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Proibindo o Sol e gerando empregos e renda?

Ao longo dos séculos, propostas de regulações são feitas com esta mesma mentalidade superficial que desconsidera o cálculo do custo-benefício correto

Proibindo o Sol e gerando empregos e renda? (wathanyu/Getty Images)
Claudio D. Shikida

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 26 de agosto de 2024 às 17h34.

Eu tive um sonho. Ele começava com as pessoas reclamando do calor - não sei você, leitor, mas o sol anda bem quente por aqui - e com uma parcela da sociedade civil bem organizada levando ao Congresso Nacional uma proposta que, segundo eles, ajudaria não só no alívio com o calor, mas também geraria empregos e renda. Quem seriam eles? Fabricantes de lâmpadas (desde as comuns até as modernas, de LED), de lustres e candelabros e de velas. O grupo tinha o apoio dos lojistas do ramo.

Segundo eles, sua proposta tinha suporte empírico. Alguns economistas teriam feito estudos para a viabilidade de sua proposta. Viabilidade baseada em evidências, claro. O relatório, rico em modelos econométricos, de fato, mostrava que a proposta geraria mais empregos e renda (embora omitisse que o aumento de renda seria majoritariamente para o setor em questão).

Como dizia, neste sonho, o Congresso, após acaloradas (não resisti à graça do trocadilho) discussões, aprovava a proposta que, essencialmente, consistia em construir um imenso telhado sobre todo o território nacional, privando o país do sol, um concorrente perigoso, que fornece a todos luz sem cobrança de tarifa. Sim, você pode achar absurdo, mas as projeções de vendas e de empregos gerados no setor teriam um impacto elevado. Os multiplicadores calculados seja por um modelo econométrico ou por matrizes de insumo-produto encantaram os políticos que viram na proposta uma chance de se reeleger, ou de elegerem seus aliados. Quer política melhor, leitor?

Obviamente, esta análise baseada em evidências e com alguma sofisticação estatística, ignora o ponto central de qualquer proposta de política ou regulação: o custo-benefício da mesma. Afinal, sabemos que aqueles que lucram nos dias de sol - vendedores de limonada e biscoitos nas praias, os que vendem refrigerantes, cervejas, refeições etc. - provavelmente teriam que mudar de ramo. A construção do imenso telhado, obviamente, pode ter mais elementos distorcivos como, por exemplo, a exigência de que 30% do material usado seja produzido no Brasil. No meu sonho - e, eu diria, na realidade - dificilmente temos um custo menor de produção em vários setores da economia do que, por exemplo, o Vietnã, ou a China.

Mais ainda, embora no curto prazo possa haver esta realocação de empregos (quem perdeu tentará se realocar na produção de velas, lâmpadas ou lustres, por exemplo), no longo prazo a tendência é a de que não se gere mais tantos empregos. Claro, se o telhado cair, talvez haja alguma nova realocação de mão-de-obra, embora o custo das pessoas mortas ou feridas não seja lá algo bom para os cidadãos (e nem se traduziriam em votos para os políticos).

Este sonho não é original. A fábula dos fabricantes de lampiões, querosene e assemelhados foi contada por Frederic Bastiat, no século 19. Ao longo dos séculos, propostas de regulações são feitas com esta mesma mentalidade superficial que desconsidera o cálculo do custo-benefício correto, ou seja, aquele que inclui a medida das consequências não-intencionais da regulação. Quando, em 2019, a gestão pública tomou conhecimento da Análise de Impacto Regulatório (AIR) e de sua irmã, a Análise de Resultado Regulatório (ARR), houve um certo otimismo de que, possivelmente, melhoraríamos a qualidade de nossa legislação. Não é um otimismo indevido, mas, como tentei mostrar no texto, é preciso ter clareza nos conceitos, pois de nada adiantam métodos de cálculo sofisticados se você não os usa para medir o que de fato precisa medir.

Uma AIR ou uma ARR feita sem boa fundamentação teórica se transforma apenas em horas perdidas com reuniões e debates ou com modelos estatísticos que não entregam o que precisam entregar. A Análise Econômica do Direito (conhecida lá fora como Law and Economics) é uma boa referência para se começar a pensar no tema, mas também precisamos de pessoas que saibam usar os métodos quantitativos com cuidado. Nos dias de hoje, em que até uma criança pode apertar alguns comandos na tela e estimar um modelo econométrico, saber o que se faz e saber interpretar os resultados criticamente se tornou um ativo valorizado.

Este é um tema distante da nossa realidade? Não raro vemos políticos, burocratas, legisladores e grupos de interesse propondo restrições similares à da proibição do sol. Embora eu concorde que o calor está excessivo, não creio que o sol deva ser proibido e, sim, em uma economia livre, o Estado tem um papel importante que é de fornecer aos pagadores de impostos regulações mal feitas.

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Eu tive um sonho. Ele começava com as pessoas reclamando do calor - não sei você, leitor, mas o sol anda bem quente por aqui - e com uma parcela da sociedade civil bem organizada levando ao Congresso Nacional uma proposta que, segundo eles, ajudaria não só no alívio com o calor, mas também geraria empregos e renda. Quem seriam eles? Fabricantes de lâmpadas (desde as comuns até as modernas, de LED), de lustres e candelabros e de velas. O grupo tinha o apoio dos lojistas do ramo.

Segundo eles, sua proposta tinha suporte empírico. Alguns economistas teriam feito estudos para a viabilidade de sua proposta. Viabilidade baseada em evidências, claro. O relatório, rico em modelos econométricos, de fato, mostrava que a proposta geraria mais empregos e renda (embora omitisse que o aumento de renda seria majoritariamente para o setor em questão).

Como dizia, neste sonho, o Congresso, após acaloradas (não resisti à graça do trocadilho) discussões, aprovava a proposta que, essencialmente, consistia em construir um imenso telhado sobre todo o território nacional, privando o país do sol, um concorrente perigoso, que fornece a todos luz sem cobrança de tarifa. Sim, você pode achar absurdo, mas as projeções de vendas e de empregos gerados no setor teriam um impacto elevado. Os multiplicadores calculados seja por um modelo econométrico ou por matrizes de insumo-produto encantaram os políticos que viram na proposta uma chance de se reeleger, ou de elegerem seus aliados. Quer política melhor, leitor?

Obviamente, esta análise baseada em evidências e com alguma sofisticação estatística, ignora o ponto central de qualquer proposta de política ou regulação: o custo-benefício da mesma. Afinal, sabemos que aqueles que lucram nos dias de sol - vendedores de limonada e biscoitos nas praias, os que vendem refrigerantes, cervejas, refeições etc. - provavelmente teriam que mudar de ramo. A construção do imenso telhado, obviamente, pode ter mais elementos distorcivos como, por exemplo, a exigência de que 30% do material usado seja produzido no Brasil. No meu sonho - e, eu diria, na realidade - dificilmente temos um custo menor de produção em vários setores da economia do que, por exemplo, o Vietnã, ou a China.

Mais ainda, embora no curto prazo possa haver esta realocação de empregos (quem perdeu tentará se realocar na produção de velas, lâmpadas ou lustres, por exemplo), no longo prazo a tendência é a de que não se gere mais tantos empregos. Claro, se o telhado cair, talvez haja alguma nova realocação de mão-de-obra, embora o custo das pessoas mortas ou feridas não seja lá algo bom para os cidadãos (e nem se traduziriam em votos para os políticos).

Este sonho não é original. A fábula dos fabricantes de lampiões, querosene e assemelhados foi contada por Frederic Bastiat, no século 19. Ao longo dos séculos, propostas de regulações são feitas com esta mesma mentalidade superficial que desconsidera o cálculo do custo-benefício correto, ou seja, aquele que inclui a medida das consequências não-intencionais da regulação. Quando, em 2019, a gestão pública tomou conhecimento da Análise de Impacto Regulatório (AIR) e de sua irmã, a Análise de Resultado Regulatório (ARR), houve um certo otimismo de que, possivelmente, melhoraríamos a qualidade de nossa legislação. Não é um otimismo indevido, mas, como tentei mostrar no texto, é preciso ter clareza nos conceitos, pois de nada adiantam métodos de cálculo sofisticados se você não os usa para medir o que de fato precisa medir.

Uma AIR ou uma ARR feita sem boa fundamentação teórica se transforma apenas em horas perdidas com reuniões e debates ou com modelos estatísticos que não entregam o que precisam entregar. A Análise Econômica do Direito (conhecida lá fora como Law and Economics) é uma boa referência para se começar a pensar no tema, mas também precisamos de pessoas que saibam usar os métodos quantitativos com cuidado. Nos dias de hoje, em que até uma criança pode apertar alguns comandos na tela e estimar um modelo econométrico, saber o que se faz e saber interpretar os resultados criticamente se tornou um ativo valorizado.

Este é um tema distante da nossa realidade? Não raro vemos políticos, burocratas, legisladores e grupos de interesse propondo restrições similares à da proibição do sol. Embora eu concorde que o calor está excessivo, não creio que o sol deva ser proibido e, sim, em uma economia livre, o Estado tem um papel importante que é de fornecer aos pagadores de impostos regulações mal feitas.

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