Enchente em Porto Alegre: inteligência artificial pode ajudar a prever eventos extremos (Leandro Fonseca/Exame)
Instituto Millenium
Publicado em 22 de junho de 2025 às 09h55.
Roger Scruton, filósofo britânico e autor de "Filosofia Verde", afirma que a questão climática é o problema mais urgente que envolve a nossa existência. Não é o capitalismo, nem a economia de mercado, tampouco a ascensão de governos autoritários. O verdadeiro risco existencial reside no aquecimento global e em toda a complexa teia de consequências ambientais, sociais e políticas que dele decorrem — uma ameaça real que pode nos conduzir à extinção em algumas décadas ou séculos.
Considero essa perspectiva um tanto alarmista. Ainda que os dados sejam, de fato, preocupantes, e os efeitos da ação humana sobre a natureza estejam cada vez mais evidentes, é plausível supor que, do ponto de vista existencial, ainda tenhamos um longo caminho pela frente. Contudo, nossa permanência a longo prazo, como espécie, depende, essencialmente, da maneira como nos relacionamos com a biosfera.
É verdade que existem os negacionistas — aqueles que afirmam que não há problema algum, que o alarde ambiental não passa de histeria coletiva ou, em casos mais extremos, de uma conspiração orquestrada por elites globalistas alinhadas à extrema-esquerda. No entanto, essas vozes são periféricas, tanto no meio acadêmico quanto nos fóruns sérios de debate público. A esmagadora maioria dos especialistas e tomadores de decisão reconhece que há transformações significativas em curso no planeta, e que elas são consequência direta da atividade humana. Vivemos o que os cientistas denominam de Antropoceno.
Luc Ferry, renomado filósofo francês, é uma das figuras centrais no estudo dessas questões. Em sua obra "Ecomodernismo: As Sete Faces da Ecologia Política", ele analisa criticamente as principais correntes da ecologia contemporânea — do catastrofismo colapsista ao otimismo tecnológico. O livro apresenta sete teses e estratégias distintas para enfrentar os desafios ambientais, dando um panorama intelectual sobre os caminhos possíveis diante da crise ecológica. Resumo brevemente seis vertentes, para depois defender a sétima, a qual entendo como a melhor: o ecomodernismo.
As seis primeiras correntes analisadas por Ferry:
Colapsismo – Corrente catastrofista que acredita num colapso global iminente — previsto por volta de 2025–2030. Nada podemos fazer, senão pensar no mundo "após". A previsão mais extrema fala na morte de cerca de 4 bilhões de pessoas até a chegada desse “novo mundo”.
Alarmismo reformista – Defende o desenvolvimento sustentável como forma de limitar os danos ambientais por meio de reformas graduais. O objetivo é controlar o aquecimento global, a poluição e a perda de biodiversidade, sem interromper o crescimento econômico.
Alarmismo revolucionário – Propõe um “decrescimento” generalizado — energético, industrial, demográfico — para evitar a catástrofe ambiental. Embora rejeite o colapsismo, exige mudanças radicais na organização social.
Ecofeminismo – Identifica paralelos entre a dominação da natureza e a opressão das mulheres. Sustenta que abandonar a luta por igualdade de gênero compromete a defesa ambiental.
Decolonial – Enxerga a crise ambiental como consequência direta da colonização e do imperialismo. A solução, segundo essa linha, passa por enfrentar e reverter relações históricas de dominação.
Veganismo – Corrente que afirma ser moralmente inaceitável o uso de animais como alimento, insumo ou material de teste. Rejeita carne, laticínios, couro, lã e qualquer produto de origem animal.
Essas correntes, com graus variados de radicalismo ou gradualismo, reconhecem a existência de uma crise planetária de sustentabilidade. Ferry — assim como eu — simpatiza com uma posição que reconhece os desafios ambientais, mas sem apelar para retrocessos civilizacionais. Afinal, ninguém deseja abrir mão do conforto e da prosperidade que as sociedades liberais e modernas nos proporcionaram. É aqui que entra o ecomodernismo.
No Manifesto Ecomodernista, lemos: “Reafirmamos um antigo objetivo ambiental: o de que a humanidade deve reduzir seu impacto sobre o ambiente para preservar a natureza, e ao mesmo tempo rejeitamos outro antigo ideal: o de que as sociedades humanas devem entrar em harmonia com a natureza para evitar o colapso econômico e ecológico”.
Os ecomodernistas defendem a dissociação entre progresso e destruição ambiental. Para o desespero dos ecologistas radicais, propõem a "intensificação da urbanização como forma de devolver espaço à natureza selvagem — único meio eficaz de recriar biodiversidade, absorver CO₂ e conservar a beleza natural", como escreve Ferry.
Além disso, defendem o investimento em novas fontes energéticas, como a solar, a fissão e a fusão nucleares — vistas por Ferry como soluções energéticas do futuro. Trata-se de um projeto ousado e realista, que alia razão tecnológica, compromisso ambiental e prosperidade humana.
O ecomodernismo também propõe uma transformação do modelo econômico. A chamada economia circular rompe com a lógica linear de “extrair, produzir, descartar” e adota um ciclo virtuoso de “reduzir, reutilizar, reciclar e regenerar”. Isso implica eliminar resíduos e poluição desde o design dos produtos e planejar processos produtivos para minimizar desperdícios. Em essência, trata-se de redesenhar a produção para combinar preservação ambiental e prosperidade — a consagração da racionalidade econômica dos nossos tempos.
Por fim, os ecomodernistas apostam nas tecnologias de ponta como principal via de solução. Se os radicais propõem o decrescimento e o retrocesso no modo de vida e produção, nós propomos o contrário: mais inovação, mais criatividade, mais investimento em ciência e empreendedorismo. A resposta está na invenção, não na renúncia.
Resumindo: seremos salvos pelo Vale do Silício, não por Greta Thunberg.
* Adelson Vidal Alves é historiador, pós-graduado em História contemporânea