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Programa Parceiro da Escola – um passo em direção à liberdade de escolha educacional

Uma análise do projeto de PPP aprovado no Paraná, no início do mês

Escola: a ideia é fazer parcerias com empresas especializadas na prestação de serviços de gestão educacional (SEDUC/Divulgação)
Instituto Millenium

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Publicado em 12 de junho de 2024 às 15h27.

Por Anamaria Camargo

Com a sanção da Lei 22.006 de 4 de junho de 2024, o governo do estado do Paraná instituiu o Programa Parceiro da Escola. E, como era de se esperar, seguiu-se a reação, principalmente dos sindicatos ligados à educação. Mas o que propõe o Programa Parceiro da Escola afinal? A ideia é fazer parcerias com empresas especializadas na prestação de serviços de gestão educacional para que essas assumam os processos administrativos de escolas estaduais, que seguirão abertas a todos os estudantes, sem qualquer tipo de seleção ou cobrança de mensalidades. Não haverá interferência do parceiro privado nas questões pedagógicas, que continuarão a cargo do gestor da escola. Este, por sua vez, liberado das tarefas burocráticas, poderá se dedicar exclusivamente ao que impacta diretamente no aprendizado dos alunos.

Os profissionais efetivos lotados nas escolas participantes terão garantidos seus direitos de servidores públicos e permanecerão sob a gestão do diretor que já está no cargo ou, se essa for sua opção, poderão ser remanejados para outra unidade. Já os temporários, que, nas escolas do Paraná, representam 42% do efetivo, serão contratados e passarão a ser regidos pelo regime CLT. O mesmo valerá para quaisquer outros novos professores que venham a ser contratados.

A critério da Secretaria de Estado da Educação, o Programa poderá ser executado por intermédio do Serviço Social Autônomo Paranaeducação, instituído pela Lei no 11.970, de 19 de dezembro de 1997. Este não é um detalhe irrelevante: como reconheceu o STF na ADI 1864, essa lei garante segurança jurídicapara que o Serviço Social Autônomo Paranaeducação administre os recursos transferidos pelo Estado do Paraná, com o qual coopera. Ou seja, o estado pode utilizar os recursos do Fundeb na execução desse programa.

Metas serão estabelecidas junto à Secretaria de Estado da Educação em relação a pelo menos quatro métricas: evolução da frequência, evolução da aprendizagem, manutenção e conservação das instalações e satisfação da comunidade escolar. Para assegurar accountability, a execução do parceiro privado será avaliada a cada ciclo contratual de acordo com esses indicadores. Por fim, antes da celebração do contrato, a proposta será submetida a consulta pública à cada comunidade escolar a ser atendida, que poderá decidir aderir ou não ao programa.

Por que então, apesar de pouco ambicioso (diante da tragédia educacional em que nos encontramos), o Programa Parceiro da Escola atraiu tanta resistência? Talvez a possibilidade de ficar evidente que a gestão privada de escolas é mais eficiente e de que incentivos, como o cumprimento de metas atrelado a renovação de contratos, produzem resultados benéficos para os estudantes. Trata-se de características absolutamente inexistentes no sistema estatal das escolas brasileiras e que, alguns relacionam a iniciativas como as escolas charter americanas.

É preciso deixar claro, no entanto, que as escolas participantes do Programa Parceiro da Escola não funcionarão como as escolas charter americanas, embora compartilhem com elas algumas características. Assim como as charter americanas, as escolas participantes do Programa deverão ser autorizadas pelo estado, receberão financiamento estatal, não selecionarão estudantes e não cobrarão mensalidades. O que as diferencia criticamente é a autonomia pedagógico-curricular e disciplinar das charter americanas.De fato, o objetivo por trás do movimento pró escolas charter é justamente o de atender a públicos com demandas educacionais diversas, principalmente através da inovação de abordagem instrucional. Isso só é possível quando há autonomia de gestão e responsabilização ( accountability ).

Apesar da diferença crucial entre os dois modelos, uma revisão literária teve suas conclusões sobre escolas charter ignoradas ou subvertidas. De forma difusa nas redes sociais, difundiu-se a “conclusão” a partir do que absolutamente não está dito na revisão, que, dado que escolas charter não funcionam (premissa falsa), a suposta tentativa de replicar o modelo no Brasil através Programa Parceiro da Escola não se sustenta em evidências. Evidências aliás que, segundo a revisão literária, são majoritariamente favoráveis às escolas charter cujo modelo, lamentavelmente, conforme estabelece a Lei sancionada, não será replicado pelo Projeto Parceiro da Escola.

Na verdade, o que os autores desse estudo se propõem a revisar são os efeitos de aspectos organizacionais que, ao longo de três décadas, foram implementados de maneiras diversas nas escolas charter americanas. Especificamente, eles cobrem os seguintes aspectos: recursos materiais, humanos e sociais; desenvolvimento profissional; práticas pedagógicas e abordagens instrucionais. Dentre os achados destacados está, por exemplo, o que se refere ao uso de recursos materiais: a partir dos estudos revisados, conclui-se que escolas charter gastam menos por aluno e, ainda assim, seus alunos têm desempenho acadêmico superior. Uma das prováveis razões é que gestores que têm mais autonomia tendem a ser mais eficientes e eficazes nos seus gastos.

Para nós brasileiros, que ainda estamos começando a entender que precisamos retomar nosso direito à liberdade de escolha educacional, a conclusão mais relevante dessa revisão se relaciona aos efeitos da abordagem instrucional de um tipo de escolas charter. Refiro-me àquelas que, graças a sua autonomia curricular e disciplinar, adotam a abordagem conhecida como ‘no-excuses’ (sem desculpas). Elas se caracterizam por não aceitarem a pobreza como desculpa para o mau desempenho acadêmico e a indisciplina. Servem basicamente estudantes de baixa renda e que compõem minorias raciais. Um de seus objetivos é justamente superar disparidades raciais de desempenho. Outro exemplo desse mesmo modelo, que se destaca, é a Michaela Academy, que também serve basicamente a estudantes de baixo nível socioeconômico em um bairro pobre de Londres e que é simplesmente uma das melhores escolas de nível médio na Inglaterra.

Esse modelo, que se baseia em rigor acadêmico e disciplinar, responsabilidade individual e compromisso das famílias com a escola, é justamente o tipo mais amplamente estudado das charter americanas. Os autores da já citada revisão literária mostram que pesquisas recentes trazem evidências consistentes de que as charter que o adotam demonstram um efeito positivo no desempenho acadêmico. As meta-análises revisadas mostram efeitos robustos, positivos e estatisticamente significativos no desempenho dos alunos em matemática e leitura. Os efeitos são maiores do que os das escolas charter em geral e tendem a persistir ao longo dos anos, impactando no acesso a uma faculdade e ao mercado de trabalho.

Apesar do evidente impacto positivo, especialmente nos últimos cinco anos, muitas redes de charter ‘no-excuses’ cederam a pressões político-ideológicas para que substituíssem seu modelo rigoroso por abordagens supostamente antirracistas, o que incluiu baixar as expectativas acadêmicas e disciplinares, afetando especialmente estudantes pretos e latinos. Mesmo o slogan ‘no-excuses’ foi considerado politicamente controverso e preconceituoso. O resultado dessa ruptura com os princípios que formavam a base do modelo foi uma queda dessas escolas nos índices de desempenho acadêmico e um aumento nos casos de indisciplina e violência. Aliás, pesquisa recente mostra que questões relacionadas à indisciplina dos estudantes representam hoje o maior desafio para 74% dos professores de escolas públicas americanas. Um provável retorno a abordagens instrucionais focadas em rigor e responsabilidade parece estar no horizonte.

Como evidenciado na pesquisa do Instituto Livre pra Escolher sobre as preferências, prioridades e escolhas dos pais brasileiros para a educação dos seus filhos, este é justamente o tipo de abordagem instrucional que atenderia a preferência da maioria dos pais e mães brasileiros, independentemente do seu nível socioeconômico. Diante do crescente problema de indisciplina e violência nas escolas, possivelmente, um percentual significativo de professores da Educação Básica brasileiros igualmente anseia por esse modelo. A falta de opções no Brasil de escolas ordeiras e focadas no desempenho acadêmico, como as charter ‘no-excuses,’ talvez explique a adesão a escolas cívico-militares, onde elas são propostas no Brasil. No entanto, como mostra a realidade das ‘no-excuses’ americanas e da icônica Michaela Academy de Londres, tal modelo não requer o envolvimento de militares na gestão.

Vemos, portanto, o Programa Parceiro da Escola como um passo na direção certa. Ainda que sem a autonomia necessária para atender a essa demanda, representará reais chances de melhora na oferta de educação básica brasileira. Oxalá seja replicado em outros estados e desperte a ambição dos brasileiros por modelos de parcerias público-privadas menos limitantes quanto ao escopo da autonomia de gestão do parceiro privado. Precisamos sair do atraso e adotar modelos comprovadamente eficazes e que representem efetivamente as preferências educacionais de pais, mães e cidadãos brasileiros de modo geral.

*Anamaria Camargo é mestre em Educação pela Universidade de Hull e Presidente e Diretora Executiva do Livre pra Escolher.

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Por Anamaria Camargo

Com a sanção da Lei 22.006 de 4 de junho de 2024, o governo do estado do Paraná instituiu o Programa Parceiro da Escola. E, como era de se esperar, seguiu-se a reação, principalmente dos sindicatos ligados à educação. Mas o que propõe o Programa Parceiro da Escola afinal? A ideia é fazer parcerias com empresas especializadas na prestação de serviços de gestão educacional para que essas assumam os processos administrativos de escolas estaduais, que seguirão abertas a todos os estudantes, sem qualquer tipo de seleção ou cobrança de mensalidades. Não haverá interferência do parceiro privado nas questões pedagógicas, que continuarão a cargo do gestor da escola. Este, por sua vez, liberado das tarefas burocráticas, poderá se dedicar exclusivamente ao que impacta diretamente no aprendizado dos alunos.

Os profissionais efetivos lotados nas escolas participantes terão garantidos seus direitos de servidores públicos e permanecerão sob a gestão do diretor que já está no cargo ou, se essa for sua opção, poderão ser remanejados para outra unidade. Já os temporários, que, nas escolas do Paraná, representam 42% do efetivo, serão contratados e passarão a ser regidos pelo regime CLT. O mesmo valerá para quaisquer outros novos professores que venham a ser contratados.

A critério da Secretaria de Estado da Educação, o Programa poderá ser executado por intermédio do Serviço Social Autônomo Paranaeducação, instituído pela Lei no 11.970, de 19 de dezembro de 1997. Este não é um detalhe irrelevante: como reconheceu o STF na ADI 1864, essa lei garante segurança jurídicapara que o Serviço Social Autônomo Paranaeducação administre os recursos transferidos pelo Estado do Paraná, com o qual coopera. Ou seja, o estado pode utilizar os recursos do Fundeb na execução desse programa.

Metas serão estabelecidas junto à Secretaria de Estado da Educação em relação a pelo menos quatro métricas: evolução da frequência, evolução da aprendizagem, manutenção e conservação das instalações e satisfação da comunidade escolar. Para assegurar accountability, a execução do parceiro privado será avaliada a cada ciclo contratual de acordo com esses indicadores. Por fim, antes da celebração do contrato, a proposta será submetida a consulta pública à cada comunidade escolar a ser atendida, que poderá decidir aderir ou não ao programa.

Por que então, apesar de pouco ambicioso (diante da tragédia educacional em que nos encontramos), o Programa Parceiro da Escola atraiu tanta resistência? Talvez a possibilidade de ficar evidente que a gestão privada de escolas é mais eficiente e de que incentivos, como o cumprimento de metas atrelado a renovação de contratos, produzem resultados benéficos para os estudantes. Trata-se de características absolutamente inexistentes no sistema estatal das escolas brasileiras e que, alguns relacionam a iniciativas como as escolas charter americanas.

É preciso deixar claro, no entanto, que as escolas participantes do Programa Parceiro da Escola não funcionarão como as escolas charter americanas, embora compartilhem com elas algumas características. Assim como as charter americanas, as escolas participantes do Programa deverão ser autorizadas pelo estado, receberão financiamento estatal, não selecionarão estudantes e não cobrarão mensalidades. O que as diferencia criticamente é a autonomia pedagógico-curricular e disciplinar das charter americanas.De fato, o objetivo por trás do movimento pró escolas charter é justamente o de atender a públicos com demandas educacionais diversas, principalmente através da inovação de abordagem instrucional. Isso só é possível quando há autonomia de gestão e responsabilização ( accountability ).

Apesar da diferença crucial entre os dois modelos, uma revisão literária teve suas conclusões sobre escolas charter ignoradas ou subvertidas. De forma difusa nas redes sociais, difundiu-se a “conclusão” a partir do que absolutamente não está dito na revisão, que, dado que escolas charter não funcionam (premissa falsa), a suposta tentativa de replicar o modelo no Brasil através Programa Parceiro da Escola não se sustenta em evidências. Evidências aliás que, segundo a revisão literária, são majoritariamente favoráveis às escolas charter cujo modelo, lamentavelmente, conforme estabelece a Lei sancionada, não será replicado pelo Projeto Parceiro da Escola.

Na verdade, o que os autores desse estudo se propõem a revisar são os efeitos de aspectos organizacionais que, ao longo de três décadas, foram implementados de maneiras diversas nas escolas charter americanas. Especificamente, eles cobrem os seguintes aspectos: recursos materiais, humanos e sociais; desenvolvimento profissional; práticas pedagógicas e abordagens instrucionais. Dentre os achados destacados está, por exemplo, o que se refere ao uso de recursos materiais: a partir dos estudos revisados, conclui-se que escolas charter gastam menos por aluno e, ainda assim, seus alunos têm desempenho acadêmico superior. Uma das prováveis razões é que gestores que têm mais autonomia tendem a ser mais eficientes e eficazes nos seus gastos.

Para nós brasileiros, que ainda estamos começando a entender que precisamos retomar nosso direito à liberdade de escolha educacional, a conclusão mais relevante dessa revisão se relaciona aos efeitos da abordagem instrucional de um tipo de escolas charter. Refiro-me àquelas que, graças a sua autonomia curricular e disciplinar, adotam a abordagem conhecida como ‘no-excuses’ (sem desculpas). Elas se caracterizam por não aceitarem a pobreza como desculpa para o mau desempenho acadêmico e a indisciplina. Servem basicamente estudantes de baixa renda e que compõem minorias raciais. Um de seus objetivos é justamente superar disparidades raciais de desempenho. Outro exemplo desse mesmo modelo, que se destaca, é a Michaela Academy, que também serve basicamente a estudantes de baixo nível socioeconômico em um bairro pobre de Londres e que é simplesmente uma das melhores escolas de nível médio na Inglaterra.

Esse modelo, que se baseia em rigor acadêmico e disciplinar, responsabilidade individual e compromisso das famílias com a escola, é justamente o tipo mais amplamente estudado das charter americanas. Os autores da já citada revisão literária mostram que pesquisas recentes trazem evidências consistentes de que as charter que o adotam demonstram um efeito positivo no desempenho acadêmico. As meta-análises revisadas mostram efeitos robustos, positivos e estatisticamente significativos no desempenho dos alunos em matemática e leitura. Os efeitos são maiores do que os das escolas charter em geral e tendem a persistir ao longo dos anos, impactando no acesso a uma faculdade e ao mercado de trabalho.

Apesar do evidente impacto positivo, especialmente nos últimos cinco anos, muitas redes de charter ‘no-excuses’ cederam a pressões político-ideológicas para que substituíssem seu modelo rigoroso por abordagens supostamente antirracistas, o que incluiu baixar as expectativas acadêmicas e disciplinares, afetando especialmente estudantes pretos e latinos. Mesmo o slogan ‘no-excuses’ foi considerado politicamente controverso e preconceituoso. O resultado dessa ruptura com os princípios que formavam a base do modelo foi uma queda dessas escolas nos índices de desempenho acadêmico e um aumento nos casos de indisciplina e violência. Aliás, pesquisa recente mostra que questões relacionadas à indisciplina dos estudantes representam hoje o maior desafio para 74% dos professores de escolas públicas americanas. Um provável retorno a abordagens instrucionais focadas em rigor e responsabilidade parece estar no horizonte.

Como evidenciado na pesquisa do Instituto Livre pra Escolher sobre as preferências, prioridades e escolhas dos pais brasileiros para a educação dos seus filhos, este é justamente o tipo de abordagem instrucional que atenderia a preferência da maioria dos pais e mães brasileiros, independentemente do seu nível socioeconômico. Diante do crescente problema de indisciplina e violência nas escolas, possivelmente, um percentual significativo de professores da Educação Básica brasileiros igualmente anseia por esse modelo. A falta de opções no Brasil de escolas ordeiras e focadas no desempenho acadêmico, como as charter ‘no-excuses,’ talvez explique a adesão a escolas cívico-militares, onde elas são propostas no Brasil. No entanto, como mostra a realidade das ‘no-excuses’ americanas e da icônica Michaela Academy de Londres, tal modelo não requer o envolvimento de militares na gestão.

Vemos, portanto, o Programa Parceiro da Escola como um passo na direção certa. Ainda que sem a autonomia necessária para atender a essa demanda, representará reais chances de melhora na oferta de educação básica brasileira. Oxalá seja replicado em outros estados e desperte a ambição dos brasileiros por modelos de parcerias público-privadas menos limitantes quanto ao escopo da autonomia de gestão do parceiro privado. Precisamos sair do atraso e adotar modelos comprovadamente eficazes e que representem efetivamente as preferências educacionais de pais, mães e cidadãos brasileiros de modo geral.

*Anamaria Camargo é mestre em Educação pela Universidade de Hull e Presidente e Diretora Executiva do Livre pra Escolher.

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