Reforma nas Compras Públicas: Virgínia Bracarense Lopes Discute os Impactos do Novo PL 3954/2023
O PL propõe mudanças significativas na Lei nº 14.133, conhecida como Lei de Licitações e Contratos Administrativos
Instituto Millenium
Publicado em 21 de dezembro de 2023 às 13h13.
Em entrevista concedida ao Instituto Millenium, Virgínia Bracarense Lopes, renomada especialista em direito e gestão pública, explora os desdobramentos do Projeto de Lei 3954/2023 e seu impacto nas compras públicas no Brasil. O tema já havia sido abordado pelo Instituto Millenium em conversa realizada no dia 8 de dezembro com Bruno Carazza, quando discutimos os eventuais impactos da nova lei na promoção da integridade das compras públicas no Brasil. Desta vez, a ênfase da conversa foi o impacto da medida sobre a eficiência e a efetividade das compras públicas. O PL 3954/2023, que passou pelo Congresso e agora aguarda sanção presidencial, propõe mudanças significativas na Lei nº 14.133, conhecida como Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Virgínia, atual Subsecretária de Compras Públicas em Minas Gerais e com experiência na liderança de projetos de modernização das compras públicas no então Ministério da Economia, oferece uma perspectiva única sobre os efeitos gerenciais das alterações que serão introduzidas pela nova legislação. Ela discute os potenciais benefícios e as preocupações que emergem entre especialistas e gestores públicos, enfatizando a importância de combinar eficiência e transparência nos processos de licitação. A entrevista abrange não apenas os aspectos críticos do PL 3954/2023, mas também se debruça sobre as futuras perspectivas para as compras governamentais, destacando o papel das tecnologias emergentes e das novas práticas de gestão.
Instituto Millenium: O PL 3954/2023 foi aprovado rapidamente, gerando diferentes opiniões. Enquanto alguns especialistas expressam preocupações sobre a possível diminuição na transparência e concorrência em licitações públicas, entidades representativas dos municípios veem na lei uma oportunidade de agilizar a aquisição de bens e serviços. Qual é o seu balanço sobre essa lei, considerando essas perspectivas distintas?
Virgínia Bracarense Lopes: O Projeto de Lei 3954/2023, embora robusto em conteúdo, foi aprovado rapidamente, o que é preocupante. A Lei nº 14.133, a nova lei de licitações, ainda não está amplamente utilizada na administração pública, e agora enfrentamos mudanças quase estruturais sem um entendimento completo de sua aplicação. O Tribunal de Contas, especificamente o Ministro Benjamin Zingler, já expressou preocupações sobre o uso limitado da nova lei. Assim, precisamos avaliar o valor e a funcionalidade que o PL 3954 traz. Muitos especialistas, incluindo eu, estão preocupados com a rapidez de sua aprovação dada a complexidade e potenciais impactos que ainda não podemos prever completamente.
Minha preocupação também se estende às possíveis limitações na transparência e concorrência que essa lei pode causar. Embora busque agilizar processos, como no caso da 'carona' em atas de registro de preços a nível municipal, é incerto se isso realmente trará celeridade. É importante lembrar que a Lei nº 14.133 foi criada para promover mais transparência, modernização, concorrência, e qualidade nas contratações públicas. Portanto, vejo com receio essas alterações, questionando se este era o momento adequado para elas, dado que ainda não temos uma avaliação clara dos benefícios ou falhas da nova lei, pela sua aplicação não ser ampla e plena.
IM: O PL 3954/2023 introduz o método de disputa fechada em licitações para serviços de engenharia acima de R$ 1,5 milhão. Qual poderia ser o impacto dessa mudança nas licitações? E como isso afeta a transparência e a probabilidade de práticas antiéticas?
VBL: O PL 3954/2023, ao introduzir o modo de disputa fechado em licitações de engenharia acima de R$ 1,5 milhão, impacta diretamente a essência da nova lei de licitações. A nova lei estabelece dois critérios de julgamento - aberto e fechado - e permite seu uso isolado ou combinado, com uma limitação específica para o modo fechado em situações onde o critério de julgamento é o menor preço ou o maior desconto. O PL 3954 mantém essa limitação, mas cria uma exceção preocupante para objetos de grande valor, como obras e serviços especiais de engenharia, serviços comuns de engenharia incluindo serviços técnicos especializados, e serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos.
A preocupação surge ao analisar que serviços comuns de engenharia, que são facilmente descritos em padrões de mercado, geralmente levam ao uso da modalidade do pregão. Este é marcado pelo uso do critério aberto, promovendo transparência e disputa real entre fornecedores. A inclusão de obras e serviços especiais de engenharia no modo de disputa fechado representa um retrocesso, pois remete a práticas antiquadas de entrega de envelope, onde a dinâmica competitiva dos fornecedores não é visível.
Além disso, a especificidade do inciso 2, que trata de serviços comuns de engenharia incluindo aspectos técnicos especializados, gera estranheza. Há uma contradição em agrupar serviços comuns com especializados, pois isto poderia implicar um julgamento de técnica e preço, o que não se alinha com a proposta de uso do pregão para a dimensão dos serviços comuns, que, por sua vez, demandam a aplicação do modo aberto.
Quanto ao serviço de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, é surpreendente vê-los sujeitos ao modo fechado, já que são serviços que podem ser claramente descritos e se encaixam na modalidade do pregão. Assim, a mudança proposta pelo PL 3954 gera uma grande preocupação, pois parece um retrocesso ao limitar a transparência e abrir espaço para práticas menos eficazes em áreas críticas das contratações públicas. Isso contradiz os avanços promovidos pela nova lei de licitações e perpetua práticas que já se mostraram problemáticas.
IM: Uma medida elogiada por associações representativas de municípios no PL 3954/2023 é a adesão a atas de registro de preços de outras cidades. Poderia explicar o que isso significa na prática e se acredita que essa mudança representa um avanço? Isso pode promover colaboração e eficiência nas compras públicas?
VBL: O sistema de registro de preços, já amplamente utilizado, é fundamental para melhorar o planejamento e realizar compras centralizadas e compartilhadas, uma abordagem reforçada pela nova lei de licitações, embora não seja um conceito novo. Este sistema tem como ponto crítico a adesão tardia, que ocorre quando uma instituição participa de um procedimento sem ter contribuído para o termo de referência. Isso pode reduzir a capacidade negocial e o ganho em escala, potencialmente resultando em propostas menos vantajosas.
A adesão, conhecida como "carona", é uma prática que deve ser usada com cautela. Ela deve ser vista dentro do contexto dos princípios da nova lei, como planejamento, eficiência, economicidade e competitividade. A nova lei destaca a importância do planejamento, tanto em nível macro quanto micro, alinhando-se com estratégias e metas da administração. Portanto, a adesão deve ser considerada uma exceção, usada em situações específicas onde ela ainda se alinha com os princípios da lei.
A possibilidade dos municípios aderirem às atas uns dos outros é um avanço, mas com ressalvas. É preciso considerar que municípios menores podem desequilibrar a relação custo-benefício de uma contratação quando participam como "caronas". Além disso, essa prática pode levar à venda de atas e afastar a administração da proposta mais vantajosa.
Para promover eficiência e colaboração, é melhor que os municípios trabalhem juntos desde o início do processo de compra, participando do estudo técnico preliminar e do termo de referência. A adesão tardia a uma ata já estabelecida pode ser contraproducente, confrontando os objetivos da legislação. Os gestores municipais devem justificar claramente a vantagem e a necessidade da adesão tardia, avaliando por que essa necessidade não foi prevista no planejamento e se não há outras alternativas disponíveis.
Embora a adesão ofereça uma aparência de agilidade, é essencial considerar o quadro geral e as potenciais externalidades negativas dessa prática. Com quase seis mil municípios no Brasil, é desafiador rastrear e medir a perda de eficiência e vantagem em propostas decorrente dessa prática. Portanto, é crucial melhorar a maturidade e a governança das contratações antes de adotar amplamente essa ferramenta.
IM: O PL 3954/2023 propõe mudanças em uma lei de licitações que ainda está em fase de implementação gradual. Como você avalia a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos no Brasil? E, em sua opinião, já era necessário fazer aperfeiçoamentos e adaptações nesta lei?
VBL: A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos ainda está em fase de implementação, uma tarefa desafiadora, considerando que ela convive com regulamentos antigos e já passou por prorrogação de vigência. Embora a lei possa não ser perfeita, é crucial trabalhar com ela e lembrar que não são apenas as leis que impulsionam grandes transformações, mas também os processos, sistemas e pessoas capacitadas que as operacionalizam.
É prematuro falar sobre aperfeiçoamentos e adaptações significativas da nova lei, visto que não temos uma linha de base para avaliar se já era o momento para tais mudanças. Precisamos primeiramente aplicar a lei para entender o que funciona e o que não funciona. Somente então poderemos propor alterações pertinentes, que podem ser legais, regulamentares ou procedimentais, ou que possam surgir no âmbito da jurisprudência e doutrina.
Estou preocupada com a maneira como o Projeto de Lei 3954/2023 está sendo conduzido, especialmente em um momento crítico de transição e instabilidade. As mudanças propostas parecem ser complexas e estruturantes, e foram discutidas em um espaço limitado dentro do processo legislativo. É preciso experimentar e usar a nova lei antes de sugerir modificações, pois apenas assim teremos autoridade e dados para determinar o que precisa ser alterado. Parece que estamos tentando mudar com uma mentalidade ancorada em práticas antigas de contratação pública, o que pode ser contraproducente à direção que deveríamos seguir com a nova lei de licitações.
IM: Inovações como a Plataforma Desafios (Contrato Público para Solução Inovadora), Almoxarifado Virtual e contratos de facilities estão mudando as compras públicas no Brasil. Como você vê o futuro dessas práticas nas compras governamentais? A Lei de Licitações e Contratos Administrativos no Brasil da forma como está em vigência ou alterada pelo PL 3954/2023 inclui incentivos ou barreiras para a adoção mais ampla desse tipo de inovação?
VBL: A discussão sobre inovações nas compras públicas, como o Almoxarifado Virtual, contratos de facilities e a Plataforma Desafios, é fascinante. A legislação atual serve como uma base para atender às necessidades públicas nas compras governamentais, envolvendo não só o Estado ou o setor público, mas também o mercado e a sociedade. As evoluções legislativas anteriores, como a Lei nº 8.666/93, a lei do pregão e a lei do RDC, já nos mostraram que, apesar de alguns obstáculos, é possível superá-los para manter as compras públicas alinhadas com as necessidades e soluções do momento.
Falando especificamente de inovações como almoxarifado virtual, contratos de facilities, uso de aplicativos para solicitação de veículos, marketplace público, e a necessidade de plataformas de desafios para convidar o mercado e a academia a propor soluções, estas são essenciais. A legislação que está sendo substituída já permitia avanços nessa direção, mas a nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133) traz ferramentas ainda mais robustas para continuar essa jornada de inovação. Isso inclui procedimentos como credenciamento, pré-qualificação de fornecedores e serviços, e procedimentos de manifestação de interesse, além de permitir contratos com maior vigência e o fornecimento continuado de bens.
Quanto ao PL 3954/2023, não vejo que ele traz incentivos para essas inovações. Ele parece ter sido proposto sem uma discussão aprofundada e estruturada com especialistas. Além disso, algumas de suas mudanças, como a imposição do modo de disputa fechado para determinados objetos, contradizem as melhores práticas em contratações públicas. Para avançar em inovações, precisamos de planejamento, estratégia, governança forte, trabalho com indicadores e um ambiente de disputa ampliado para garantir a vantajosidade nas contratações. O conteúdo do PL 3954 não parece alinhado com essas necessidades.
Acredito que a Lei nº 14.133 já fornece as ferramentas necessárias para promover inovações nas compras públicas. O desafio é utilizá-la efetivamente. Alterações na lei devem ser baseadas em experiências reais e práticas, não em suposições, e devem passar por um processo legislativo que seja verdadeiramente democrático e republicano. As inovações que já conseguimos implementar sob as legislações anteriores mostram que a nova lei tem ainda mais potencial para ampliar essas inovações, mas isso não deve ser realizado através de um projeto de lei como o PL 3954, que parece ir contra as tendências atuais e necessárias em compras públicas.
Em entrevista concedida ao Instituto Millenium, Virgínia Bracarense Lopes, renomada especialista em direito e gestão pública, explora os desdobramentos do Projeto de Lei 3954/2023 e seu impacto nas compras públicas no Brasil. O tema já havia sido abordado pelo Instituto Millenium em conversa realizada no dia 8 de dezembro com Bruno Carazza, quando discutimos os eventuais impactos da nova lei na promoção da integridade das compras públicas no Brasil. Desta vez, a ênfase da conversa foi o impacto da medida sobre a eficiência e a efetividade das compras públicas. O PL 3954/2023, que passou pelo Congresso e agora aguarda sanção presidencial, propõe mudanças significativas na Lei nº 14.133, conhecida como Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
Virgínia, atual Subsecretária de Compras Públicas em Minas Gerais e com experiência na liderança de projetos de modernização das compras públicas no então Ministério da Economia, oferece uma perspectiva única sobre os efeitos gerenciais das alterações que serão introduzidas pela nova legislação. Ela discute os potenciais benefícios e as preocupações que emergem entre especialistas e gestores públicos, enfatizando a importância de combinar eficiência e transparência nos processos de licitação. A entrevista abrange não apenas os aspectos críticos do PL 3954/2023, mas também se debruça sobre as futuras perspectivas para as compras governamentais, destacando o papel das tecnologias emergentes e das novas práticas de gestão.
Instituto Millenium: O PL 3954/2023 foi aprovado rapidamente, gerando diferentes opiniões. Enquanto alguns especialistas expressam preocupações sobre a possível diminuição na transparência e concorrência em licitações públicas, entidades representativas dos municípios veem na lei uma oportunidade de agilizar a aquisição de bens e serviços. Qual é o seu balanço sobre essa lei, considerando essas perspectivas distintas?
Virgínia Bracarense Lopes: O Projeto de Lei 3954/2023, embora robusto em conteúdo, foi aprovado rapidamente, o que é preocupante. A Lei nº 14.133, a nova lei de licitações, ainda não está amplamente utilizada na administração pública, e agora enfrentamos mudanças quase estruturais sem um entendimento completo de sua aplicação. O Tribunal de Contas, especificamente o Ministro Benjamin Zingler, já expressou preocupações sobre o uso limitado da nova lei. Assim, precisamos avaliar o valor e a funcionalidade que o PL 3954 traz. Muitos especialistas, incluindo eu, estão preocupados com a rapidez de sua aprovação dada a complexidade e potenciais impactos que ainda não podemos prever completamente.
Minha preocupação também se estende às possíveis limitações na transparência e concorrência que essa lei pode causar. Embora busque agilizar processos, como no caso da 'carona' em atas de registro de preços a nível municipal, é incerto se isso realmente trará celeridade. É importante lembrar que a Lei nº 14.133 foi criada para promover mais transparência, modernização, concorrência, e qualidade nas contratações públicas. Portanto, vejo com receio essas alterações, questionando se este era o momento adequado para elas, dado que ainda não temos uma avaliação clara dos benefícios ou falhas da nova lei, pela sua aplicação não ser ampla e plena.
IM: O PL 3954/2023 introduz o método de disputa fechada em licitações para serviços de engenharia acima de R$ 1,5 milhão. Qual poderia ser o impacto dessa mudança nas licitações? E como isso afeta a transparência e a probabilidade de práticas antiéticas?
VBL: O PL 3954/2023, ao introduzir o modo de disputa fechado em licitações de engenharia acima de R$ 1,5 milhão, impacta diretamente a essência da nova lei de licitações. A nova lei estabelece dois critérios de julgamento - aberto e fechado - e permite seu uso isolado ou combinado, com uma limitação específica para o modo fechado em situações onde o critério de julgamento é o menor preço ou o maior desconto. O PL 3954 mantém essa limitação, mas cria uma exceção preocupante para objetos de grande valor, como obras e serviços especiais de engenharia, serviços comuns de engenharia incluindo serviços técnicos especializados, e serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos.
A preocupação surge ao analisar que serviços comuns de engenharia, que são facilmente descritos em padrões de mercado, geralmente levam ao uso da modalidade do pregão. Este é marcado pelo uso do critério aberto, promovendo transparência e disputa real entre fornecedores. A inclusão de obras e serviços especiais de engenharia no modo de disputa fechado representa um retrocesso, pois remete a práticas antiquadas de entrega de envelope, onde a dinâmica competitiva dos fornecedores não é visível.
Além disso, a especificidade do inciso 2, que trata de serviços comuns de engenharia incluindo aspectos técnicos especializados, gera estranheza. Há uma contradição em agrupar serviços comuns com especializados, pois isto poderia implicar um julgamento de técnica e preço, o que não se alinha com a proposta de uso do pregão para a dimensão dos serviços comuns, que, por sua vez, demandam a aplicação do modo aberto.
Quanto ao serviço de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, é surpreendente vê-los sujeitos ao modo fechado, já que são serviços que podem ser claramente descritos e se encaixam na modalidade do pregão. Assim, a mudança proposta pelo PL 3954 gera uma grande preocupação, pois parece um retrocesso ao limitar a transparência e abrir espaço para práticas menos eficazes em áreas críticas das contratações públicas. Isso contradiz os avanços promovidos pela nova lei de licitações e perpetua práticas que já se mostraram problemáticas.
IM: Uma medida elogiada por associações representativas de municípios no PL 3954/2023 é a adesão a atas de registro de preços de outras cidades. Poderia explicar o que isso significa na prática e se acredita que essa mudança representa um avanço? Isso pode promover colaboração e eficiência nas compras públicas?
VBL: O sistema de registro de preços, já amplamente utilizado, é fundamental para melhorar o planejamento e realizar compras centralizadas e compartilhadas, uma abordagem reforçada pela nova lei de licitações, embora não seja um conceito novo. Este sistema tem como ponto crítico a adesão tardia, que ocorre quando uma instituição participa de um procedimento sem ter contribuído para o termo de referência. Isso pode reduzir a capacidade negocial e o ganho em escala, potencialmente resultando em propostas menos vantajosas.
A adesão, conhecida como "carona", é uma prática que deve ser usada com cautela. Ela deve ser vista dentro do contexto dos princípios da nova lei, como planejamento, eficiência, economicidade e competitividade. A nova lei destaca a importância do planejamento, tanto em nível macro quanto micro, alinhando-se com estratégias e metas da administração. Portanto, a adesão deve ser considerada uma exceção, usada em situações específicas onde ela ainda se alinha com os princípios da lei.
A possibilidade dos municípios aderirem às atas uns dos outros é um avanço, mas com ressalvas. É preciso considerar que municípios menores podem desequilibrar a relação custo-benefício de uma contratação quando participam como "caronas". Além disso, essa prática pode levar à venda de atas e afastar a administração da proposta mais vantajosa.
Para promover eficiência e colaboração, é melhor que os municípios trabalhem juntos desde o início do processo de compra, participando do estudo técnico preliminar e do termo de referência. A adesão tardia a uma ata já estabelecida pode ser contraproducente, confrontando os objetivos da legislação. Os gestores municipais devem justificar claramente a vantagem e a necessidade da adesão tardia, avaliando por que essa necessidade não foi prevista no planejamento e se não há outras alternativas disponíveis.
Embora a adesão ofereça uma aparência de agilidade, é essencial considerar o quadro geral e as potenciais externalidades negativas dessa prática. Com quase seis mil municípios no Brasil, é desafiador rastrear e medir a perda de eficiência e vantagem em propostas decorrente dessa prática. Portanto, é crucial melhorar a maturidade e a governança das contratações antes de adotar amplamente essa ferramenta.
IM: O PL 3954/2023 propõe mudanças em uma lei de licitações que ainda está em fase de implementação gradual. Como você avalia a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos no Brasil? E, em sua opinião, já era necessário fazer aperfeiçoamentos e adaptações nesta lei?
VBL: A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos ainda está em fase de implementação, uma tarefa desafiadora, considerando que ela convive com regulamentos antigos e já passou por prorrogação de vigência. Embora a lei possa não ser perfeita, é crucial trabalhar com ela e lembrar que não são apenas as leis que impulsionam grandes transformações, mas também os processos, sistemas e pessoas capacitadas que as operacionalizam.
É prematuro falar sobre aperfeiçoamentos e adaptações significativas da nova lei, visto que não temos uma linha de base para avaliar se já era o momento para tais mudanças. Precisamos primeiramente aplicar a lei para entender o que funciona e o que não funciona. Somente então poderemos propor alterações pertinentes, que podem ser legais, regulamentares ou procedimentais, ou que possam surgir no âmbito da jurisprudência e doutrina.
Estou preocupada com a maneira como o Projeto de Lei 3954/2023 está sendo conduzido, especialmente em um momento crítico de transição e instabilidade. As mudanças propostas parecem ser complexas e estruturantes, e foram discutidas em um espaço limitado dentro do processo legislativo. É preciso experimentar e usar a nova lei antes de sugerir modificações, pois apenas assim teremos autoridade e dados para determinar o que precisa ser alterado. Parece que estamos tentando mudar com uma mentalidade ancorada em práticas antigas de contratação pública, o que pode ser contraproducente à direção que deveríamos seguir com a nova lei de licitações.
IM: Inovações como a Plataforma Desafios (Contrato Público para Solução Inovadora), Almoxarifado Virtual e contratos de facilities estão mudando as compras públicas no Brasil. Como você vê o futuro dessas práticas nas compras governamentais? A Lei de Licitações e Contratos Administrativos no Brasil da forma como está em vigência ou alterada pelo PL 3954/2023 inclui incentivos ou barreiras para a adoção mais ampla desse tipo de inovação?
VBL: A discussão sobre inovações nas compras públicas, como o Almoxarifado Virtual, contratos de facilities e a Plataforma Desafios, é fascinante. A legislação atual serve como uma base para atender às necessidades públicas nas compras governamentais, envolvendo não só o Estado ou o setor público, mas também o mercado e a sociedade. As evoluções legislativas anteriores, como a Lei nº 8.666/93, a lei do pregão e a lei do RDC, já nos mostraram que, apesar de alguns obstáculos, é possível superá-los para manter as compras públicas alinhadas com as necessidades e soluções do momento.
Falando especificamente de inovações como almoxarifado virtual, contratos de facilities, uso de aplicativos para solicitação de veículos, marketplace público, e a necessidade de plataformas de desafios para convidar o mercado e a academia a propor soluções, estas são essenciais. A legislação que está sendo substituída já permitia avanços nessa direção, mas a nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133) traz ferramentas ainda mais robustas para continuar essa jornada de inovação. Isso inclui procedimentos como credenciamento, pré-qualificação de fornecedores e serviços, e procedimentos de manifestação de interesse, além de permitir contratos com maior vigência e o fornecimento continuado de bens.
Quanto ao PL 3954/2023, não vejo que ele traz incentivos para essas inovações. Ele parece ter sido proposto sem uma discussão aprofundada e estruturada com especialistas. Além disso, algumas de suas mudanças, como a imposição do modo de disputa fechado para determinados objetos, contradizem as melhores práticas em contratações públicas. Para avançar em inovações, precisamos de planejamento, estratégia, governança forte, trabalho com indicadores e um ambiente de disputa ampliado para garantir a vantajosidade nas contratações. O conteúdo do PL 3954 não parece alinhado com essas necessidades.
Acredito que a Lei nº 14.133 já fornece as ferramentas necessárias para promover inovações nas compras públicas. O desafio é utilizá-la efetivamente. Alterações na lei devem ser baseadas em experiências reais e práticas, não em suposições, e devem passar por um processo legislativo que seja verdadeiramente democrático e republicano. As inovações que já conseguimos implementar sob as legislações anteriores mostram que a nova lei tem ainda mais potencial para ampliar essas inovações, mas isso não deve ser realizado através de um projeto de lei como o PL 3954, que parece ir contra as tendências atuais e necessárias em compras públicas.