Reforma tributária: entenda o que mudou no texto aprovado
Conversamos com a especialista Cristiane Schmidt, professora da FGV e ex-secretária de Economia de Goiás
Publicado em 18 de dezembro de 2023 às, 13h34.
Última atualização em 20 de dezembro de 2023 às, 13h56.
No final da noite de sexta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou, em dois turnos, o relatório da Reforma Tributária. O texto votado suprime trechos da versão do Senado, mas não precisará retornar mais a esta Casa, indo agora para sanção presidencial. Para entender o que mudou e como ficou a versão final, conversamos com a especialista Cristiane Schimidt. Ela é professora da FGV, consultora sênior para o Banco Mundial, foi Secretária da Economia de Goiás, Secretaria-adjunta da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Vice-Presidente do Comsefaz e Conselheira do CADE. Cristiane é ainda colunista do Instituto Millenium.
Antes de falar de alguns detalhes que mudaram no texto do Senado para a Câmara, importante enfatizar que, na opinião da especialista, a Câmara fez boas modificações, uma vez que foram eliminadas exceções e houve aumento na base da arrecadação, alterações que vão na direção correta de se ter uma alíquota-padrão menor, além de menos judicializações. Possivelmente teremos uma alíquota padrão na casa dos 27%.
Além disso, ela avalia que o texto segue mantendo a espinha dorsal de um bom IVA, que é: não ser cumulativo, ser no destino, ser neutro e ter base ampla. “Logo, apesar das exceções (ou do tal ‘politicamente possível’), a reforma tributária do consumo em tela muda radicalmente nosso sistema tributário para um outro, muito melhor, com foco no aumento da produtividade, fomentando, assim, o crescimento econômico”.
Para Schmidt, houve alterações redacionais relevantes, para diminuir a possibilidades de contenciosos. Ela cita duas.
Uma delas foi a no artigo 149B, que trata das regras do IBS e do CBS. “Antes havia uma redação que dizia que os dois tributos, um federal (CBS) e o outro dos entes federativos (IBS), deveriam ter regras comuns. Agora, a redação ficou mais clara ao dizer que serão as mesmas regras, o que evitará judicializações, dado que a lei complementar terá uma regra apenas, ainda que seja dividido na sua arrecadação - entre o CBS e o IBS”, explicou.
Ela também destaca a supressão do artigo 153, que diz respeito ao Imposto Seletivo. “Foi retirada a finalidade extrafiscal, o que, novamente, poderia ensejar contenciosos, dado que você poderia ter uma interpretação de que o Imposto Seletivo é arrecadatório, por exemplo”.
Supressões
“Com relação ao regime específico, que é o artigo 156-A, parágrafo 6º, foi suprimida a fixação pelo Senado da alíquota com relação aos combustíveis e lubrificantes”, acrescentou Schmidt. E no caso das instituições financeiras, foi suprimida a possibilidade de a “base de cálculo corresponder ao valor total agregado do sujeito passivo”. Este ultimo ponto se justifica também para diminuir a probabilidade de se ter contenciosos.
“Mais importante, contudo, foram as supressões de 4 incisos no regime específico, quais sejam: saneamento e concessão de rodovias (VI), operações que envolvem a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecom (VIII), bens e serviços que promovam a economia circular (IX) e operações com microgeração e minigeração distribuída de EE (X)”. Ela acrescenta que permaneceu o inciso VII, serviços de transporte coletivo.
Estas retiradas foram importantes por duas razoes. “Primeiro, porque os beneficiários em grande escala são os ricos. Afinal, quem anda de carro, para pagar pedágio em estrada? Segundo, porque aumenta a base arrecadatória, uma vez que estes serviços estão no final da cadeia.
“Neste caso, se eu fosse o Estado, eu introduziria cashback para os vulneráveis, a ser delimitada em lei complementar”, opina.
Comitê gestor
Com relação ao comitê gestor, presente no artigo 156-B, houve duas alterações que merecem destaques. Uma delas foi a supressão do controle das atividades pelos tribunais de conta (órgãos de controle). A segunda mudança diz respeito a presidência do órgão. “Antes, o presidente do comitê gestor, além de ter que ter notório conhecimento em administração tributária, teria que ser nomeado após aprovação por maioria absoluta no Senado Federal. Na nova versão, o presidente apenas tem que ter notório conhecimento de administração tributária”, destaca a especialista. Seu nome não precisará passar pelo Senado, dando maior agilidade e autonomia ao processo de escolha determinado pelos entes.
Outro ajuste interessante do ponto de vista ambiental foi uma alteração no artigo 225 do parágrafo I, inciso VIII. “Com relação ao benefício fiscal do regime favorecido concernente aos biocombustíveis e ao hidrogênio verde, a redação retirou `hidrogênio verde” e passou a abarcar “os bens e serviços com baixa emissão de carbono`, o que considerei pertinente”, opinou, uma vez que é isso que se busca como economia sustentável.
Outra mudança relevante é que os auditores estaduais e municipais terão o teto remuneratório igual aos limites da remuneração aplicáveis aos servidores da União. “Este fato se justifica porque agora, com o Comitê Gestor coordenado, todos os servidores das administrações tributárias dos subnacionais terão que trabalhar de forma harmônica, para que se tenha uma diminuição no GAP de Compliace (sonegação, inadimplência, elisão fiscal e judicialização). Com isso, ter regras iguais para todos – inclusive a remuneratória – é adequado, ainda que quem determinará a remuneração efetiva serão os governadores, prefeitos e suas respectivas assembleias legislativas.
Cashback e Cesta básica
Antes, constavam duas cestas básicas no artigo 8º. Uma cesta básica nacional, de 30 a 35 itens. Outra estendida, que teria redução de 60% do IBS e CBS, com cashback para os vulneráveis. Agora voltou a ter apenas uma cesta básica única nacional, não se sabe com quantos itens e quais.
“Apesar da previsão do cashback no texto, não há o que devolver ao vulnerável neste caso, já que todos, inclusive o rico, terão alíquotas zeradas”, lamenta Schmidt. Ela entende que seria mais progressivo ter uma lista de cesta básica totalmente onerada e com a previsão de cashback apenas para os mais vulneráveis. Os itens da cesta básica constarão em lei complementar.
“Eu achei que tinha sido uma boa ideia do Senador Eduardo Braga, para que a sociedade pudesse começar a entender a cultura do cashback na cesta básica e ver os efeitos progressivos disso. Infelizmente foi retirado”, opinou.
Ainda com relação a este tema, para ela houve uma boa inclusão. O texto passou a constar com um cashback para energia elétrica e para GLP aos vulneráveis, o que Schmidt entende ser bastante adequado. No entanto, ela não gostou da mudança no artigo 195 do CBS que diz “exceto em relação ao cashback de energia elétrica e GLP, as regras do cashback do CBS podem ser diferentes daquelas propostas do IBS”. “Entendo que seria mais simples se as regras fossem iguais para os tributos”.
Outras considerações
No artigo 92B, que diz respeito à Zona Franca de Manaus, a Cide foi suprimida, voltando à redação original, com a previsão do IPI-ZFM, a dar início em 2027. Sobre isso, Schmidt avalia que, independente do nome – Cide ou IPI-ZFM –, a fundamentação foi “muito pertinente”, pois a receita proveniente da Cide iria apenas para o estado do Amazonas, enquanto a receita derivada do IPI irá para os cofres da União (entrando na divisão do FPE e FPM). “E, por isso, aliás, no artigo 126 do ADCT, que é o de transição para o contribuinte, houve ajuste na redação”.
Na votação dos destaques, Schmidt destaca – no artigo que dá benefício fiscal para o setor automotivo até 2032 do Norte, Nordeste e Centro Oeste – a derrubada do trecho que dava benefício a fábricas de peças de veículos elétricos. “Este é um benefício para rico, logo, não deveria estar. Uma pena que não tenha caído por inteiro”, avalia.
Conclusão
De maneira geral, ela acredita que a versão aprovada na Câmara ficou melhor que a anterior, a que veio do Senado, “porque houve a retirada de algumas exceções de regimes diferenciados, aumento da base da receita, além da alteração da receita da Cide (antes) ou IPI-ZFM (agora) ir para a União e não mais para o estado do AM.
“É indubitável o efeito positivo da reforma tributária do consumo da PEC45 para o crescimento do PIB no Brasil, ainda que o período de transição, que durará até 2033 (para os contribuintes), seja mais tumultuado pela existência de dois sistemas, e mesmo com as exceções (regimes favorecidos, diferenciados e específicos) postas. O ideal seria não ter exceção, mas essa é uma realidade que nem na Europa se verifica. Neste caso, o `politicamente possível`, graças à Deus ficou infinitas vezes melhor do que o caos que é o status quo do sistema tributário brasileiro”, destaca.
Por fim, ela enfatiza que a aprovação da PEC é só o começo. “Será preciso agora aprovar pelo menos três leis complementares. Uma com relação à regulamentação da operacionalização dos dois IVAs (o IBS e o CBS) e das exceções, outra com as regras do Imposto Seletivo e uma última com a formatação do funcionamento do comitê gestor e dos quatro fundos”. Além disso, haverá um processo intenso de negociação durante os próximos dois anos, até as novas regras começarem a ser aplicadas em 2026. “O CBS começa em 2026 e o IBS em 2029, mas os demais 5 tributos seguirão valendo. É possível que o contencioso aumente nesta fase. O importante, contudo, é ter uma luz no fim do túnel sobre o início de uma nova era para o Brasil, que ocorrerá em 2033, quando teremos apenas o IBS e CBS. Na esperança de que este planejamento ocorra na risca”, concluiu.