Um novo olhar para o trabalho
O desafio das empresas em atração e retenção de talentos no pós-pandemia
Instituto Millenium
Publicado em 14 de novembro de 2024 às 10h00.
Por Maria Cerchi, associada do IFL-SP
Recentemente, participei de um encontro com cerca de 70 empreendedores dos mais diferentes setores e cantos do país, e um tema de preocupação comum emergiu de forma quase unânime: a escassez de talentos dispostos e qualificados para preencher posições de trabalho. Em nosso diálogo, ficou evidente que a pandemia virou o jogo: mudou o modo como vemos o trabalho e, principalmente, o modo como ele se encaixa em nossas vidas.
O impacto da pandemia acelerou discussões sobre o que realmente importa. O trabalho deixou de ser apenas o sustento, tornou-se parte de uma reflexão maior sobre bem-estar, saúde mental e propósito. Na prática, a pandemia trouxe uma nova consciência coletiva sobre o que esperamos da vida.
Muitos perderam empregos e precisaram buscar alternativas. Foram freelancers, fizeram trabalhos temporários, pequenas iniciativas de sobrevivência. Essas experiências desconstruíram a ideia de que a segurança reside apenas em um emprego fixo, criando uma disrupção no modo como entendemos o trabalho e menos apego às posições formais de emprego.
O boom do trabalho remoto deu a muitos profissionais a tão desejada liberdade para equilibrar trabalho e vida pessoal, mas também trouxe novos dilemas. Sem fronteiras claras entre a sala de estar e o escritório, burnout e esgotamento emocional se tornaram epidêmicos. A comunicação digital, por sua vez, diminuiu o contato humano, gerando uma avalanche de ruídos e insegurança. Recentemente, uma pesquisa revelou um aumento nos casos de assédio moral no ambiente de trabalho, indicando que a interação digital tem seus perigos: gestores, agora isolados em conversas privadas, acabam perdendo o limite e ultrapassando barreiras que antes eram controladas pela presença dos outros.
Enquanto isso, a digitalização das relações trouxe um fenômeno que ficou conhecido como “nação dopamina”. São prazeres imediatos e atalhos digitais. Vimos isso no aumento de vícios, como jogos de azar online, ou na comparação constante com as vidas “perfeitas” que vemos nas redes sociais. O resultado? Uma desconexão do mundo real, onde o trabalho e as interações genuínas foram substituídos por pequenas doses de satisfação instantânea, que, no longo prazo, levam a um vazio emocional.
Esse novo contexto nos leva a um ponto que não pode ser ignorado: a saúde mental. No pós-pandemia, o adoecimento emocional ficou escancarado, e a experiência de um tempo de perdas nos fez refletir sobre a brevidade da vida, passando a valorizar o ser em vez do ter, o agora em vez do “um dia”. A Gen Z, que já chega com esse foco no presente, sente ainda menos disposição para lidar com jornadas longas e frustrantes, abraçando a ideia de experiências no agora. Essa geração vê o trabalho como algo que precisa ter propósito e não apenas o pagamento no fim do mês.
A economia atual só reforça esse cenário. Com índices de desemprego mais baixos, empresas competem intensamente pelos talentos disponíveis, e a capacidade de atrair e reter profissionais nunca foi tão desafiadora. As empresas estão sendo chamadas a se reinventar, a oferecer algo maior do que um cargo e um salário.
Essa nova dinâmica pós-pandemia traz à tona a necessidade de transformação. Hoje, as empresas precisam ser mais do que apenas espaços de produção. Devem oferecer algo maior: um sentido de propósito, um ambiente de desenvolvimento humano. Com a chegada da automação e da inteligência artificial, as tarefas repetitivas estão sendo delegadas à tecnologia, aumentando a importância de repensar o papel do trabalho e torná-lo um espaço de realização e conexão.
Em uma recente formação em liderança na Harvard University conheci os conceitos de “willingness to sell” e “willingness to buy”, que, traduzidos, referem-se à "disposição para vender" e "disposição para comprar". Esse conceito traz uma perspectiva interessante sobre engajamento: a "willingness to sell" é a disposição de um colaborador para se dedicar ao trabalho e contribuir além do esperado, enquanto a "willingness to buy" é a disposição da empresa em oferecer um ambiente que justifique esse compromisso e desperte no consumidor o desejo de comprar os seus produtos ou serviços. Para que esse ciclo se complete de forma saudável, a empresa precisa oferecer mais do que uma boa remuneração e um cargo atraente – precisa proporcionar propósito e realização.
Maximizar essa "equação de engajamento" significa transcender os incentivos tradicionais e construir uma cultura que realmente ressoe com os valores de cada colaborador. Em um cenário onde ESG e impacto social estão se tornando componentes centrais de grandes empresas, aqueles que integram propósito e sustentabilidade em sua missão, de forma autêntica, conseguem uma conexão real com o que move seus profissionais e todo o ecossistema ao seu redor. Esse tipo de conexão cria orgulho e senso de pertencimento, impulsionando os colaboradores a darem o melhor de si, não apenas pelo que recebem, mas porque sentem que fazem parte de algo maior.
A verdade é que não temos um manual para essa nova realidade. Mas uma coisa é certa: empresas e líderes que conseguirem construir um ambiente que respeite e amplifique os propósitos individuais, criando um impacto genuíno, serão aqueles que, de fato, se destacarão. As novas gerações não querem só um emprego, elas querem fazer parte de algo maior. As empresas que entenderem isso e assumirem seu papel como agentes de transformação econômica e social, promovendo o crescimento de suas pessoas e de suas comunidades, terão futuros mais prósperos. Cabe a nós preparar o palco para que esses talentos possam florescer e, com eles, moldarmos a realidade que queremos ver.
* Maria Cerchi é Diretora Administrativa na Scala, responsável pelas áreas de Gente e Gestão, TI, Marketing e Inovação; e associada do Instituto Formação de Líderes de São Paulo (IFL-SP).
Por Maria Cerchi, associada do IFL-SP
Recentemente, participei de um encontro com cerca de 70 empreendedores dos mais diferentes setores e cantos do país, e um tema de preocupação comum emergiu de forma quase unânime: a escassez de talentos dispostos e qualificados para preencher posições de trabalho. Em nosso diálogo, ficou evidente que a pandemia virou o jogo: mudou o modo como vemos o trabalho e, principalmente, o modo como ele se encaixa em nossas vidas.
O impacto da pandemia acelerou discussões sobre o que realmente importa. O trabalho deixou de ser apenas o sustento, tornou-se parte de uma reflexão maior sobre bem-estar, saúde mental e propósito. Na prática, a pandemia trouxe uma nova consciência coletiva sobre o que esperamos da vida.
Muitos perderam empregos e precisaram buscar alternativas. Foram freelancers, fizeram trabalhos temporários, pequenas iniciativas de sobrevivência. Essas experiências desconstruíram a ideia de que a segurança reside apenas em um emprego fixo, criando uma disrupção no modo como entendemos o trabalho e menos apego às posições formais de emprego.
O boom do trabalho remoto deu a muitos profissionais a tão desejada liberdade para equilibrar trabalho e vida pessoal, mas também trouxe novos dilemas. Sem fronteiras claras entre a sala de estar e o escritório, burnout e esgotamento emocional se tornaram epidêmicos. A comunicação digital, por sua vez, diminuiu o contato humano, gerando uma avalanche de ruídos e insegurança. Recentemente, uma pesquisa revelou um aumento nos casos de assédio moral no ambiente de trabalho, indicando que a interação digital tem seus perigos: gestores, agora isolados em conversas privadas, acabam perdendo o limite e ultrapassando barreiras que antes eram controladas pela presença dos outros.
Enquanto isso, a digitalização das relações trouxe um fenômeno que ficou conhecido como “nação dopamina”. São prazeres imediatos e atalhos digitais. Vimos isso no aumento de vícios, como jogos de azar online, ou na comparação constante com as vidas “perfeitas” que vemos nas redes sociais. O resultado? Uma desconexão do mundo real, onde o trabalho e as interações genuínas foram substituídos por pequenas doses de satisfação instantânea, que, no longo prazo, levam a um vazio emocional.
Esse novo contexto nos leva a um ponto que não pode ser ignorado: a saúde mental. No pós-pandemia, o adoecimento emocional ficou escancarado, e a experiência de um tempo de perdas nos fez refletir sobre a brevidade da vida, passando a valorizar o ser em vez do ter, o agora em vez do “um dia”. A Gen Z, que já chega com esse foco no presente, sente ainda menos disposição para lidar com jornadas longas e frustrantes, abraçando a ideia de experiências no agora. Essa geração vê o trabalho como algo que precisa ter propósito e não apenas o pagamento no fim do mês.
A economia atual só reforça esse cenário. Com índices de desemprego mais baixos, empresas competem intensamente pelos talentos disponíveis, e a capacidade de atrair e reter profissionais nunca foi tão desafiadora. As empresas estão sendo chamadas a se reinventar, a oferecer algo maior do que um cargo e um salário.
Essa nova dinâmica pós-pandemia traz à tona a necessidade de transformação. Hoje, as empresas precisam ser mais do que apenas espaços de produção. Devem oferecer algo maior: um sentido de propósito, um ambiente de desenvolvimento humano. Com a chegada da automação e da inteligência artificial, as tarefas repetitivas estão sendo delegadas à tecnologia, aumentando a importância de repensar o papel do trabalho e torná-lo um espaço de realização e conexão.
Em uma recente formação em liderança na Harvard University conheci os conceitos de “willingness to sell” e “willingness to buy”, que, traduzidos, referem-se à "disposição para vender" e "disposição para comprar". Esse conceito traz uma perspectiva interessante sobre engajamento: a "willingness to sell" é a disposição de um colaborador para se dedicar ao trabalho e contribuir além do esperado, enquanto a "willingness to buy" é a disposição da empresa em oferecer um ambiente que justifique esse compromisso e desperte no consumidor o desejo de comprar os seus produtos ou serviços. Para que esse ciclo se complete de forma saudável, a empresa precisa oferecer mais do que uma boa remuneração e um cargo atraente – precisa proporcionar propósito e realização.
Maximizar essa "equação de engajamento" significa transcender os incentivos tradicionais e construir uma cultura que realmente ressoe com os valores de cada colaborador. Em um cenário onde ESG e impacto social estão se tornando componentes centrais de grandes empresas, aqueles que integram propósito e sustentabilidade em sua missão, de forma autêntica, conseguem uma conexão real com o que move seus profissionais e todo o ecossistema ao seu redor. Esse tipo de conexão cria orgulho e senso de pertencimento, impulsionando os colaboradores a darem o melhor de si, não apenas pelo que recebem, mas porque sentem que fazem parte de algo maior.
A verdade é que não temos um manual para essa nova realidade. Mas uma coisa é certa: empresas e líderes que conseguirem construir um ambiente que respeite e amplifique os propósitos individuais, criando um impacto genuíno, serão aqueles que, de fato, se destacarão. As novas gerações não querem só um emprego, elas querem fazer parte de algo maior. As empresas que entenderem isso e assumirem seu papel como agentes de transformação econômica e social, promovendo o crescimento de suas pessoas e de suas comunidades, terão futuros mais prósperos. Cabe a nós preparar o palco para que esses talentos possam florescer e, com eles, moldarmos a realidade que queremos ver.
* Maria Cerchi é Diretora Administrativa na Scala, responsável pelas áreas de Gente e Gestão, TI, Marketing e Inovação; e associada do Instituto Formação de Líderes de São Paulo (IFL-SP).