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Protecionismo: o gargalo brasileiro para a excelência industrial 

A ilusão do crescimento protegido: como décadas de incentivos e barreiras tarifárias frearam a inovação e condenaram a indústria brasileira à estagnação 

INDÚSTRIA: produção brasileira voltou a crescer em setembro, 0,2% / Germano Luders

INDÚSTRIA: produção brasileira voltou a crescer em setembro, 0,2% / Germano Luders

Instituto Millenium
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Instituto Millenium

Publicado em 25 de junho de 2025 às 15h30.

Última atualização em 26 de junho de 2025 às 13h29.

Por Fabricio Antezana  e Gabriel Grilli*

O Brasil, gigante sul-americano conhecido por sua rica cultura, vastos recursos naturais e ambições industriais precoces, há muito se orgulha de ter construído uma base industrial que vai de sabonetes a aviões. Muitos atribuem esse crescimento a políticas protecionistas: tarifas de importação elevadas, incentivos fiscais a produtores nacionais e generosos subsídios governamentais. Mas por trás dessa narrativa existe outra história — de ineficiência, potencial desperdiçado e fracassos custosos. Em vez de acelerar a ascensão do país, o protecionismo frequentemente o atrasou, criando um setor industrial dependente de favores políticos, e não do desempenho no mercado. 

A experiência brasileira com estímulos ao setor automotivo começou já em 1919, quando a Ford se tornou a primeira montadora a montar veículos no país. A empresa americana foi atraída por um pacote generoso de incentivos: isenções fiscais sobre bens de capital importados e tarifas mais altas sobre veículos concorrentes vindos do exterior. Medidas semelhantes foram estendidas a outras empresas como GM e Romi. Mas desde o início, esses incentivos mais distorceram do que desenvolveram o mercado. 

O fracasso mais emblemático desse período? Fordlândia. Construída nos anos 1920 como uma cidade industrial autossuficiente em plena Amazônia, foi planejada para abastecer a demanda da Ford por borracha. Mas em menos de duas décadas, o projeto ruiu — vítima de doenças tropicais, má gestão e arrogância cultural. A Ford perdeu o equivalente moderno a US$ 170 milhões apenas em bens de capital. As perdas totais, somando custos com trabalho, insumos e investimentos desperdiçados, permanecem incertas. O fracasso não se deu por uma ideia inviável, mas porque o projeto foi isolado da concorrência e da realidade do mercado. 

Nos anos 1950, o presidente Juscelino Kubitschek transformou a industrialização via protecionismo na política oficial do país. Seu Plano de Metas proibiu a importação de veículos e exigiu que montadoras nacionalizassem a produção em troca de incentivos fiscais.  

Empresas como Volkswagen e GM correram para se instalar no país — não porque o Brasil fosse o melhor lugar para fabricar carros, mas porque era um dos poucos lugares onde a venda era praticamente garantida. Entre 1956 e 1961, três decretos ofereceram benefícios fiscais e estratégicos a empresas que se comprometessem com a produção local. Essa estratégia fazia parte de uma tendência regional mais ampla: a substituição de importações, que buscava reduzir a dependência de bens estrangeiros através da construção de indústrias nacionais protegidas por altas barreiras tarifárias. Embora tenha gerado crescimento industrial acelerado no curto prazo, o modelo geralmente levou à formação de setores ineficientes e pouco competitivos, protegidos da concorrência internacional — e quem pagava essa conta era o consumidor, com preços altos e poucas opções. 

Na década de 1970, o Brasil já contava com uma indústria automobilística extensa, empregando centenas de milhares de pessoas. Mas havia um problema: sem concorrência externa, não havia incentivo real à inovação ou à redução de custos. E os consumidores brasileiros pagavam, literalmente, por isso. Em 2025, um Toyota Corolla híbrido custava mais de US$ 13 mil a mais no Brasil do que no México — com 18% menos eficiência em custo-benefício. 

Embora engenheiros brasileiros tenham desenvolvido motores flex, o setor como um todo ficou para trás em qualidade e inovação. 

Com o tempo, o modelo protecionista brasileiro se tornou não apenas ineficiente, mas insustentável. A resposta dos formuladores de políticas foi insistir no erro. Programas como o Rota 2030 concederam incentivos fiscais a empresas que cumprissem metas vagas de produção ou de conteúdo local. Essas medidas sustentaram artificialmente o setor por um tempo, mas não o prepararam para a concorrência global. Décadas de proteção não se traduziram em competitividade internacional. As montadoras brasileiras atendem bem ao mercado interno, mas enfrentam enormes dificuldades para exportar. Em 2013, auge da produção com 3,7 milhões de veículos por ano, o Brasil exportava apenas cerca de 15% desse total — os principais destinos sendo Argentina, México, Colômbia, Uruguai e Chile. 

A maioria das fábricas brasileiras não é competitiva o suficiente em termos de custo para exportar em grande escala para a Europa ou a Ásia. Com a desaceleração da economia brasileira nos anos 2010 — resultado da queda nos preços das commodities, instabilidade política e gastos públicos insustentáveis — a produção desabou. Gigantes globais como a Ford começaram a fechar fábricas e, em alguns casos, até encerrar totalmente suas operações no país. 

Capacidade da indústria brasileira, segundo o CNI (Divulgação)

Desde 2021, a taxa de utilização da capacidade instalada da indústria automobilística brasileira permanece abaixo do ideal — um sinal claro de ociosidade persistente, demanda fraca e dificuldades para competir nos mercados globais. 

A saída da Ford em 2021 foi emblemática. Após mais de um século no país, a montadora não conseguiu mais justificar sua permanência sem novos subsídios. Naquela altura, a empresa já enfrentava uma década de baixa utilização das fábricas e incapacidade de cobrir custos fixos sem apoio financeiro da matriz nos Estados Unidos. Em 2023, no entanto, a Ford sinalizou um possível retorno ao Brasil, após o presidente Lula da Silva indicar que poderia oferecer vantagens estratégicas relevantes para fabricantes de veículos elétricos que se instalassem aqui. Mais uma vez, o setor não buscou inovação nem mercados externos — voltou-se ao governo em busca de salvação. 

O Brasil ainda exporta apenas uma fração da sua produção de veículos — majoritariamente para a vizinha Argentina, dentro de acordos comerciais gerenciados pelo Mercosul. Enquanto isso, o México seguiu um caminho mais aberto. Após assinar o NAFTA em 1994, reduziu tarifas, atraiu investimento estrangeiro e se posicionou como uma plataforma de exportação. Hoje, as fábricas mexicanas produzem mais carros, com custos mais baixos e qualidade superior à das brasileiras — mesmo sem ter uma grande montadora nacional. A diferença? Competição. As fábricas do México servem o mercado global. As do Brasil atendem um mercado interno protegido — às custas do consumidor e da produtividade. 

Talvez a lição mais dura da experiência brasileira seja como incentivos, quando mal aplicados, podem consolidar disfunções. Os subsídios estatais distorceram até a lógica logística: o país priorizou rodovias em vez de ferrovias, mesmo quando o transporte hidroviário seria mais barato em várias regiões. O auge da influência da indústria automobilística em Brasília coincidiu com a década mais decisiva de investimentos em infraestrutura no país — e não por acaso, o dinheiro foi majoritariamente para o asfalto, em detrimento de trilhos, hidrovias e transporte aéreo. Essas escolhas deixaram marcas duradouras: ainda hoje, cerca de 86% dos bens de consumo e 74% dos bens de capital no Brasil são transportados por caminhões, contra apenas 5% e 8% por vias navegáveis, apesar de o país ter 7.357 km de litoral e rios que cobrem 12% da superfície de água doce do planeta. 

Mesmo agora, com políticas como o Rota 2030 prometendo foco em inovação, os resultados têm sido modestos. Os carros melhoraram em eficiência e segurança, mas o setor continua longe de alcançar competitividade global. 

Políticas industriais podem — e devem — ajudar a formar setores nascentes. Mas quando esses setores se tornam dependentes de favores do Estado, deixam de amadurecer. A indústria automotiva brasileira nasceu cercada por barreiras e engordou com subsídios. Agora, com a liberalização comercial no horizonte — e a previsão de eliminação gradual das tarifas de importação de veículos nos próximos anos —, o setor terá de escolher: adaptar-se ou colapsar. O Acordo Mercosul-União Europeia, que visa eliminar tarifas e abrir mercados gradualmente, é um exemplo do que está por vir.  

Fordlândia continua uma cidade-fantasma na Amazônia. Mas também é uma metáfora: visão sem retorno da realidade é fantasia. Proteção sem pressão é estagnação. A indústria automobilística brasileira precisa parar de correr atrás do próximo incentivo e começar a competir de verdade. Caso contrário, o sonho da grandeza industrial seguirá apenas como isso — um sonho, enferrujando na selva. 

 

*Nota do autor: Este artigo foi originalmente escrito e publicado em inglês pela Foundation for Economic Education (FEE), e traduzido e adaptado pelo Instituto Millenium.

Fabricio Antezana é Associado de Comunições na Foundation for Economic Education e Alumni pelos Fundación para El Progreso e The Fund for American Studies.

Gabriel Grilli é pesquisador no Índice IBMEC de Liberdade Econômica, alumni pelos American Institute for Economic Research e The Fund for American Studies.

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