Salo Coslovsky discute finanças climáticas e regulação durante a Brazil Week na NYU
Instituto Millenium entrevista Salo Coslovsky
Publicado em 17 de abril de 2024 às, 13h27.
Última atualização em 18 de abril de 2024 às, 10h28.
Durante a semana dedicada ao Brasil na NYU Law, Salo Coslovsky se destacou em um painel organizado pela NYU Brazilian Legal Society (BLS) em parceria com a NYU Environmental Law Society (ELS), abordando o financiamento climático para países em desenvolvimento. A conversa aconteceu um dia antes da sétima edição da conferência anual da BLS, que teve o apoio do Instituto Millenium.
Em entrevista ao Instituto Millenium, Coslovsky, professor da NYU, pesquisador do Amazônia 2030 e com passagens pela FGV/EAESP, Fletcher School e MIT, discutiu o desafio de conciliar regulação e crescimento econômico sem comprometer a sustentabilidade ambiental. Ele defende que uma política regulatória eficaz não só mantém a competitividade das empresas, mas também pode fomentar inovações que promovam a sustentabilidade. A entrevista proporciona aos leitores exemplos e reflexões sobre como converter desafios regulatórios em oportunidades para o desenvolvimento sustentável.
Instituto Millenium: Em sua extensa pesquisa abrangendo diversos setores, o senhor investigou como os países podem implementar regulamentações sem comprometer o crescimento econômico. Poderia nos oferecer um panorama dos princípios fundamentais que norteiam sua abordagem para conciliar a conformidade regulatória com a preservação da competitividade de mercado?
Salo Coslovsky: Muita gente acredita que leis ambientais, trabalhistas ou mesmo de sanidade alimentar diminuem a competitividade das empresas. Olhando de forma superficial, essa perspectiva parece fazer sentido. Afinal, comprar equipamentos de proteção pessoal custa dinheiro, instalar filtros ou dar destino adequado aos resíduos custa dinheiro, adotar métodos rigorosos de controle de qualidade custa dinheiro, e assim por diante.
Na minha pesquisa, estudei diversos casos concretos onde essa tensão foi superada, isto é, casos onde o respeito à legislação trabalhista, ambiental ou de sanidade alimentar não diminuiu – pelo contrário, aumentou – a competitividade dos negócios.
A forma mais óbvia de superar essa tensão é certificar o produto ou serviço como verde, associado a boas práticas trabalhistas, ou oriundo do comércio justo e tentar cobrar mais por ele. Às vezes, essa abordagem funciona, mas não é garantido. Os casos que estudei são mais surpreendentes, e envolvem modificações às vezes profundas na organização da produção dentro de cada empresa, o aprimoramento na relação delas com clientes ou fornecedores em sua cadeia de valor, e melhorias no ambiente de negócios onde atuam, por exemplo, através da criação de acordos pré-competitivos.
Só o fato desses casos existirem, e serem razoavelmente abundantes, já é um achado importante. Afinal, sua existência nos obriga a questionar o modelo mental dominante, que enxerga só oposição onde existe também complementaridade. Indo além, minha análise sugere que essa tensão entre a legislação de direitos e a competitividade das empresas não é estrutural ou inevitável, mas sim conjuntural. Se mudarmos algumas variáveis, aquilo que parece ser um obstáculo deixa de ser um obstáculo, e às vezes pode passar a ser uma vantagem.
IM: Levando em consideração seu foco em normas trabalhistas, ambientais e de segurança alimentar, como o senhor percebe o papel da regulamentação na promoção do desenvolvimento sustentável, especialmente em ambientes empresariais que são competitivos e, por vezes, delicados?
SC: Minha pesquisa mostra que a regulação pode promover o aprimoramento produtivo e aumento da competitividade das empresas. Mas fazer isso não é fácil, pois o conhecimento necessário costuma estar disperso, os incentivos nem sempre estão alinhados, e cada setor ou segmento econômico tem suas peculiaridades. Pior, essas peculiaridades variam no tempo e no território.
O primeiro desafio é obter o conhecimento necessário para identificar os gargalos ou alavancas mais importantes que afetam o desempenho das empresas. O segundo desafio é conseguir acionar essas alavancas.
Hoje, os instrumentos que o governo mais usa para promover a transformação produtiva são o subsídio e a proteção de mercado. Esses instrumentos são atraentes pois trazem ganhos tangíveis para as empresas beneficiadas. Os líderes políticos que oferecem o benefício também ganham pontos. Ainda mais, subsídios e proteção são fáceis de implementar, conhecidos do público em geral e bem aceitos pelos órgãos de controle. O problema é que não funcionam muito bem por si só, ou quando implementados sozinhos ou de forma indiscriminada.
Eles não funcionam pois nem o subsídio nem a proteção esclarecem quais são os gargalos mais urgentes ou as alavancas mais promissoras. Ainda mais, eles não ajudam as empresas e o governo a mobilizar os recursos que estão “escondidos, espalhados ou subutilizados” (essa expressão tomei emprestada de Albert Hirschman).
A regulação é diferente do subsídio e da proteção e pode cumprir todos esses papeis. Seu sucesso, porém, vai depender da forma com que é implementada. Os agentes de fiscalização não podem ser muito amigáveis, pois aí correm o risco de serem ignorados. Mas também não podem adotar uma atitude demasiado combativa, pois as empresas vão se mobilizar para reverter a regulação, ou podem acabar naufragando. A implementação deve buscar um bom equilíbrio entre elevar o sarrafo do desempenho empresarial e oferecer uma rampa de acesso. Então o foco de atenção passa para as estruturas de deliberação e aprendizado que reúnem os atores públicos e privados, e como essas estruturas podem ser criadas e aprimoradas.
IM: Ao investigar o potencial de produtos oriundos da Amazônia Brasileira que sejam economicamente viáveis e ambientalmente sustentáveis, quais tipos de mercadorias ou práticas foram identificados como mais promissores? De que maneira os marcos regulatórios podem respaldar seu êxito no cenário global, ao mesmo tempo em que garantem a preservação da Amazônia?
SC: Na minha pesquisa atual, examino o potencial dos produtos compatíveis com a floresta. Essa categoria inclui produtos típicos da extração florestal, como a castanha do Brasil e boa parte do açaí, os produtos típicos de sistemas agroflorestais, como o cacau e a pimenta do reino; produtos da pesca e piscicultura, e as frutas tropicais, como o abacaxi, manga, banana e mamão.
Esses produtos são importantes pois podem agir como vetores da conservação do meio-ambiente, da restauração florestal e da recuperação de áreas degradadas. Seu potencial de mercado é gigantesco. Como mostrei na minha pesquisa, empreendimentos sediados na Amazônia brasileira já exportam 60 desses produtos e faturam por volta de US$300 milhões por ano. O mercado global desses mesmos 60 produtos, porém, é de quase US$200 bilhões. Isso significa que a Amazônia brasileira detém cerca de 30% das florestas tropicais do planeta, mas tem participação no mercado global de apenas 0,2%.
A regulação pode ser instrumento contundente para que o setor consiga crescer. Nesse caso, não tenho dúvidas que o governo precisa manter e ampliar o combate ao desmatamento, fechar a fronteira criando unidades de conservação e Terras Indígenas, e incentivando as empresas a aprimorar todas suas frentes de atuação.
Uma das melhores formas de fazer isso é impondo um sarrafo elevado em termos de regras trabalhistas, ambientais e de sanidade alimentar, mas complementá-lo com o apoio mínimo necessário para que as empresas mais motivadas consigam superar esse sarrafo.
IM: Cláusulas trabalhistas estão sendo progressivamente incorporadas aos acordos de livre comércio. Estas visam tratar de questões como a concorrência salarial desleal e direitos humanos, refletindo uma demanda pública crescente por mercadorias produzidas de forma ética. Como o senhor avalia o papel destes padrões trabalhistas na promoção do comércio e do desenvolvimento econômico, e como isso se relaciona à sua agenda sobre o impacto da regulação trabalhista na competição nos ambientes empresariais?
SC: Muita gente vê esse tipo de legislação como uma barreira, mas se soubermos tomar vantagem da situação, ela pode se tornar uma fonte de oportunidades. Veja o caso do cacau. O mercado de amêndoas de cacau movimenta cerca de US$9 bilhões por ano, e a maior parte da matéria-prima origina-se na Costa do Marfim, Gana, e alguns outros países da África Ocidental. Todos eles enfrentam problemas graves com trabalho infantil, trabalho análogo à escravidão e desmatamento. As grandes multinacionais do chocolate, como a Nestlé, Mars e Mondelez, adorariam ter bons fornecedores de cacau que não carregam esse fardo, e o Brasil seria o candidato ideal para fornecer essa matéria-prima. O cacau é nativo da Amazônia e costuma ser plantado em sistemas agroflorestais. Além do mais, temos terras em abundância, clima adequado, e bom conhecimento agronômico. Se soubermos tirar vantagem dessas regras mais exigentes, podemos nos tornar uma potência econômica lastreada na natureza.
IM: Sua obra abordou a execução de regulamentações em setores diversos, revelando uma compreensão sutil do equilíbrio entre fiscalização e crescimento econômico. Diante do avanço acelerado de tecnologias emergentes, como a IA, qual é a sua visão sobre o papel dos quadros regulatórios no fomento à inovação, assegurando simultaneamente a segurança pública e a confiança?
SC: Essa é uma pergunta difícil, e não tenho uma boa resposta. A conciliação da competitividade empresarial com as regras trabalhistas, ambientais e de proteção ao consumidor é um processo que envolve investigação, análise, deliberação e a tomada de algum risco. Não é fácil automatizar. Pelo contrário, esse processo exige que os protagonistas deixem algumas de suas rotinas um pouco de lado e conversem ou até mesmo briguem entre si. Essas novas tecnologias podem ajudar em alguns aspectos, mas atrapalhar em outros.
O maior desafio, porém, não é tecnológico, mas conceitual. Enquanto continuarmos vendo a legislação de proteção exclusivamente como inimigas da competitividade, ou como um mal necessário para humanizar as mazelas da produção econômica, estaremos perdendo uma oportunidade valiosa de usar as leis, e seus agentes de fiscalização, como instrumento do desenvolvimento sustentável.