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Rio de Janeiro tem complicado sistema de cotas

Matéria de Nelito Fernandes na revista Época desta semana comenta a decisão da Justiça do Rio que considerou que o sistema de cotas vigente no estado contraria o princípio da igualdade perante a lei: “O Rio tem um intrincado sistema que mistura cotas raciais, preferência para alunos de escolas públicas e cotas para deficientes. Como fica o caso de um filho de um pedreiro branco? Está fora das cotas e […] Leia mais

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Da Redação

Publicado em 2 de junho de 2009 às 01h05.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 13h33.

Matéria de Nelito Fernandes na revista Época desta semana comenta a decisão da Justiça do Rio que considerou que o sistema de cotas vigente no estado contraria o princípio da igualdade perante a lei:

“O Rio tem um intrincado sistema que mistura cotas raciais, preferência para alunos de escolas públicas e cotas para deficientes. Como fica o caso de um filho de um pedreiro branco? Está fora das cotas e tem boas chances de ser obrigado a pagar a faculdade. O.k., cotas raciais não são boas. Vamos fazer então cotas sociais. Pobres terão direito às vagas; ricos, não. E como definir quem é rico? E os filhos da classe média, que investiu na formação e agora é punida por ter conseguido um pouco mais na vida? Como fazer um sistema de cotas sem abrir mão da meritocracia? Está certo, vamos fazer cotas somente para os alunos de escolas públicas. Vamos perguntar a Joelma o que ela acha disso. Joelma é minha empregada doméstica. A filha dela, Jéssica Soares, é negra, mora em Imbariê, Baixada Fluminense, e, graças ao esforço da mãe, estuda em escola particular. Se tivermos cotas somente para alunos de escolas públicas, Jéssica estará fora. Os esforços de Joelma para dar uma educação melhor à menina teriam sido em vão.

Outra questão ainda não foi respondida: quem é negro? Já entrevistei uma candidata ao vestibular, branca de classe média, que tinha o sobrenome “Branco”. Ela se declarou negra para entrar pelas cotas. Raquel Branco posou nas páginas de ÉPOCA, em 2003, dizendo que no Brasil todos têm sangue negro. Alguém discorda? As cotas raciais têm, em si, uma contradição. Ao defender determinada raça que teria sido prejudicada, acabam criando um privilégio baseado em raça. E não era justamente isso que a cota queria combater?

O mais perto que chego de uma opinião é baseado em minha própria experiência. Sou o primeiro da minha família a ter curso superior. Neto de favelados migrantes nordestinos, filho de policial civil com enfermeira, estudei em escolas públicas a vida inteira. Qual seria minha chance de virar jornalista de ÉPOCA? O instrumento para isso existe. Na minha época chamava-se crédito educativo. Hoje é o Financiamento Estudantil (Fies), um programa do Ministério da Educação e da Caixa Econômica Federal. Funciona assim: você recebe um empréstimo do governo para custear a faculdade e, depois de formado, paga com seu salário. O Fies tem orçamento de R$ 4 bilhões, menos de um terço do Bolsa Família. É tão discreto que muita gente nem sabe que ele existe. Para ter acesso, basta que a renda familiar, comprovada por contracheques, seja inferior a um salário mínimo e meio por pessoa. A burocracia era infernal, mas foi graças a esse sistema que eu me formei. Sem assistencialismo, sem injustiça. Um exemplo de como a mão do Estado pode intervir sem pesar.”

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Matéria de Nelito Fernandes na revista Época desta semana comenta a decisão da Justiça do Rio que considerou que o sistema de cotas vigente no estado contraria o princípio da igualdade perante a lei:

“O Rio tem um intrincado sistema que mistura cotas raciais, preferência para alunos de escolas públicas e cotas para deficientes. Como fica o caso de um filho de um pedreiro branco? Está fora das cotas e tem boas chances de ser obrigado a pagar a faculdade. O.k., cotas raciais não são boas. Vamos fazer então cotas sociais. Pobres terão direito às vagas; ricos, não. E como definir quem é rico? E os filhos da classe média, que investiu na formação e agora é punida por ter conseguido um pouco mais na vida? Como fazer um sistema de cotas sem abrir mão da meritocracia? Está certo, vamos fazer cotas somente para os alunos de escolas públicas. Vamos perguntar a Joelma o que ela acha disso. Joelma é minha empregada doméstica. A filha dela, Jéssica Soares, é negra, mora em Imbariê, Baixada Fluminense, e, graças ao esforço da mãe, estuda em escola particular. Se tivermos cotas somente para alunos de escolas públicas, Jéssica estará fora. Os esforços de Joelma para dar uma educação melhor à menina teriam sido em vão.

Outra questão ainda não foi respondida: quem é negro? Já entrevistei uma candidata ao vestibular, branca de classe média, que tinha o sobrenome “Branco”. Ela se declarou negra para entrar pelas cotas. Raquel Branco posou nas páginas de ÉPOCA, em 2003, dizendo que no Brasil todos têm sangue negro. Alguém discorda? As cotas raciais têm, em si, uma contradição. Ao defender determinada raça que teria sido prejudicada, acabam criando um privilégio baseado em raça. E não era justamente isso que a cota queria combater?

O mais perto que chego de uma opinião é baseado em minha própria experiência. Sou o primeiro da minha família a ter curso superior. Neto de favelados migrantes nordestinos, filho de policial civil com enfermeira, estudei em escolas públicas a vida inteira. Qual seria minha chance de virar jornalista de ÉPOCA? O instrumento para isso existe. Na minha época chamava-se crédito educativo. Hoje é o Financiamento Estudantil (Fies), um programa do Ministério da Educação e da Caixa Econômica Federal. Funciona assim: você recebe um empréstimo do governo para custear a faculdade e, depois de formado, paga com seu salário. O Fies tem orçamento de R$ 4 bilhões, menos de um terço do Bolsa Família. É tão discreto que muita gente nem sabe que ele existe. Para ter acesso, basta que a renda familiar, comprovada por contracheques, seja inferior a um salário mínimo e meio por pessoa. A burocracia era infernal, mas foi graças a esse sistema que eu me formei. Sem assistencialismo, sem injustiça. Um exemplo de como a mão do Estado pode intervir sem pesar.”

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