Brasil ficou em 7º lugar em lista de complexidade para fazer negócios (FG Trade/Getty Images)
Instituto Millenium
Publicado em 3 de julho de 2025 às 14h28.
Por Marcello Averbug*
Ao longo da segunda metade do século XX, prevaleceu entre os brasileiros a convicção de que em poucas décadas a nação atingiria o status de desenvolvida, em termos econômicos, sociais e políticos. Atualmente percebe-se, em segmentos da população, um clima de dúvida quanto ao decantado glorioso futuro da pátria. Torna-se oportuno, portanto, avaliar se a fisionomia atual do Brasil equivale à de um país acercando-se do status há tanto tempo almejado.
Grandes êxitos já foram conquistados na área da economia, tais como expressivo setor industrial, sofisticado sistema bancário, dinâmicos ramos da agropecuária e apreciável atividade exportadora. No entanto, para adquirir o visual de desenvolvido, é indispensável ao país alcançar um crescimento intenso, sustentável, integrado e inclusivo. O modo de constatar se isso vem ocorrendo é pela observação do comportamento de alguns indicadores da realidade nacional. Comecemos com a dimensão do PIB.
Nós brasileiros nos envaidecemos pelo fato de o PIB nacional ser um dos maiores do mundo, oscilando em torno do décimo lugar. Porém, essa classificação por si só é insuficiente para provocar grande júbilo, pois não permite auferir o verdadeiro cenário de uma nação. O que interessa realmente é a excelência do padrão de vida predominante. No Brasil, a persistência de profundos desequilíbrios econômicos, sociais e regionais ofuscam o brilho do décimo lugar.
Países da Europa Ocidental que exibem os melhores níveis mundiais de qualidade de vida ocupam lugar pouco relevante na escala de tamanho do PIB. Por exemplo: Dinamarca, 39º; Noruega, 32º; Suécia, 24º; Suíça, 20º. Evidentemente, esse fato é condicionado pelo pequeno número de habitantes locais.
Por outro lado, China e Índia, respectivamente a segunda e a quinta economias do planeta, encontram-se longe de proporcionar à maioria de seus habitantes o padrão de vida equivalente ao dos mencionados países europeus, apesar de constituírem potências econômicas.
No referente ao valor da renda per capita, a posição do Brasil na escala internacional retrocedeu, conforme demonstram dados do Banco Mundial: em 2003 ocupávamos a 70ª posição, caindo para a 85º em 2023. Em outras palavras: a renda média dos brasileiros cresceu menos do que a do conjunto dos demais países.
Quanto ao grau de concentração de renda, problema secular jamais enfrentado de maneira eficaz, a acentuada inequidade cristaliza um cenário adverso à ascensão econômica e social do país. Enquanto aos 10% mais ricos couber uma fatia da renda nacional quase três vezes maior do que a usufruída pelos 50% da base da pirâmide
populacional, o Brasil não conseguirá mudar seu destino. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, entre 2017 e 2022 o aumento de renda dos 1% mais rico foi de 67%, enquanto o de 95% da população foi de 33%, a preços correntes.
Em termos de posse de patrimônio & riqueza, o panorama também desanima: o Fórum Econômico Mundial, em relatório de janeiro 2024, indica que 1% dos habitantes do solo brasileiro possuem 63 % do total e os 50% de menor renda apenas 2%.
Pinçando outro aspecto da realidade nacional, verifica-se que a produtividade da economia dos membros da OCDE é mais de 3 vezes superior à do Brasil, conforme aponta o texto “Indicadores Quantitativos da OCDE e o Brasil – IPEA 2023”. Mediante esse dado percebe-se a dimensão do esforço a ser empreendido pelo nosso país para atingir o nível de competitividade compatível com suas aspirações de grandeza.
Na esfera dos indicadores sociais, ocorreram algumas melhorias modestas, entre as quais a diminuição da taxa de pobreza absoluta. O panorama permanece insatisfatório em itens como saneamento básico, mortalidade infantil, analfabetismo funcional, sistema público de saúde, segurança alimentar, qualidade do ensino, déficit habitacional e vários outros indicadores. Sob a ótica regional das carências sociais, convém recorrer a esse exemplo: segundo o Ministério da Saúde - SVS, a taxa de mortalidade infantil no norte do país é 50% superior à constatada no sul.
Em face do exposto anteriormente, conclui-se que a trajetória até agora trilhada não vem conduzindo o país ao status ambicionado. Ou então, impõe um período de alcance inconvenientemente longo. E ambas as alternativas são inaceitáveis.
É interessante notar que importante parcela dos economistas atuantes durante a segunda metade do século passado engajou-se na análise abrangente de caminhos teóricos para o desenvolvimento brasileiro, destacando-se entre eles Celso Furtado, Roberto Campos e Mário Henrique Simonsen. Embora sob visões distintas quanto às políticas a serem seguidas, predominava entre eles o empenho em apresentar macro propostas destinadas a viabilizar o ingresso do país no primeiro mundo.
Atualmente poucos são os economistas que formulam proposições no âmbito pleno da política de desenvolvimento. A maioria deles se concentra em temas específicos tais como contas públicas, taxa de juros, inflação, mercado financeiro, sistema previdenciário, conjuntura industrial e contas externas, todos de inegável importância à estabilidade e prosperidade da economia, mas, como demonstra a história mundial, insuficientes para proporcionar a grande mudança merecida pelo Brasil.
Apesar do conteúdo nada eufórico dos parágrafos anteriores, este artigo não apregoa o “adeus às ilusões”. Pelo contrário, pretende contribuir para conscientizar a sociedade quanto ao fato de que nosso país dispõe de requisitos que não justificam conformismo ante o desempenho vivenciado até hoje. São poucas as nações que desfrutam do potencial de desenvolvimento econômico e social equivalente ao do Brasil. O desafio existencial consiste em como colher intensamente os frutos desse potencial.
Não constitui tarefa simples promover mudanças de postura da sociedade que redirecionem a trajetória do país. De início, um processo de mudança dessa magnitude requer a existência de estadistas com capacidade de mobilizar a nação no sentido adequado. Lamentavelmente, neste momento é impossível vislumbrar o surgimento de um contingente de personagens públicas com tal capacidade.
A questão fundamental é saber quando os brasileiros se encontrarão aptos a eleger lideranças honradas e competentes e quando os cidadãos com essas virtudes decidirão ingressar na carreira política. Conforme disse Platão, “Uma das penalidades a quem se recusa a participar da atividade política é acabar sendo governado por seus inferiores”.
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Marcello Averbug, consultor econômico em Washington, trabalhou no BID, é economista aposentado do BNDES, ex-professor da UFF e autor do livro “Escritos Itinerantes: Economia e Política”.