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Reforma tributária: relatório da PEC 45 é positivo, mas é possível melhorar

A Proposta de Emenda à Constituição diz respeito ao imposto sobre herança

(Spanic/Getty Images)
Cristiane Schmidt

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 10 de novembro de 2023 às 12h12.

Conforme prometido pelo senador Eduardo Braga, o relatório da PEC 45 foi entregue no dia 25 de outubro à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Segundo o cronograma, este deve ser lido e votado na CCJ e no Plenário do Senado entre os dias 7 e 9 de novembro, para, espera-se, retornar à Câmara e ser votado até dezembro. Embora o saldo das mudanças ao texto tenha sido positivo, chega de exceções! Mais ainda: é possível aperfeiçoar o texto antes de voltar à Câmara.

Das mais de 690 emendas - que podem superar 800 até o dia da votação -, o relatório podia ter incorporado muito mais desejos corporativistas. Braga, assim, foi habilidoso. As alterações podiam ter inviabilizado a PEC 45. Não foi o caso. A PEC 45, mesmo com as modificações e ainda que não seja a ideal tecnicamente, trará expressivos ganhos. Estudo da OCDE1reafirma estes pontos.

Se houver mudança na CCJ, portanto, que esta não aumente a alíquota padrão para os brasileiros que não conseguem se organizar em lobbies. Por sua vez, modificações são bem-vindas quando forem em prol da maioria, quando trouxerem mais justiça social e quando preservarem a sustentabilidade fiscal, pois os desafios no Brasil são imensos e não se pode descuidar da dinâmica dívida/PIB, que deve ser decrescente (com alvo ao redor de 60%). Os custos para a União da PEC 45, por isso, precisam ser considerados, assim como o seu financiamento anual, lembrando que crescimento econômico afeta receita e despesa, logo, não deve ser apontado como fonte de recurso.

Incontestavelmente houve aspectos positivos no relatório. Além da escrita ter sido aprimorada, de ter sido posto prazo de 240 meses para o envio pelo Executivo das leis complementares e de ter sido criada a Cide no lugar do IPI para ZFM, houve 4 pontos que merecem destaques.

O primeiro foi a incorporação de revisões das exceções de 5 em 5 anos. Conquanto se tenha o Plano Plurianual e as leis orçamentárias, que se propõem a fazer isso, e haja o Ministério de Planejamento, orientado a avaliar anualmente ditas políticas, ter essa previsão na Constituição garante que de fato estas revisões ocorrerão. A inclusão deste item, por conseguinte, foi um gol.

A segunda alteração adequada - mas que pode ser aperfeiçoada - foi a divisão da cesta básica em duas. Uma, com 30 a 35 itens. Nada de ter salmão aí, como ocorre na cesta “básica” de hoje, com 1300 itens. A segunda cesta, estendida, abarcaria itens com alíquotas reduzidas à padrão, mas com direito ao cashback. Como o modelo mais progressivo é o de onerar 100% dos produtos e devolver o dinheiro pago de imposto apenas ao vulnerável em forma de cashback2, apesar desta mudança ter sido boa, seria melhor prestigiar os mais pobres e acabar de vez com a desoneração e introduzir o cashback, como ocorre no Uruguai, onde o contribuinte pobre recebe o dinheiro no momento da compra. Note que a política ideal não desonera o produto, mas as pessoas mais pobres.

O terceiro acerto foi a garantia de que energia elétrica e telecomunicação - dois serviços que afetam a competitividade das empresas - não terão alíquotas majoradas pelo Imposto Seletivo (IS). A quarta melhora, por fim, foi fixar uma carga tributária (como % do PIB) máxima. Explico.

Ainda que, em condições normais, esta previsão não precisaria existir, há dois argumentos em seu favor: 1) o Brasil tributa demais no todo e sobre o consumo, em particular, vis-à-vis a seus pares e a população não aguenta pagar mais imposto e não ter serviços públicos à altura. Este fato foi evidenciado no debate da PEC 45 no parlamento, em que todos querem ser exceção. Logo, impor um limite à carga é atender a uma demanda social; e 2) como a situação fiscal do país é frágil e como no Brasil, quando se tem receita extra (recorrente ou não), aumenta-se gasto obrigatório; para que o indicador dívida/PIB não piore, limitar a receita significa obrigar o governo fazer algo que já deveria estar fazendo há tempos: rever e priorizar as suas despesas.

Caso ditas revisões não ocorram, uma dívida/PIB maior significará juros, inflação e câmbio maiores. Sendo este um cenário péssimo, os bem-vindos re-exames dos gastos deverão ocorrer com maior probabilidade, se houver um teto para a carga tributária.

Como pontos negativos, por sua vez, houve a redução em 30% da alíquota padrão para os profissionais liberais. Dado que 85% destes estão no Simples Nacional, os que não faturam muito. Ainda que estes devam estar no meio da cadeia produtiva, o que quer dizer que seu cliente receberá o crédito relativo ao imposto pago, não é nem tecnicamente nem moralmente aceitável esta exceção. Outras inserções inexplicáveis nos “regimes específicos” foram a de “serviços de agência de viagem e turismo” e a do “setor aéreo”.

Além disso, conquanto a inclusão dos setores de saneamento, concessões rodoviárias e transporte coletivo pudessem se justificar porque são segmentos regulados, muito mais apropriado seria onerá-los e dar cashback para os vulneráveis. Não há razão para o rico pagar menos imposto sobre estes serviços. Também não cabe mais o setor automotivo ter mais benesses. Este é o exemplo mais caricato de proteção à indústria nascente (de 65 anos!) ineficaz. Há tempo, pois, para alterar estes retrocessos.

Por fim, o ponto mais sensível do relatório, por seus efeitos de longo prazo na sustentabilidade fiscal do país, concerne ao Fundo de Desenvolvimento Regional, lembrando que esta reforma não foi adiante no governo anterior por esta razão. Conquanto o orçamento anual seja de R$ 2 trilhões, as despesas discricionárias são de parcos R$ 140 bilhões. O custo anual a partir de 2043 da PEC 45 já era elevado (R$ 40 bilhões) e cresceu para R$ 60 bilhões (43% das despesas discricionárias, isto é, bastante). Seria importante que este valor retorne aos R$ 40 bilhões e que conste no texto a sua fonte de financiamento (ex: redução do BPC, que custa R$ 90 bilhões, pela metade). É perigoso e injusto aumentar as despesas obrigatórias da União nesta magnitude, que passaria a ter apenas R$ 80 bilhões em recursos livres.

Em suma, que o Senado siga o seu cronograma, que a Câmara vote até dezembro e que os argumentos deste texto sejam considerados para aperfeiçoar o relatório do senador Eduardo Braga ainda no Senado. O Brasil precisa crescer urgentemente de forma sustentável e com maior justiça social.

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Conforme prometido pelo senador Eduardo Braga, o relatório da PEC 45 foi entregue no dia 25 de outubro à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Segundo o cronograma, este deve ser lido e votado na CCJ e no Plenário do Senado entre os dias 7 e 9 de novembro, para, espera-se, retornar à Câmara e ser votado até dezembro. Embora o saldo das mudanças ao texto tenha sido positivo, chega de exceções! Mais ainda: é possível aperfeiçoar o texto antes de voltar à Câmara.

Das mais de 690 emendas - que podem superar 800 até o dia da votação -, o relatório podia ter incorporado muito mais desejos corporativistas. Braga, assim, foi habilidoso. As alterações podiam ter inviabilizado a PEC 45. Não foi o caso. A PEC 45, mesmo com as modificações e ainda que não seja a ideal tecnicamente, trará expressivos ganhos. Estudo da OCDE1reafirma estes pontos.

Se houver mudança na CCJ, portanto, que esta não aumente a alíquota padrão para os brasileiros que não conseguem se organizar em lobbies. Por sua vez, modificações são bem-vindas quando forem em prol da maioria, quando trouxerem mais justiça social e quando preservarem a sustentabilidade fiscal, pois os desafios no Brasil são imensos e não se pode descuidar da dinâmica dívida/PIB, que deve ser decrescente (com alvo ao redor de 60%). Os custos para a União da PEC 45, por isso, precisam ser considerados, assim como o seu financiamento anual, lembrando que crescimento econômico afeta receita e despesa, logo, não deve ser apontado como fonte de recurso.

Incontestavelmente houve aspectos positivos no relatório. Além da escrita ter sido aprimorada, de ter sido posto prazo de 240 meses para o envio pelo Executivo das leis complementares e de ter sido criada a Cide no lugar do IPI para ZFM, houve 4 pontos que merecem destaques.

O primeiro foi a incorporação de revisões das exceções de 5 em 5 anos. Conquanto se tenha o Plano Plurianual e as leis orçamentárias, que se propõem a fazer isso, e haja o Ministério de Planejamento, orientado a avaliar anualmente ditas políticas, ter essa previsão na Constituição garante que de fato estas revisões ocorrerão. A inclusão deste item, por conseguinte, foi um gol.

A segunda alteração adequada - mas que pode ser aperfeiçoada - foi a divisão da cesta básica em duas. Uma, com 30 a 35 itens. Nada de ter salmão aí, como ocorre na cesta “básica” de hoje, com 1300 itens. A segunda cesta, estendida, abarcaria itens com alíquotas reduzidas à padrão, mas com direito ao cashback. Como o modelo mais progressivo é o de onerar 100% dos produtos e devolver o dinheiro pago de imposto apenas ao vulnerável em forma de cashback2, apesar desta mudança ter sido boa, seria melhor prestigiar os mais pobres e acabar de vez com a desoneração e introduzir o cashback, como ocorre no Uruguai, onde o contribuinte pobre recebe o dinheiro no momento da compra. Note que a política ideal não desonera o produto, mas as pessoas mais pobres.

O terceiro acerto foi a garantia de que energia elétrica e telecomunicação - dois serviços que afetam a competitividade das empresas - não terão alíquotas majoradas pelo Imposto Seletivo (IS). A quarta melhora, por fim, foi fixar uma carga tributária (como % do PIB) máxima. Explico.

Ainda que, em condições normais, esta previsão não precisaria existir, há dois argumentos em seu favor: 1) o Brasil tributa demais no todo e sobre o consumo, em particular, vis-à-vis a seus pares e a população não aguenta pagar mais imposto e não ter serviços públicos à altura. Este fato foi evidenciado no debate da PEC 45 no parlamento, em que todos querem ser exceção. Logo, impor um limite à carga é atender a uma demanda social; e 2) como a situação fiscal do país é frágil e como no Brasil, quando se tem receita extra (recorrente ou não), aumenta-se gasto obrigatório; para que o indicador dívida/PIB não piore, limitar a receita significa obrigar o governo fazer algo que já deveria estar fazendo há tempos: rever e priorizar as suas despesas.

Caso ditas revisões não ocorram, uma dívida/PIB maior significará juros, inflação e câmbio maiores. Sendo este um cenário péssimo, os bem-vindos re-exames dos gastos deverão ocorrer com maior probabilidade, se houver um teto para a carga tributária.

Como pontos negativos, por sua vez, houve a redução em 30% da alíquota padrão para os profissionais liberais. Dado que 85% destes estão no Simples Nacional, os que não faturam muito. Ainda que estes devam estar no meio da cadeia produtiva, o que quer dizer que seu cliente receberá o crédito relativo ao imposto pago, não é nem tecnicamente nem moralmente aceitável esta exceção. Outras inserções inexplicáveis nos “regimes específicos” foram a de “serviços de agência de viagem e turismo” e a do “setor aéreo”.

Além disso, conquanto a inclusão dos setores de saneamento, concessões rodoviárias e transporte coletivo pudessem se justificar porque são segmentos regulados, muito mais apropriado seria onerá-los e dar cashback para os vulneráveis. Não há razão para o rico pagar menos imposto sobre estes serviços. Também não cabe mais o setor automotivo ter mais benesses. Este é o exemplo mais caricato de proteção à indústria nascente (de 65 anos!) ineficaz. Há tempo, pois, para alterar estes retrocessos.

Por fim, o ponto mais sensível do relatório, por seus efeitos de longo prazo na sustentabilidade fiscal do país, concerne ao Fundo de Desenvolvimento Regional, lembrando que esta reforma não foi adiante no governo anterior por esta razão. Conquanto o orçamento anual seja de R$ 2 trilhões, as despesas discricionárias são de parcos R$ 140 bilhões. O custo anual a partir de 2043 da PEC 45 já era elevado (R$ 40 bilhões) e cresceu para R$ 60 bilhões (43% das despesas discricionárias, isto é, bastante). Seria importante que este valor retorne aos R$ 40 bilhões e que conste no texto a sua fonte de financiamento (ex: redução do BPC, que custa R$ 90 bilhões, pela metade). É perigoso e injusto aumentar as despesas obrigatórias da União nesta magnitude, que passaria a ter apenas R$ 80 bilhões em recursos livres.

Em suma, que o Senado siga o seu cronograma, que a Câmara vote até dezembro e que os argumentos deste texto sejam considerados para aperfeiçoar o relatório do senador Eduardo Braga ainda no Senado. O Brasil precisa crescer urgentemente de forma sustentável e com maior justiça social.

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