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Era uma vez a progressividade do Imposto de Renda, essencial para promover justiça fiscal e reduzir a desigualdade social

Era uma vez a progressividade do Imposto de Renda, essencial para promover justiça fiscal e reduzir a desigualdade social (Joédson Alves/Agência Brasil)
Maria Carolina Gontijo

Diretora de tributos da Moore Brasil

Publicado em 23 de outubro de 2024 às 12h42.

A progressividade no Imposto de Renda garantiria que aqueles com rendas mais altas pagassem uma parcela maior de seus ganhos em impostos, aliviando a carga dos contribuintes de menor renda. Isso seria fundamental para redistribuir riqueza e garantir que o financiamento de serviços públicos, como saúde e educação, fosse proporcional à capacidade contributiva de cada cidadão, fortalecendo o papel do Estado em reduzir as disparidades econômicas. Mas isso ficou só na teoria mesmo.

Nos últimos dez anos, as atualizações da tabela progressiva do imposto de renda no Brasil têm sido escassas e insuficientes para acompanhar a inflação. Essa estagnação não apenas desvaloriza o poder aquisitivo dos contribuintes, mas também perpetua uma carga tributária que penaliza, desproporcionalmente, os trabalhadores com rendimentos mais baixos.

Enquanto, em tese, quem ganha mais deveria pagar uma parcela maior de sua renda, o modelo brasileiro não se aplica de maneira justa quando lembramos que nosso sistema opta pela tributação concentrada na pessoa jurídica e consequente isenção dos dividendos. Essa isenção, adotada em 1995, foi justificada como uma forma de evitar a dupla tributação, já que os lucros das empresas já são tributados. No Brasil, essa isenção distorce o princípio de progressividade, permitindo que a parcela mais rica da população pague alíquotas efetivas menores que o restante da população.

Ocorre que simplesmente estabelecer uma tributação sobre dividendos – sem uma revisão na tributação da pessoa jurídica – também poderia ter um impacto danoso na estrutura econômica do país. Atualmente o Brasil possui alíquotas nominais altas para os tributos que compõem a tributação da renda da pessoa jurídica. Contudo, em virtude do excessivo número de benefícios fiscais e regimes específicos (como o lucro presumido e o Simples Nacional), nem sempre essa alíquota nominal é traduzida em alíquota efetiva. Por mais que a prática global indique que a tributação de dividendos, mesmo que a uma alíquota reduzida, garantiria uma maior justiça fiscal - além de desonerar o capital reinvestindo na pessoa jurídica – é muito difícil implementar isso no Brasil sem uma revisão ampla da tributação da renda da pessoa jurídica. Em 2021, a proposta de tributar dividendos acabou tão desfigurada pelo Congresso Nacional, com a inclusão de inúmeras exceções, que o Governo, na época, acabou por abandonar o projeto.

Foi dentro deste contexto que a atualização da tabela do imposto de renda figurou como promessa de campanha dos dois principais candidatos à presidência da República em 2022. Agora, as atenções se voltam a como cumprir tal promessa. Concretizar esta medida através da simples atualização da tabela progressiva do IR poderia custar acima de 100 bilhões de reais aos cofres públicos – o que seria completamente inviável no momento. Embora a arrecadação no país esteja quebrando sucessivos recordes – com um aumento real de 9,68% no acumulado até setembro – não há espaço no orçamento para tanto.

Para conseguir implementar a proposta, o governo vem informalmente discutindo a possibilidade de estabelecer um imposto mínimo sobre a renda total dos cidadãos mais abastados do país – os famosos “milionários”. A base de cálculo deste imposto mínim o incluiria dividendos e aplicações financeiras, entre outros rendimentos. Caso a alíquota efetiva do imposto de renda seja inferior à alíquota mínima que será estipulada, o contribuinte precisaria recolher essa diferença no ajuste anual do Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF). Uma espécie de imposto sobre grandes rendimentos (seria inexato usar o termo “fortunas”).

Ninguém está questionando a necessidade de uma reforma no Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF) para que a tão sonhada progressividade seja alcançada. Todavia, tentar implementar isso através de uma tributação extra sobre rendimentos tão líquidos quanto os rendimentos aventados pela proposta pode levar a uma fuga de capitais inevitável. Em um mundo completamente conectado e com a possibilidade de migração entre países cada vez mais acessível, ignorar que os contribuintes com maior poder aquisitivo poderiam facilmente implementar planejamentos fiscais sofisticados para reduzir sua carga tributária seria de uma inocência pueril.

Para além disso, a própria proposta de isentar de imposto de renda a população que ganha até 5 mil reais parece completamente descolada da realidade do país. Embora esse valor possa não parecer elevado em comparação com padrões internacionais ou com o custo de vida em grandes cidades, no contexto brasileiro, a maioria da população ganha bem menos e arca com uma excessiva tributação sobre o consumo. Dados mostram que cerca de 75% dos trabalhadores recebem até dois salários mínimos, o que coloca quem ganha 5 mil reais entre os 10% mais ricos do país. Seria essa, de fato, uma boa ideia em termos de política redistributiva e que alcançaria um bom resultado em desenvolvimento social? Ou estamos novamente a nos debater entre ideias populistas e política fiscal sem compromisso sustentável?

Todos os brasileiros esperamos que o nosso sistema tributário seja pensado de uma maneira mais justa, onde aqueles com maior capacidade econômica contribuam à medida de seus ganhos financeiros. Contudo, não ignoramos que toda a tributação, seja sobre a renda ou sobre o consumo, é um ecossistema vivo e interligado, que faz parte do dia a dia das pessoas e impacta nas oportunidades que estas pessoas terão (ou não) de construir um futuro mais próspero. Tentar adaptar parcialmente este ecossistema pode não só não surtir o efeito esperado, como criar mais problemas do que se propôs a resolver inicialmente.

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A progressividade no Imposto de Renda garantiria que aqueles com rendas mais altas pagassem uma parcela maior de seus ganhos em impostos, aliviando a carga dos contribuintes de menor renda. Isso seria fundamental para redistribuir riqueza e garantir que o financiamento de serviços públicos, como saúde e educação, fosse proporcional à capacidade contributiva de cada cidadão, fortalecendo o papel do Estado em reduzir as disparidades econômicas. Mas isso ficou só na teoria mesmo.

Nos últimos dez anos, as atualizações da tabela progressiva do imposto de renda no Brasil têm sido escassas e insuficientes para acompanhar a inflação. Essa estagnação não apenas desvaloriza o poder aquisitivo dos contribuintes, mas também perpetua uma carga tributária que penaliza, desproporcionalmente, os trabalhadores com rendimentos mais baixos.

Enquanto, em tese, quem ganha mais deveria pagar uma parcela maior de sua renda, o modelo brasileiro não se aplica de maneira justa quando lembramos que nosso sistema opta pela tributação concentrada na pessoa jurídica e consequente isenção dos dividendos. Essa isenção, adotada em 1995, foi justificada como uma forma de evitar a dupla tributação, já que os lucros das empresas já são tributados. No Brasil, essa isenção distorce o princípio de progressividade, permitindo que a parcela mais rica da população pague alíquotas efetivas menores que o restante da população.

Ocorre que simplesmente estabelecer uma tributação sobre dividendos – sem uma revisão na tributação da pessoa jurídica – também poderia ter um impacto danoso na estrutura econômica do país. Atualmente o Brasil possui alíquotas nominais altas para os tributos que compõem a tributação da renda da pessoa jurídica. Contudo, em virtude do excessivo número de benefícios fiscais e regimes específicos (como o lucro presumido e o Simples Nacional), nem sempre essa alíquota nominal é traduzida em alíquota efetiva. Por mais que a prática global indique que a tributação de dividendos, mesmo que a uma alíquota reduzida, garantiria uma maior justiça fiscal - além de desonerar o capital reinvestindo na pessoa jurídica – é muito difícil implementar isso no Brasil sem uma revisão ampla da tributação da renda da pessoa jurídica. Em 2021, a proposta de tributar dividendos acabou tão desfigurada pelo Congresso Nacional, com a inclusão de inúmeras exceções, que o Governo, na época, acabou por abandonar o projeto.

Foi dentro deste contexto que a atualização da tabela do imposto de renda figurou como promessa de campanha dos dois principais candidatos à presidência da República em 2022. Agora, as atenções se voltam a como cumprir tal promessa. Concretizar esta medida através da simples atualização da tabela progressiva do IR poderia custar acima de 100 bilhões de reais aos cofres públicos – o que seria completamente inviável no momento. Embora a arrecadação no país esteja quebrando sucessivos recordes – com um aumento real de 9,68% no acumulado até setembro – não há espaço no orçamento para tanto.

Para conseguir implementar a proposta, o governo vem informalmente discutindo a possibilidade de estabelecer um imposto mínimo sobre a renda total dos cidadãos mais abastados do país – os famosos “milionários”. A base de cálculo deste imposto mínim o incluiria dividendos e aplicações financeiras, entre outros rendimentos. Caso a alíquota efetiva do imposto de renda seja inferior à alíquota mínima que será estipulada, o contribuinte precisaria recolher essa diferença no ajuste anual do Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF). Uma espécie de imposto sobre grandes rendimentos (seria inexato usar o termo “fortunas”).

Ninguém está questionando a necessidade de uma reforma no Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF) para que a tão sonhada progressividade seja alcançada. Todavia, tentar implementar isso através de uma tributação extra sobre rendimentos tão líquidos quanto os rendimentos aventados pela proposta pode levar a uma fuga de capitais inevitável. Em um mundo completamente conectado e com a possibilidade de migração entre países cada vez mais acessível, ignorar que os contribuintes com maior poder aquisitivo poderiam facilmente implementar planejamentos fiscais sofisticados para reduzir sua carga tributária seria de uma inocência pueril.

Para além disso, a própria proposta de isentar de imposto de renda a população que ganha até 5 mil reais parece completamente descolada da realidade do país. Embora esse valor possa não parecer elevado em comparação com padrões internacionais ou com o custo de vida em grandes cidades, no contexto brasileiro, a maioria da população ganha bem menos e arca com uma excessiva tributação sobre o consumo. Dados mostram que cerca de 75% dos trabalhadores recebem até dois salários mínimos, o que coloca quem ganha 5 mil reais entre os 10% mais ricos do país. Seria essa, de fato, uma boa ideia em termos de política redistributiva e que alcançaria um bom resultado em desenvolvimento social? Ou estamos novamente a nos debater entre ideias populistas e política fiscal sem compromisso sustentável?

Todos os brasileiros esperamos que o nosso sistema tributário seja pensado de uma maneira mais justa, onde aqueles com maior capacidade econômica contribuam à medida de seus ganhos financeiros. Contudo, não ignoramos que toda a tributação, seja sobre a renda ou sobre o consumo, é um ecossistema vivo e interligado, que faz parte do dia a dia das pessoas e impacta nas oportunidades que estas pessoas terão (ou não) de construir um futuro mais próspero. Tentar adaptar parcialmente este ecossistema pode não só não surtir o efeito esperado, como criar mais problemas do que se propôs a resolver inicialmente.

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