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Presença do Estado e do presidente no processo eleitoral: um fato sem precedentes no Brasil

Anuncia-se que Lula será o “apresentador” de Dilma Roussef na propaganda gratuita pelo rádio e pela televisão que começa a 17 de agosto. Pelo visto o presidente planeja uma espécie de clímax, uma vez que já vem participando intensamente da campanha há bastante tempo. Esse agigantamento da intervenção do Executivo na eleição é um fato sem precedente na história política brasileira. Para bem ressaltá-lo, é útil distinguir dois aspectos, a […] Leia mais

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Instituto Millenium

Publicado em 15 de agosto de 2010 às, 20h01.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 11h26.

Anuncia-se que Lula será o “apresentador” de Dilma Roussef na propaganda gratuita pelo rádio e pela televisão que começa a 17 de agosto. Pelo visto o presidente planeja uma espécie de clímax, uma vez que já vem participando intensamente da campanha há bastante tempo. Esse agigantamento da intervenção do Executivo na eleição é um fato sem precedente na história política brasileira. Para bem ressaltá-lo, é útil distinguir dois aspectos, a preponderância do Estado sobre a sociedade e a participação do presidente no processo eleitoral, especificamente.

Uso o termo “sociedade” para designar o conjunto do setor econômico privado, as organizações profissionais, religiosas e outras, as instituições educacionais, notadamente as universidades etc.

Assim, voltando ao assunto, a preponderância do Estado é um traço permanente de nossa história. Foi estudado por muitos autores importantes, como Simon Schwartzman, o mais recente, no livro Bases do Autoritarismo Brasileiro (Editora Campus, 1982). Nos países adiantados, a sociedade tem força suficiente para contrabalançar a do Estado. Isto é especialmente claro nos Estados Unidos. Lá, o governo é fortíssimo, claro, mas a sociedade também o é. No Brasil, ao contrário, a máquina pública exerce uma força de gravitação avassaladora. De um lado – “de baixo para cima, melhor dizendo -, todos os atores políticos querem participar dela, exercer influência por dentro dela – não por fora, contrapondo-se a ela e tentando firmar um status de liderança diretamente na sociedade. Tempos atrás, fantasiava-se que a Fiesp seria um contraponto privado importante. Na imprensa, ela costumava ser chamada a “poderosa Fiesp”. Com a rotinização da democracia e das disputas eleitorais, a percepção é outra. Hoje, a real dimensão dela aparece na quixotesca candidatura de Paulo Skaf ao governo de São Paulo. De cima para baixo, o Estado maneja um impressionante arsenal de recursos. Pode distribuir bondades sem fim – através dos bancos oficiais, por exemplo, dos quais nem as grandes empresas conseguem prescindir. Mas o fato novo são os programas sociais, Bolsa Família à frente, que o governo Lula soube transformar em potentíssimas armas eleitorais.

O segundo aspecto a notar é a invasão do processo eleitoral pela figura pessoal do chefe do Estado.

Interferência o chefe de Estado sempre exerceu, desde o Império. Exerceu ou tentou exercer. Mas nunca nessa extensão. Na Primeira República (1889-1930), a “situação” – ou seja, os governantes e seus aliados nos planos federal e estadual – esmagavam a oposição. Eram poucas as exceções a esta regra. No Rio Grande do Sul ela não funcionava. E houve períodos em que a governabilidade foi mantida à custa de considerável truculência ; no governo Arthur Bernardes (1922-1926), o estado de sítio vigorou do começo ao fim. De 1930 em diante, Getúlio sofreu forte oposição enquanto aprendia a manejar as rédeas do poder, mas a oposição começa a empalidecer a partir de 1935 e praticamente desaparece, é óbvio, de 1937 a 1945, período da ditadura. Em 1950 Getúlio consegue se eleger, mas mal consegue governar. Há uma crise permanente, cujo desfecho foi o suicídio, a 24 de agosto de 1954. Juscelino Kubitschek, dono de uma personalidade afável, perfil de verdadeiro democrata, não interferiu no processo eleitoral. Não tentou ou não tinha como fazer o sucessor. O eleito, Jânio Quadros, fazia o gênero do oposicionista destemperado. Ao período militar este enfoque obviamente não se aplica. No novo período democrático que se estabelece a partir de 1945, nenhum dos presidentes, de Sarney e Collor não teriam condições de intervir, Itamar e Fernando Henrique também não, mas não interfeririam, ainda que as tivessem, pois tampouco tinham tal perfil.

Lula é portanto um fato eleitoral inteiramente novo no Brasil. Ele fabricou, literalmente, a candidata. Forçou-a goela abaixo ao PT. Transferiu-lhe praticamente todo o cabedal de votos que ela ora possui. E pretende concluir a obra no horário eleitoral gratuito, daqui a três semanas. Criou, portanto, o papel de um presidente super-intervencionista na política eleitoral e especificamente no processo sucessório. Se o criou para o bem ou para o mal, é cedo para dizer.

UMAS E OUTRAS
• A foto de Chávez e Maradona lado a lado, em postura meio marcial, é de um ridículo atroz.
• O Datafolha mostrou que 54% dos eleitores opõem-se ao projeto que proíbe aplicar castigos corporais aos filhos. A maioria dos pais diz que levou palmadas ou beliscões na infância e que já os deu alguma vez em seus filhos. Isto lembra um pouco o fiasco do plebiscito sobre desarmamento. Em abstrato, a causa é das mais louváveis, mas em concreto as pessoas parecem rejeitar enfaticamente a intervenção do Estado em sua esfera privada e familiar.
• Será que os analistas políticos não deviam ter um talismã, uma figura ou símbolo qualquer que os identifique? Se resolverem adotar algum, eu desde já sugiro o Lóris Delgado, aquele bichinho simpático que foi fotografado pela primeira vez há poucos dias. Sua característica principal são os olhos enormes, que lhe permitem enxergar no meio da noite.

(Publicado no blog de Bolivar Lamounier)