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Um Aristóteles para cada aluno: a promessa da inteligência artificial na educação

Desde pelo menos a Grécia antiga, o método educacional preferido das elites era a tutoria: a instrução individual de um aluno por um tutor

Aristóteles e Platão: entenda o impacto da IA na educação (Wikimedia Commons/Reprodução)
Gabriel Prado

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 17 de julho de 2023 às 13h44.

Suponha que você queira dar a seu filho a melhor educação que o dinheiro pode comprar. No Brasil, isso significaria colocá-lo em uma escola com mensalidade na casa dos R$ 10 mil, provavelmente bilíngue, com os melhores professores do país à frente de uma sala de aula para trinta ou quarenta alunos. Talvez você o matriculasse em alguma atividade extracurricular como piano, balé ou judô e, caso ele estivesse ficando para trás em alguma matéria, em aulas particulares de reforço. Pelo menos essa tem sido a escolha da elite brasileira.

Nem sempre foi assim. Desde pelo menos a Grécia antiga, o método educacional preferido das elites era a tutoria: a instrução individual de um aluno por um tutor.

Quando o rei Filipe II da Macedônia quis oferecer a melhor educação a seu filho, ele não hesitou em convocar o maior filósofo da época, Aristóteles, para ensinar filosofia, medicina e arte àquele que viria a se tornar Alexandre, o Grande. Já o imperador romano Marco Aurélio colecionou, ao longo da infância e adolescência, um total de dezessete tutores, em gramática, retórica, direito e filosofia.

A tutoria sobreviveu até a era contemporânea. Ada Lovelace, a inventora do primeiro algoritmo, foi educada em casa por matemáticos e cientistas. O filósofo Bertrand Russell e a escritora Virginia Woolf também nunca frequentaram uma escola – pelo menos não como alunos. Ludwig Wittgenstein só passou a frequentar uma aos catorze anos. Esses não são casos isolados, mas exemplos do método de instrução favorito das elites da época.

Com a massificação da educação e o fortalecimento das normas democráticas, a tutoria foi perdendo força e dando lugar às salas de aula com diversos alunos. Ainda assim, tanto John von Neumann quanto Albert Einstein, provavelmente os dois maiores gênios do século XX, foram educados em uma combinação de salas de aula e tutorias particulares. Von Neumann foi instruído por governantas até os onze anos, quando seu pai insistiu que ele passasse a frequentar uma escola compatível com sua idade. Mas o pai concordou em contratar professores particulares para que o prodígio pudesse avançar em seus estudos de matemática. Já Einstein aprendeu álgebra com a ajuda de seu tio, Jakob Einstein, e geometria com Max Talmud, o tutor da família.

O papel desses tutores aristocráticos não era apenas cobrir uma série de competências pré-determinadas. Eles eram responsáveis por direcionar os estudos dos alunos, estimulando seus interesses naturais e instigando a paixão pelo conhecimento.

O neurocientista Erik Hoel especula que o declínio desse método de educação explica em grande parte por que temos menos gênios nos dias de hoje, mesmo com a explosão populacional e do acesso à informação. A tese é bastante controversa, mas ecoa um problema conhecido na psicologia da educação, o chamado problema de dois sigmas de Bloom.

Em 1984, o pesquisador Benjamin Bloom publicou um estudo comparando a eficácia de diversas intervenções educacionais. O resultado mais surpreendente era o efeito de tutorias individuais no desempenho educacional: um aluno instruído dessa maneira tinha uma performance dois desvios-padrões (ou dois sigmas, daí o nome) acima do aluno médio. Em termos leigos, isso significa que o aluno médio que recebe instrução particular seria melhor que 98% dos alunos de uma sala de aula convencional.

O motivo pelo qual Bloom chamou isso de problema era claro: a tutoria individual é cara, um método de educação das aristocracias do passado, sem espaço nos tempos atuais. E por mais que tenha procurado, o psicólogo não encontrou nenhuma outra intervenção educacional com tamanho impacto no desempenho escolar.

Estudos mais recentes são menos extremos, mas ainda atestam a superioridade da tutoria. Uma meta-análise publicada em 2017 auferiu um efeito de 0,36 desvios-padrões de melhoria de perfomance entre os alunos tutorados. Embora seja menor do que o efeito encontrado por Bloom, é ainda muito maior e mais significativo do que o efeito encontrado para outras variáveis geralmente consideradas relevantes, como tamanho de sala de aula, programas de contraturno, ou aumento de recursos para as escolas. Estudo após estudo parece indicar que aulas particulares ainda são o método mais efetivo de instrução que conhecemos. Mas atualmente reservamos esse método apenas para os alunos com dificuldades, mesmo entre a elite.

A principal razão para o desparecimento da tutoria é, evidentemente, o alto custo. Uma educação baseada em dedicar um professor por criança não escala e nunca poderia ser implementada em um grande sistema de ensino.

Mas isso está mudando.

Em março deste ano, a organização educacional Khan Academy lançou o Khanmigo, uma inteligência artificial que esclarece dúvidas das disciplinas, contextualiza a importância dos conteúdos, e até personifica figuras históricas e personagens da ficção para conversar com os estudantes. Ela é construída em cima da mesma tecnologia que o ChatGPT, mas, diferente deste, nunca dá respostas de imediato: seu objetivo é estimular o aluno a pensar e a chegar em soluções por conta própria, apenas guiando o processo. A Khan Academy também anunciou uma inteligência artificial para professores: um assistente pedagógico que ajuda a estruturar aulas e propõe atividades para serem feitas com os alunos.

Para quem conhece a realidade da educação brasileira, a proposta pode parecer ilusória. Movimentos pela educação ainda lutam para colocar computadores ou acesso à internet nas escolas e a interação com a inteligência artificial exige uma disciplina e proatividade que muitos alunos não exibem.

As críticas fazem sentido. A relação entre aluno e professor vai muito além da mera transmissão de informações: a interação humana permite identificar falhas conceituais e contextualizar conteúdos de forma muito mais profunda. Além disso, o afeto, a inspiração e a motivação que professores provocam em seus alunos ainda estão muito longes de serem replicados por máquinas. Quando Bertrand Russell descreve seus tutores em sua autobiografia, ele não fala apenas do que aprendeu, mas da admiração que nutria por eles.

Se usada da maneira errada, a inteligência artificial pode mais atrapalhar do que ajudar. A dificuldade em garantir a acurácia factual dos modelos ainda é uma das grandes limitações da tecnologia, sem falar no uso indiscriminado para escrever redações ou colar em provas.

No entanto, as razões para ser otimista parecem superar a descrença. Durante milênios, o melhor método de instrução que conhecemos estava reservado apenas à elite. Agora, será possível oferecer a cada aluno um tutor completamente individual e dedicado, especialista em todos os assuntos, capaz de responder perguntas e oferecer ajuda a qualquer momento. Esse tutor também ajudará o aluno a se organizar e montará planos de estudo adaptados às dificuldades de cada um. Mais do que isso, as novas inteligências artificiais da educação têm sido treinadas para promover o raciocínio próprio e instigar a curiosidade do aluno, assim como para relacionar os conteúdos apresentados com seus interesses pessoais, incentivando o aluno a ir além do que vê em sala de aula.

Se pais, professores e instituições educacionais souberem aproveitar a oportunidade, terão poderosos aliados na educação. Em vez de substituir os professores, essas inteligências artificiais vão facilitar a parte mais custosa do ensino: a instrução em diversos campos do conhecimento e o esclarecimento de dúvidas particulares. Caberá aos humanos a condução desse processo, levando em consideração a dimensão afetiva e social da educação. Talvez a promessa de um Aristóteles para cada aluno ainda esteja longe de se concretizar, mas com essas novas tecnologias já podemos começar a sonhar.

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Suponha que você queira dar a seu filho a melhor educação que o dinheiro pode comprar. No Brasil, isso significaria colocá-lo em uma escola com mensalidade na casa dos R$ 10 mil, provavelmente bilíngue, com os melhores professores do país à frente de uma sala de aula para trinta ou quarenta alunos. Talvez você o matriculasse em alguma atividade extracurricular como piano, balé ou judô e, caso ele estivesse ficando para trás em alguma matéria, em aulas particulares de reforço. Pelo menos essa tem sido a escolha da elite brasileira.

Nem sempre foi assim. Desde pelo menos a Grécia antiga, o método educacional preferido das elites era a tutoria: a instrução individual de um aluno por um tutor.

Quando o rei Filipe II da Macedônia quis oferecer a melhor educação a seu filho, ele não hesitou em convocar o maior filósofo da época, Aristóteles, para ensinar filosofia, medicina e arte àquele que viria a se tornar Alexandre, o Grande. Já o imperador romano Marco Aurélio colecionou, ao longo da infância e adolescência, um total de dezessete tutores, em gramática, retórica, direito e filosofia.

A tutoria sobreviveu até a era contemporânea. Ada Lovelace, a inventora do primeiro algoritmo, foi educada em casa por matemáticos e cientistas. O filósofo Bertrand Russell e a escritora Virginia Woolf também nunca frequentaram uma escola – pelo menos não como alunos. Ludwig Wittgenstein só passou a frequentar uma aos catorze anos. Esses não são casos isolados, mas exemplos do método de instrução favorito das elites da época.

Com a massificação da educação e o fortalecimento das normas democráticas, a tutoria foi perdendo força e dando lugar às salas de aula com diversos alunos. Ainda assim, tanto John von Neumann quanto Albert Einstein, provavelmente os dois maiores gênios do século XX, foram educados em uma combinação de salas de aula e tutorias particulares. Von Neumann foi instruído por governantas até os onze anos, quando seu pai insistiu que ele passasse a frequentar uma escola compatível com sua idade. Mas o pai concordou em contratar professores particulares para que o prodígio pudesse avançar em seus estudos de matemática. Já Einstein aprendeu álgebra com a ajuda de seu tio, Jakob Einstein, e geometria com Max Talmud, o tutor da família.

O papel desses tutores aristocráticos não era apenas cobrir uma série de competências pré-determinadas. Eles eram responsáveis por direcionar os estudos dos alunos, estimulando seus interesses naturais e instigando a paixão pelo conhecimento.

O neurocientista Erik Hoel especula que o declínio desse método de educação explica em grande parte por que temos menos gênios nos dias de hoje, mesmo com a explosão populacional e do acesso à informação. A tese é bastante controversa, mas ecoa um problema conhecido na psicologia da educação, o chamado problema de dois sigmas de Bloom.

Em 1984, o pesquisador Benjamin Bloom publicou um estudo comparando a eficácia de diversas intervenções educacionais. O resultado mais surpreendente era o efeito de tutorias individuais no desempenho educacional: um aluno instruído dessa maneira tinha uma performance dois desvios-padrões (ou dois sigmas, daí o nome) acima do aluno médio. Em termos leigos, isso significa que o aluno médio que recebe instrução particular seria melhor que 98% dos alunos de uma sala de aula convencional.

O motivo pelo qual Bloom chamou isso de problema era claro: a tutoria individual é cara, um método de educação das aristocracias do passado, sem espaço nos tempos atuais. E por mais que tenha procurado, o psicólogo não encontrou nenhuma outra intervenção educacional com tamanho impacto no desempenho escolar.

Estudos mais recentes são menos extremos, mas ainda atestam a superioridade da tutoria. Uma meta-análise publicada em 2017 auferiu um efeito de 0,36 desvios-padrões de melhoria de perfomance entre os alunos tutorados. Embora seja menor do que o efeito encontrado por Bloom, é ainda muito maior e mais significativo do que o efeito encontrado para outras variáveis geralmente consideradas relevantes, como tamanho de sala de aula, programas de contraturno, ou aumento de recursos para as escolas. Estudo após estudo parece indicar que aulas particulares ainda são o método mais efetivo de instrução que conhecemos. Mas atualmente reservamos esse método apenas para os alunos com dificuldades, mesmo entre a elite.

A principal razão para o desparecimento da tutoria é, evidentemente, o alto custo. Uma educação baseada em dedicar um professor por criança não escala e nunca poderia ser implementada em um grande sistema de ensino.

Mas isso está mudando.

Em março deste ano, a organização educacional Khan Academy lançou o Khanmigo, uma inteligência artificial que esclarece dúvidas das disciplinas, contextualiza a importância dos conteúdos, e até personifica figuras históricas e personagens da ficção para conversar com os estudantes. Ela é construída em cima da mesma tecnologia que o ChatGPT, mas, diferente deste, nunca dá respostas de imediato: seu objetivo é estimular o aluno a pensar e a chegar em soluções por conta própria, apenas guiando o processo. A Khan Academy também anunciou uma inteligência artificial para professores: um assistente pedagógico que ajuda a estruturar aulas e propõe atividades para serem feitas com os alunos.

Para quem conhece a realidade da educação brasileira, a proposta pode parecer ilusória. Movimentos pela educação ainda lutam para colocar computadores ou acesso à internet nas escolas e a interação com a inteligência artificial exige uma disciplina e proatividade que muitos alunos não exibem.

As críticas fazem sentido. A relação entre aluno e professor vai muito além da mera transmissão de informações: a interação humana permite identificar falhas conceituais e contextualizar conteúdos de forma muito mais profunda. Além disso, o afeto, a inspiração e a motivação que professores provocam em seus alunos ainda estão muito longes de serem replicados por máquinas. Quando Bertrand Russell descreve seus tutores em sua autobiografia, ele não fala apenas do que aprendeu, mas da admiração que nutria por eles.

Se usada da maneira errada, a inteligência artificial pode mais atrapalhar do que ajudar. A dificuldade em garantir a acurácia factual dos modelos ainda é uma das grandes limitações da tecnologia, sem falar no uso indiscriminado para escrever redações ou colar em provas.

No entanto, as razões para ser otimista parecem superar a descrença. Durante milênios, o melhor método de instrução que conhecemos estava reservado apenas à elite. Agora, será possível oferecer a cada aluno um tutor completamente individual e dedicado, especialista em todos os assuntos, capaz de responder perguntas e oferecer ajuda a qualquer momento. Esse tutor também ajudará o aluno a se organizar e montará planos de estudo adaptados às dificuldades de cada um. Mais do que isso, as novas inteligências artificiais da educação têm sido treinadas para promover o raciocínio próprio e instigar a curiosidade do aluno, assim como para relacionar os conteúdos apresentados com seus interesses pessoais, incentivando o aluno a ir além do que vê em sala de aula.

Se pais, professores e instituições educacionais souberem aproveitar a oportunidade, terão poderosos aliados na educação. Em vez de substituir os professores, essas inteligências artificiais vão facilitar a parte mais custosa do ensino: a instrução em diversos campos do conhecimento e o esclarecimento de dúvidas particulares. Caberá aos humanos a condução desse processo, levando em consideração a dimensão afetiva e social da educação. Talvez a promessa de um Aristóteles para cada aluno ainda esteja longe de se concretizar, mas com essas novas tecnologias já podemos começar a sonhar.

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