(LEVI BIANCO - BRAZIL PHOTO PRESS/Getty Images)
Instituto Millenium
Publicado em 22 de julho de 2025 às 06h57.
Por Vladimir Fernandes Maciel*
Nos últimos meses, uma polêmica ganhou destaque em São Paulo: o transporte de passageiros por motocicletas por meio de aplicativos. No primeiro semestre deste ano, a Prefeitura adotou uma série de medidas — ora administrativas, ora legais — com o objetivo de proibir esse tipo de serviço. As decisões, no entanto, foram marcadas por reviravoltas e incertezas.
O uso de motocicletas cresceu significativamente no Brasil nas últimas duas décadas, sobretudo nos centros urbanos. Com custo de aquisição mais baixo que o do automóvel e despesas de manutenção e combustível mais competitivas até mesmo que o transporte público, a moto tornou-se uma opção atraente e, muitas vezes, mais rápida. Se nas áreas rurais do Nordeste, ela substituiu o jegue, nas cidades virou sinônimo de agilidade. Tornou-se indispensável no setor de entregas rápidas e, mais recentemente, passou a atender também ao transporte de passageiros.
Mas por que as pessoas recorrem a esse tipo de serviço? Dados de cidades onde o mototáxi e os aplicativos semelhantes já operam mostram que seus usuários são, em grande parte, pessoas de baixa renda.
O principal argumento contrário à modalidade é a segurança. Contudo, o debate tem sido pautado mais por preconceito do que por dados concretos. O transporte de passageiros em motos existe há anos em diversas cidades brasileiras, incluindo capitais que já regulamentaram esse serviço via aplicativos. Para uma análise justa, é essencial avaliar estatisticamente os impactos dessa modalidade nos índices de acidentes. Sem isso, proibir o serviço é agir com base em suposições. Ou, pior, em interesses pouco transparentes.
Proibir esse tipo de transporte traz dois problemas principais. O primeiro é o elitismo e o distanciamento da realidade vivida por parte da população. Os principais usuários são moradores de regiões periféricas, com baixa renda. Isso porque o mototáxi é barato, ágil e chega aonde outros meios não chegam: vielas estreitas, ladeiras íngremes, locais sem calçadas ou iluminação adequada. Em muitos casos, a motocicleta é a única alternativa viável para se conectar ao transporte público — seja na primeira, seja na última etapa do trajeto. Assim, ela não concorre com o transporte coletivo, mas o complementa.
O segundo problema é a dimensão de gênero. Mulheres que vivem nas periferias deixam de sair de casa para trabalhar, estudar ou se divertir devido à insegurança, especialmente durante a noite. A falta de iluminação, as “pirambeiras” e o abandono urbano tornam o trajeto a pé até o ponto de ônibus ou estação de trem um verdadeiro risco. O mototáxi representa, para muitas delas, a possibilidade de circular com mais segurança. Impedir essa opção contribui diretamente para a imobilidade feminina, um fenômeno social que exclui as mulheres das oportunidades que a cidade oferece.
É claro que o serviço precisa ser regulamentado. É necessário estabelecer padrões de segurança, higiene e operação. Mas proibir sumariamente não resolve o problema de mobilidade — sobretudo nas periferias, onde as melhorias urbanas tardam a chegar. A demanda continuará a existir, e, sem regulação, será atendida pela informalidade e até por organizações criminosas — como já ocorreu no passado com o transporte alternativo ilegal (os chamados “perueiros”).
A solução não está em fechar os olhos, mas em assumir a responsabilidade de organizar. Ignorar essa realidade é negligenciar o direito de ir e vir de quem mais precisa. O transporte por moto via aplicativo responde a uma demanda real, imediata, e que precisa ser enfrentada com inteligência e sensibilidade social. A cidade de São Paulo não pode continuar sendo pensada apenas para quem vive no centro expandido. É hora de incluir as margens nas soluções de mobilidade urbana — com regulação, sim, mas também com respeito à realidade de quem todos os dias tenta apenas se mover pela cidade.
*Vladimir Fernandes Maciel é Coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica e professor do Mestrado Profissional em Economia e Mercados.