrática, dá ao Legislativo um poder de ingerência que não encontra paralelo em outros países da OCDE e precisa ser aprimorada levando-se em conta a distribuição dos recursos por áreas temáticas, e não interesses políticos. Essas foram algumas das observações feitas por especialistas durante o Millenium Talks desta terça-feira (19) sobre “O que o Congresso está fazendo com o seu dinheiro?”.
O debate foi mediado pela diretora-executiva do Millenium, Marina Helena Santos, e contou com a participação de Marcos Mendes, pesquisador do Insper e autor do paper “Emendas parlamentares e controle do orçamento pelo legislativo: uma comparação do Brasil com a OCDE", divulgado nessa terça pelo Instituto. Também participou o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Helio Tollini.
Os especialistas analisaram o processo de indicações de emendas do Legislativo brasileiro e comentaram que ele deve ser melhorado para garantir políticas públicas mais eficazes. “O fato de o Congresso ter poder não é ruim. O ruim é a forma como esse poder ocorre via emendas de relator e sem transparência”, afirmou Tollini em referência aos tipos de emendas que nos últimos anos têm se intensificado no orçamento brasileiro. Segundo o documento recém-divulgado, cerca de 24% de todas as despesas de livre indicação do governo federal estão nas mãos de parlamentares, patamar que não encontra paralelo com nenhum país desenvolvido do mundo.
"Não seria muito problema (o uso de emendas) se fosse um montante pequeno, alguns países permitem um montante pequeno, o problema no Brasil é que é um montante muito maior. É aí começa a diferenciar entre parlamento ter participação no orçamento, na definição de prioridades, e o parlamento, de certa forma, capturar o orçamento, mexendo de certa forma descoordenada baseado em interesses e propostas muito dispersas”, afirmou Mendes citando o recente exemplo de Portugal, onde foram feitas pouco menos de 300 emendas no orçamento e as autoridades de lá já identificaram que isso estaria dificultando a administração orçamentária. No orçamento brasileiro de 2021, por sua vez, deputados e senadores apresentaram 6,5 mil emendas. Tollini relembrou sua experiência de expor os números para estrangeiros em palestras que participou e de como isso os surpreendia. “Temos mais de 30 mil execuções de obras determinadas pelo Legislativo”, afirmou, ressaltando que esse grande volume de indicações dos parlamentares não é devidamente analisado.
Mendes, que foi um dos idealizadores do teto de gastos implementado em 2016, também aproveitou para rebater os argumentos de que haveria uma má distribuição de recursos entre governo federal, governos estaduais e municípios e que, por isso, seria necessária a distribuição de verbas por meio de emendas parlamentares. “Os dados não mostram isso, nós somos uma das federações mais descentralizadas do mundo, quando você soma arrecadação própria com as transferências recebidas por estados e municípios o volume é muito grande”, explicou.
O autor do paper ainda comentou que essas emendas muitas vezes acabam pressionando o teto de gastos e se disse surpreso com o descaso dos políticos com os interesses coletivos. “Tínhamos em mente (com a criação do teto de gastos) que, na hora que se tem uma limitação clara, os tomadores de decisões públicas vão pensar duas vezes antes de cortar uma despesa de interesse coletivo para botar uma de interesse individual. Nós erramos”, afirmou, citando como exemplo a destinação de verbas para emendas impositivas e para o fundão eleitoral.
Tollini, por sua vez, lembrou que, no orçamento brasileiro, os parlamentares podem indicar uma emenda sem precisar indicar de qual área seria retirada a verba para custear aquela despesa e que esse poder para interferir no orçamento gera um desequilíbrio nas disputas eleitorais. “O fato de um parlamentar ter acesso a esses recursos gera uma desvantagem comparativa muito grande com as novas pessoas que querem entrar na política, então você pode falar com certeza que é um processo antidemocrático”, afirmou.
Temáticas
Ao longo do debate, os especialistas também discutiram possíveis alternativas ao modelo de emendas parlamentares em vigor hoje no Brasil e apontaram que, além de diminuir o número de emendas, seria importante que essas indicações passassem a ser analisadas por comissões temáticas do Congresso antes de serem encaminhadas à Comissão Mista do Orçamento.
“O regimento (do Congresso) já prevê participação ativa de comissões temáticas no processo orçamentário, mas, na prática, isso nunca aconteceu”, afirmou ele, que já fez um estudo sugerindo que as emendas passassem a ser indicadas pelas comissões temáticas. Segundo Tollini, essas comissões tem condições de avaliar tecnicamente se aquele recurso da emenda será importante para a política pública para determinada área. Mendes, por sua vez, lembrou que é importante também reduzir o grau de detalhamento das despesas que os políticos brasileiros podem indicar, e que é necessário que o governo tenha um objetivo e diretrizes claras na interlocução com o Congresso para levar suas prioridades. “Se você tem toda essa estrutura legal, institucional, que já não ajuda, somado a um governo que não tem prioridade, e ao mesmo tempo permite que a Casa Civil e a Secretaria de Governo (principais órgãos de interlocução com o Congresso) sejam ocupadas pelos interesses pulverizados, que predominam no Congresso, aí fica muito difícil você conseguir dar coerência à política do governo”