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"RG Bovino: os desafios da rastreabilidade do gado no Brasil"

Instituto Millenium conversou com Rodrigo Paniago, consultor agropecuário da Boviplan

Gado pasta em integração com a natureza na região central do país (Helder Faria/Getty Images)
Instituto Millenium

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Publicado em 8 de novembro de 2024 às 06h12.

A rastreabilidade do gado no Brasil é a pauta do momento quando o assunto é Agro. Essa prática, que envolve a identificação individual dos animais e o acompanhamento de sua jornada até o abate, traz tanto desafios quanto oportunidades para os produtores.

O sistema já existe no país, mas divide opiniões, especialmente entre os pequenos pecuaristas. Em entrevista para o Instituto Millenium, o consultor agropecuário Rodrigo Paniago explica o que é a rastreabilidade do gado, como ela funciona no Brasil, os desafios enfrentados pelos produtores e as oportunidades que o modelo pode trazer para o setor.

Instituto Millenium: Rodrigo, para iniciarmos, o que é exatamente o rastreamento de gado? E esse modelo já existe no Brasil ou ao menos houve tentativa para aplicação?

Rodrigo Paniago: A rastreabilidade bovina consiste na identificação individual dos bovinos, através de brincos de identificação que recebem um número de registro único, cadastrado na Base Nacional de Dados (BND/SISBOV) do Ministério da Agricultura, ou seja, é como se cada bovino rastreado tivesse um RG.

O custo direto da identificação varia de R$6,50 a R$11,50 por animal, a depender do tipo de dispositivo utilizado, o que corresponde a 0,1 até 0,2 % do valor de venda de um boi gordo.

Este sistema oficial de identificação de bovinos existe no Brasil desde 2002 e a partir de 2006 passou a ser voluntário. Tudo começou por conta das pressões de países importadores, exigindo garantias ligadas à sanidade e segurança alimentar da carne bovina brasileira.

Atualmente o número de bovinos registrados na BND é de aproximadamente 4 milhões de animais, ou seja, próximo de 2 % do rebanho bovino brasileiro.

A rastreabilidade é obrigatória apenas para os bovinos que serão comercializados através dos acordos comerciais com a União Europeia (Lista Trace e Cota Hilton) ou que participam de protocolos nacionais, por exemplo o Programa Precoce MS, programa de incentivos fiscais do Estado de Mato Grosso do Sul e do Programa Carne Sustentável e Orgânica do Pantanal da Associação Brasileira Pantaneira de Pecuária Orgânica e Sustentável, dentre outros.

IM: Estamos falando de um produto orgânico e que, até determinado estágio do processo, está vivo. Quais as dificuldades que os produtores enfrentam nesse sentido?

RP: A gestão burocrática de um rebanho rastreado é uma dificuldade, em especial para quem está iniciando na gestão com rastreabilidade. Contudo, a maior preocupação dos pecuaristas é a perda involuntária do brinco pelos animais, o que ocorre com maior frequência nos animais criados a pasto. Apesar do percentual ser muito baixo, quando esses animais são flagrados sem a identificação em alguma visita de auditoria, a fazenda como um todo é prejudicada.

IM: Levando em consideração o momento atual do Brasil - e nossas dificuldades burocráticas - é viável que o modelo seja implementado, ou será mais uma barreira para o produtor?

RP: No momento, a demanda dos países importadores por garantias socioambientais está pressionando o setor, pois todos os novos acordos de comércio internacional consideram esse tema. Portanto, a rastreabilidade dos bovinos, desde o nascimento até o abate, é uma questão importante para a reputação do mercado exportador brasileiro.

O importador quer garantias de que a carne a ser consumida por eles não tem relação com o desmatamento, ou seja, não adianta produzir de forma sustentável é preciso comprovar que isso ocorre.

Mas, as dificuldades são enormes para que isso aconteça de forma célere, pois nem os diferentes organismos que geram as estatísticas sobre o tamanho do rebanho, ou que monitoram o tamanho da área de pastagens do país, possuem números convergentes, nem os diferentes cadastros fundiários se conversam.

Para que o processo de rastreabilidade de todo o rebanho brasileiro aconteça, é necessária a mobilização do setor privado e do poder público. O Ministério da Agricultura montou um grupo de trabalho e apresentou recentemente uma proposta para implantação da rastreabilidade de todo o rebanho nacional, assim como o setor frigorífico e financeiro também está se mobilizando nesse sentido.

No entanto, o elo que mais será impactado por esse novo modelo são os produtores rurais. Estes, apesar de cientes das dificuldades da implantação da rastreabilidade, não são contra, mas reivindicam que a adesão seja voluntária e não obrigatória, além de um prazo mínimo de 8 anos para o pecuarista se adaptar.

Por outro lado, o governo do Estado do Pará, sede da COP 30 em 2025, lançou o Sistemade Rastreabilidade Bovídea Individual do Pará (SRBIPA) muito audacioso, pois tem como meta identificar individualmente todo rebanho do Estado até 2026.

IM: Outro desafio é o investimento na tecnologia necessária. Como isso afeta o pequeno produtor? E pode afetar o valor da carne nas prateleiras?

RP: Hoje a implantação de sistemas de rastreabilidade é facilitada devido a atual disponibilidade de tecnologias digitais e dispositivos de identificação individual de animais.

No entanto, existem custos para sua implantação, que vão desde as tecnologias até o custo da burocracia, tanto que a Confederação Nacional da Agricultura, principal entidade representativa dos produtores rurais no Brasil,solicita que não haja custos de acesso ao sistema para o produtor, assim como na inserção de dados.

Os pequenos produtores rurais serão os mais afetados, pois representam a maior parcela dentre os pecuaristas brasileiros, notoriamente são os que possuem a menor infraestrutura de gestão; e deles será exigido a regularização fundiária, ambiental, aquisição de brincos, sistemas de informatização para escrituração zootécnica, acesso à internet e gestão mais intensiva.

Muitos nem possuem curral adequado ou mesmo o tronco de contenção individual de animais, ferramenta de alto custo de aquisição é essencial para o ato de colocação dos brincos de identificação e manejo do rebanho.

O risco maior é empurrar para fora do mercado regular esses pequenos produtores. Por outro lado, dificilmente os bovinos não rastreados deixarão de ser vendidos, acabarão por fomentar ainda mais o mercado informal.

IM: Acredita que, em um futuro próximo, o rastreamento seja uma solução viável tanto para produtores quanto consumidor final?

RP: Sim, eu acredito que a rastreabilidade dos bovinos é um caminho sem volta, não só para dar reputação à carne brasileira no mercado internacional, mas também para garantir a segurança alimentar dentro do país.

O atual desenvolvimento tecnológico será um facilitador para operacionalizar isso dentro da porteira e no pós-porteira.

Já temos casos exitosos dentro do país, como mencionado anteriormente, mas todos eles são sustentáveis porque os benefícios ao produtor são reais, facilmente mensuráveis. A produção agropecuária como um todo em nosso país é muito responsiva a incentivos fiscais ou econômicos, e esse é o melhor caminho.

Contudo, se os demais fatores dependentes do setor público, em especial a regularização fundiária, não for resolvida, o caminho será muito penoso.

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A rastreabilidade do gado no Brasil é a pauta do momento quando o assunto é Agro. Essa prática, que envolve a identificação individual dos animais e o acompanhamento de sua jornada até o abate, traz tanto desafios quanto oportunidades para os produtores.

O sistema já existe no país, mas divide opiniões, especialmente entre os pequenos pecuaristas. Em entrevista para o Instituto Millenium, o consultor agropecuário Rodrigo Paniago explica o que é a rastreabilidade do gado, como ela funciona no Brasil, os desafios enfrentados pelos produtores e as oportunidades que o modelo pode trazer para o setor.

Instituto Millenium: Rodrigo, para iniciarmos, o que é exatamente o rastreamento de gado? E esse modelo já existe no Brasil ou ao menos houve tentativa para aplicação?

Rodrigo Paniago: A rastreabilidade bovina consiste na identificação individual dos bovinos, através de brincos de identificação que recebem um número de registro único, cadastrado na Base Nacional de Dados (BND/SISBOV) do Ministério da Agricultura, ou seja, é como se cada bovino rastreado tivesse um RG.

O custo direto da identificação varia de R$6,50 a R$11,50 por animal, a depender do tipo de dispositivo utilizado, o que corresponde a 0,1 até 0,2 % do valor de venda de um boi gordo.

Este sistema oficial de identificação de bovinos existe no Brasil desde 2002 e a partir de 2006 passou a ser voluntário. Tudo começou por conta das pressões de países importadores, exigindo garantias ligadas à sanidade e segurança alimentar da carne bovina brasileira.

Atualmente o número de bovinos registrados na BND é de aproximadamente 4 milhões de animais, ou seja, próximo de 2 % do rebanho bovino brasileiro.

A rastreabilidade é obrigatória apenas para os bovinos que serão comercializados através dos acordos comerciais com a União Europeia (Lista Trace e Cota Hilton) ou que participam de protocolos nacionais, por exemplo o Programa Precoce MS, programa de incentivos fiscais do Estado de Mato Grosso do Sul e do Programa Carne Sustentável e Orgânica do Pantanal da Associação Brasileira Pantaneira de Pecuária Orgânica e Sustentável, dentre outros.

IM: Estamos falando de um produto orgânico e que, até determinado estágio do processo, está vivo. Quais as dificuldades que os produtores enfrentam nesse sentido?

RP: A gestão burocrática de um rebanho rastreado é uma dificuldade, em especial para quem está iniciando na gestão com rastreabilidade. Contudo, a maior preocupação dos pecuaristas é a perda involuntária do brinco pelos animais, o que ocorre com maior frequência nos animais criados a pasto. Apesar do percentual ser muito baixo, quando esses animais são flagrados sem a identificação em alguma visita de auditoria, a fazenda como um todo é prejudicada.

IM: Levando em consideração o momento atual do Brasil - e nossas dificuldades burocráticas - é viável que o modelo seja implementado, ou será mais uma barreira para o produtor?

RP: No momento, a demanda dos países importadores por garantias socioambientais está pressionando o setor, pois todos os novos acordos de comércio internacional consideram esse tema. Portanto, a rastreabilidade dos bovinos, desde o nascimento até o abate, é uma questão importante para a reputação do mercado exportador brasileiro.

O importador quer garantias de que a carne a ser consumida por eles não tem relação com o desmatamento, ou seja, não adianta produzir de forma sustentável é preciso comprovar que isso ocorre.

Mas, as dificuldades são enormes para que isso aconteça de forma célere, pois nem os diferentes organismos que geram as estatísticas sobre o tamanho do rebanho, ou que monitoram o tamanho da área de pastagens do país, possuem números convergentes, nem os diferentes cadastros fundiários se conversam.

Para que o processo de rastreabilidade de todo o rebanho brasileiro aconteça, é necessária a mobilização do setor privado e do poder público. O Ministério da Agricultura montou um grupo de trabalho e apresentou recentemente uma proposta para implantação da rastreabilidade de todo o rebanho nacional, assim como o setor frigorífico e financeiro também está se mobilizando nesse sentido.

No entanto, o elo que mais será impactado por esse novo modelo são os produtores rurais. Estes, apesar de cientes das dificuldades da implantação da rastreabilidade, não são contra, mas reivindicam que a adesão seja voluntária e não obrigatória, além de um prazo mínimo de 8 anos para o pecuarista se adaptar.

Por outro lado, o governo do Estado do Pará, sede da COP 30 em 2025, lançou o Sistemade Rastreabilidade Bovídea Individual do Pará (SRBIPA) muito audacioso, pois tem como meta identificar individualmente todo rebanho do Estado até 2026.

IM: Outro desafio é o investimento na tecnologia necessária. Como isso afeta o pequeno produtor? E pode afetar o valor da carne nas prateleiras?

RP: Hoje a implantação de sistemas de rastreabilidade é facilitada devido a atual disponibilidade de tecnologias digitais e dispositivos de identificação individual de animais.

No entanto, existem custos para sua implantação, que vão desde as tecnologias até o custo da burocracia, tanto que a Confederação Nacional da Agricultura, principal entidade representativa dos produtores rurais no Brasil,solicita que não haja custos de acesso ao sistema para o produtor, assim como na inserção de dados.

Os pequenos produtores rurais serão os mais afetados, pois representam a maior parcela dentre os pecuaristas brasileiros, notoriamente são os que possuem a menor infraestrutura de gestão; e deles será exigido a regularização fundiária, ambiental, aquisição de brincos, sistemas de informatização para escrituração zootécnica, acesso à internet e gestão mais intensiva.

Muitos nem possuem curral adequado ou mesmo o tronco de contenção individual de animais, ferramenta de alto custo de aquisição é essencial para o ato de colocação dos brincos de identificação e manejo do rebanho.

O risco maior é empurrar para fora do mercado regular esses pequenos produtores. Por outro lado, dificilmente os bovinos não rastreados deixarão de ser vendidos, acabarão por fomentar ainda mais o mercado informal.

IM: Acredita que, em um futuro próximo, o rastreamento seja uma solução viável tanto para produtores quanto consumidor final?

RP: Sim, eu acredito que a rastreabilidade dos bovinos é um caminho sem volta, não só para dar reputação à carne brasileira no mercado internacional, mas também para garantir a segurança alimentar dentro do país.

O atual desenvolvimento tecnológico será um facilitador para operacionalizar isso dentro da porteira e no pós-porteira.

Já temos casos exitosos dentro do país, como mencionado anteriormente, mas todos eles são sustentáveis porque os benefícios ao produtor são reais, facilmente mensuráveis. A produção agropecuária como um todo em nosso país é muito responsiva a incentivos fiscais ou econômicos, e esse é o melhor caminho.

Contudo, se os demais fatores dependentes do setor público, em especial a regularização fundiária, não for resolvida, o caminho será muito penoso.

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