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Um novo ano de velhos desafios

O ano pode até ter mudado, mas nossos fantasmas tributários seguem firmes e fortes

(Ira Heuvelman-Dobrolyubova/Getty Images)
Maria Carolina Gontijo

Diretora de tributos da Moore Brasil

Publicado em 23 de janeiro de 2024 às 13h01.

Se o ano passado terminou com a histórica vitória da sociedade com a promulgação da reforma tributária sobre o consumo, o ano de 2024 não parece ser mais menos desafiador. Para além da regulamentação da Emenda Constitucional nº 132, a pressão sobre a equipe econômica para manter de pé o arcabouço fiscal e atingir o tão falado “déficit zero” recai sempre sobre a capacidade arrecadatória do país. Traduzindo? Recai no nosso bolso.

Uma das medidas mais politicamente controversas – mas com maior impacto arrecadatório – foi aprovada no apagar das luzes de 2023. Trata-se da Medida Provisória 1.185/2023, convertida na Lei 14.789 nos últimos dias do ano passado. A nova lei prevê a tributação das chamadas subvenções, ou seja, incentivos fiscais e/ou financeiros concedidos por qualquer ente federativo. O objetivo? Tributar as subvenções de ICMS – vantagens concedidas pelos Estados que, principalmente, alimentam a guerra fiscal.

O assunto sempre fora espinhoso, tecnicamente e politicamente. Ano passado, um aguardado julgamento do STJ sobre o tema deixou tudo mais incerto. Na ânsia por maiores receitas, em meados do ano passado o Governo Federal apresentou a medida provisória que, naquela altura, poucos acreditavam que poderia sobreviver a uma votação no Congresso. Mas o jogo virou. Com direito a restrições importantes no cálculo dos juros sobre o capital próprio. O jogo virou demais.

Compõe o rol de vitórias do ano passado a (corretíssima) tributação sobre offshores e fundos exclusivos. O governo ligou o turbo na máquina de gerar DARF – e ele não estava para brincadeira.

Agora a verdadeira brincadeira, de mau gosto, é perceber que tudo isso ainda não foi suficiente para um Estado que se recusa a cortar gastos. Notem que aqui eu não usei a expressão “governo”. Executivo, legislativo e judiciário, em matéria de pouco apreço ao dinheiro público, andam de mãos dadas, em uma blindagem mútua. Traduzindo? Recai no nosso bolso.

Sem margem sequer para a básica atualização da tabela do imposto de renda, o Estado Brasileiro irá cobrar imposto de renda de quem recebe 1,5 salário-mínimo. Um e meio. Seria cômico se não fosse trágico: o mesmo governo que se orgulha por aumentar o salário mínimo, não atualiza a tabela do imposto de renda. Dá com uma mão. Tira com a outra.

Mas se estivéssemos falando apenas da incapacidade de redução indireta de tributos, estaria ótimo. Estamos falando, de novo, de aumento de carga.

Ao fim e ao cabo, 2023 – o ano tributário que não acabava nunca - terminou com a edição da Medida Provisória 1.202 que, ainda que correta em seu mérito quanto à restrição a benefícios fiscais setoriais em relação a folha de pagamento, foi completamente atabalhoada em sua forma. O Congresso brasileiro tinha acabado de derrubar o veto presidencial que determinava a “reoneração” da folha para 17 setores. A democracia precisou de um desfibrilador neste dia.

Eu sei que parece bordão de programa de auditório, mas não foi só isso. A MP 1.202 trouxe também a revogação do PERSE – Programa Emergencial do Setor de Eventos. Criado em 2021, o programa previa o não pagamento de IR, CS, PIS e COFINS por empresas de determinadas áreas impactadas pela pandemia até 2027. Vale lembrar que o presidente vetou o benefício em 2021 por ausência de compensação pelo benefício. O Congresso derrubou o veto – sem indicar a fonte de compensação, claro. Mais uma vez, ainda que o mérito esteja correto, é bastante controversa a revogação de benefícios fiscais concedidos por prazo certo. O Código Tributário Nacional precisou de um desfibrilador neste dia.

Ao fim (eu juro que dessa vez é ao fim mesmo!) a mesma MP trouxe também a limitação na compensação de créditos tributários. Exatamente. O pagador de impostos que se sentia vítima de uma cobrança ilegal, passou anos discutindo judicialmente uma tese – mas recolhendo normalmente seus tributos. Anos. Conseguiu uma decisão favorável que estabelecia que aquilo que lhe fora cobrado jamais o deveria ter sido. Sobrou um crédito, correspondente a este valor de pagamento excessivo. Pois o governo decidiu que “devo, sim, não nego – pago em suaves prestações”. Contribuintes com mais de 10 milhões de reais em créditos tributários levarão agora até 5 anos para compensar todo o montante. Precisarão tirar do bolso (ou do investimento que não será realizado, ou das novas contratações que não serão feitas) para repassar ao governo. Eu disse que parecia uma brincadeira de mau gosto.

De tudo que vivemos em 2023, e de tudo que temos para viver em 2024, sobra a pergunta: até onde a corda estica? Até onde o contribuinte conseguirá suportar, sozinho, o peso de um Estado que o coloca como único responsável pelo equilíbrio das contas públicas? Se algumas pessoas já têm aversão ao termo “contribuinte”, que, de fato, apela ao senso coletivo (Estado e sociedade), talvez em breve tenhamos que considerar uma pequena alteração: viraremos, como sociedade, sustentaintes. Porque, olha, haja peso para sustentar.

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Se o ano passado terminou com a histórica vitória da sociedade com a promulgação da reforma tributária sobre o consumo, o ano de 2024 não parece ser mais menos desafiador. Para além da regulamentação da Emenda Constitucional nº 132, a pressão sobre a equipe econômica para manter de pé o arcabouço fiscal e atingir o tão falado “déficit zero” recai sempre sobre a capacidade arrecadatória do país. Traduzindo? Recai no nosso bolso.

Uma das medidas mais politicamente controversas – mas com maior impacto arrecadatório – foi aprovada no apagar das luzes de 2023. Trata-se da Medida Provisória 1.185/2023, convertida na Lei 14.789 nos últimos dias do ano passado. A nova lei prevê a tributação das chamadas subvenções, ou seja, incentivos fiscais e/ou financeiros concedidos por qualquer ente federativo. O objetivo? Tributar as subvenções de ICMS – vantagens concedidas pelos Estados que, principalmente, alimentam a guerra fiscal.

O assunto sempre fora espinhoso, tecnicamente e politicamente. Ano passado, um aguardado julgamento do STJ sobre o tema deixou tudo mais incerto. Na ânsia por maiores receitas, em meados do ano passado o Governo Federal apresentou a medida provisória que, naquela altura, poucos acreditavam que poderia sobreviver a uma votação no Congresso. Mas o jogo virou. Com direito a restrições importantes no cálculo dos juros sobre o capital próprio. O jogo virou demais.

Compõe o rol de vitórias do ano passado a (corretíssima) tributação sobre offshores e fundos exclusivos. O governo ligou o turbo na máquina de gerar DARF – e ele não estava para brincadeira.

Agora a verdadeira brincadeira, de mau gosto, é perceber que tudo isso ainda não foi suficiente para um Estado que se recusa a cortar gastos. Notem que aqui eu não usei a expressão “governo”. Executivo, legislativo e judiciário, em matéria de pouco apreço ao dinheiro público, andam de mãos dadas, em uma blindagem mútua. Traduzindo? Recai no nosso bolso.

Sem margem sequer para a básica atualização da tabela do imposto de renda, o Estado Brasileiro irá cobrar imposto de renda de quem recebe 1,5 salário-mínimo. Um e meio. Seria cômico se não fosse trágico: o mesmo governo que se orgulha por aumentar o salário mínimo, não atualiza a tabela do imposto de renda. Dá com uma mão. Tira com a outra.

Mas se estivéssemos falando apenas da incapacidade de redução indireta de tributos, estaria ótimo. Estamos falando, de novo, de aumento de carga.

Ao fim e ao cabo, 2023 – o ano tributário que não acabava nunca - terminou com a edição da Medida Provisória 1.202 que, ainda que correta em seu mérito quanto à restrição a benefícios fiscais setoriais em relação a folha de pagamento, foi completamente atabalhoada em sua forma. O Congresso brasileiro tinha acabado de derrubar o veto presidencial que determinava a “reoneração” da folha para 17 setores. A democracia precisou de um desfibrilador neste dia.

Eu sei que parece bordão de programa de auditório, mas não foi só isso. A MP 1.202 trouxe também a revogação do PERSE – Programa Emergencial do Setor de Eventos. Criado em 2021, o programa previa o não pagamento de IR, CS, PIS e COFINS por empresas de determinadas áreas impactadas pela pandemia até 2027. Vale lembrar que o presidente vetou o benefício em 2021 por ausência de compensação pelo benefício. O Congresso derrubou o veto – sem indicar a fonte de compensação, claro. Mais uma vez, ainda que o mérito esteja correto, é bastante controversa a revogação de benefícios fiscais concedidos por prazo certo. O Código Tributário Nacional precisou de um desfibrilador neste dia.

Ao fim (eu juro que dessa vez é ao fim mesmo!) a mesma MP trouxe também a limitação na compensação de créditos tributários. Exatamente. O pagador de impostos que se sentia vítima de uma cobrança ilegal, passou anos discutindo judicialmente uma tese – mas recolhendo normalmente seus tributos. Anos. Conseguiu uma decisão favorável que estabelecia que aquilo que lhe fora cobrado jamais o deveria ter sido. Sobrou um crédito, correspondente a este valor de pagamento excessivo. Pois o governo decidiu que “devo, sim, não nego – pago em suaves prestações”. Contribuintes com mais de 10 milhões de reais em créditos tributários levarão agora até 5 anos para compensar todo o montante. Precisarão tirar do bolso (ou do investimento que não será realizado, ou das novas contratações que não serão feitas) para repassar ao governo. Eu disse que parecia uma brincadeira de mau gosto.

De tudo que vivemos em 2023, e de tudo que temos para viver em 2024, sobra a pergunta: até onde a corda estica? Até onde o contribuinte conseguirá suportar, sozinho, o peso de um Estado que o coloca como único responsável pelo equilíbrio das contas públicas? Se algumas pessoas já têm aversão ao termo “contribuinte”, que, de fato, apela ao senso coletivo (Estado e sociedade), talvez em breve tenhamos que considerar uma pequena alteração: viraremos, como sociedade, sustentaintes. Porque, olha, haja peso para sustentar.

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