Populismo Fiscal ou Reformas Estruturais?
No presente artigo, serão feitas considerações sobre legislações aprovadas no final do ano de 2022, as quais geram elevação dos gastos públicos
Da Redação
Publicado em 1 de fevereiro de 2023 às 18h17.
Última atualização em 2 de fevereiro de 2023 às 13h31.
Por Pedro Trippi
Recentemente, foi aprovada no Congresso Nacional a chamada PEC da Transição, legislação que promoveu nova rodada de flexibilização no teto de gastos. No presente artigo, serão feitas considerações sobre essa e outras legislações aprovadas no final do ano de 2022, as quais geram elevação dos gastos públicos. Também será abordado a importância de o novo governo adotar uma agenda de reformas estruturais, em especial como foco no controle da despesa, dada a perigosa situação fiscal do país.
PEC da Transição
Em linhas gerais, a legislação permitiu nova rodada de aumento dos gastos públicos. Seus principais pontos são:
1) Elevação do teto de gastos, para o exercício de 2023, em R$ 145 bilhões;
2) Exclusão de determinadas despesas do teto totalizando algo na faixa de R$1,1 bilhão de gastos fora da regra fiscal [1];
3) Aumento de investimentos públicos em R$23 bilhões, a serem custeados com recursos abandonados do PIS/PASEP e apropriados pelo Tesouro Nacional (essa despesa com investimentos também não será computada no teto de gastos);
4) Alteração da incidência do ITCMD(Imposto de Transmissão Causas Mortis e Doação) o qual não irá mais incidir sobre doações destinadas a projetos socioambientais ou de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e também sobre doações feitas para instituições federais de ensino;
5) Alteração da DRU (Desvinculação das Receitas da União) a qual desvincula 30% das receitas vinculadas. Com a PEC, a DRU tem seu prazo de vigência estendido por um ano, passando a valer até 31 de dezembro de 2024;
6) Previsão de que, até 31 de agosto de 2023, o Presidente da República deverá enviar projeto de lei complementar instituindo novo arcabouço fiscal que irá substituir o atual teto de gastos. Após sanção da LC, o teto de gastos será revogado. Nota-se que a nova regra fiscal, caso aprovada, ficará fora do texto constitucional.
De modo geral, estimativas apontam que a PEC autoriza incremento de gastos públicos na faixa de R$170 bilhões.
A grande pergunta é: Foi correto permitir aumento da despesa pública nessa magnitude?
Vale algumas considerações sobre o tema.
Primeiramente, seriam necessários R$ 50 bilhões a mais de recursos para recompor o valor de R$ 600 do Bolsa Família (Auxílio Brasil). Considerando ainda a ampliação dessa política pública via inclusão de adicional por crianças até seis anos de idade, chegamos em R$ 70 bilhões de recursos adicionais [2].
Além disso, é fato que determinados programas precisavam de recomposição orçamentária, como Farmácia Popular, Merenda Escolar, Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia e Lei Aldir Blanc. Também seriam necessários mais recursos para zerar a fila do SUS. Com R$ 20 bilhões a mais de gastos já seria possível recompor todo esse conjunto de despesas [3].
Assim, notamos que um pacote fiscal de até R$90 bilhões de aumento de gastos seria uma alternativa bem mais equilibrada. Nesse sentido, conclui-se que a PEC abriu espaço fiscal acima do que seria necessário em termos de recomposição orçamentária e prudente do ponto de vista fiscal (aumentar as despesas para além do patamar de R$90 bilhões pode acarretar dificuldades no sentido de estabilizar o endividamento público)
Vale notar também que muitos programas públicos estão sofrendo com falta de recursos não por causa de um suposto “austericídio” , mas sim pelo fato de outras despesas terem tido aumentos significativos, como gastos com emendas parlamentares, o elevado incremento de recursos alocados no Bolsa Família e a ampliação da contribuição da União ao Fundeb, apenas para citar alguns exemplos [4].
Conceitos como escassez de recursos, alocação eficiente de recursos escassos, custo de oportunidade e políticas públicas focalizadas [5] parecem ser ignorados quando tratamos do orçamento do país.
Outros aumentos de gastos aprovados
É importante ressaltar que outras medidas que acarretam aumento do gasto público também foram aprovadas no final de 2022, [6] destacando-se:
1) Promulgação da EC 127/22, estabelecendo que a União deve cobrir os custos oriundos do aumento do piso salarial dos profissionais de enfermagem. O impacto fiscal dessa medida está entre R$16 bilhões e R$ 18 bilhões, sendo que esta despesa ficará fora do teto de gastos;
2) Ampliação do teto de gastos no Orçamento de 2023 em R$ 24 bilhões acima do previsto na Constituição, dada a utilização, pelo relator do Orçamento, de uma expectativa superestimada de inflação (indexador do teto);
Nota-se, nesse sentido, um potencial aumento de mais de R$ 200 bilhões de gastos públicos no comparativo com o teto de gastos original (170+16+24).
Para piorar, temos também que considerar a possibilidade, advinda de liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, da integralidade dos gastos com o Bolsa Família (R$ 156 bilhões) serem realizados via abertura de crédito extraordinário(fora do teto de gastos) gerando, assim, abertura de novo espaço fiscal no teto de gastos no valor de R$ 156 bilhões. Nesse cenário pessimista, o potencial de expansão dos gastos públicos passaria de R$360 bilhões [7].
Reformas fiscais
Nesse momento é importante ressaltar um conjunto de reformas, pelo lado das despesas, que poderiam ser adotadas, gerando economia de recursos para o setor público. A principal delas é a Reforma Administrativa. Como já abordei em artigos anteriores para o Instituto Millenium( https://bit.ly/3ZRykAI e https://bit.ly/3XK5tMB ) a máquina pública brasileira, além de consumir elevada quantidade de recursos, é repleta de distorções e incentivos mal desenhados. Nesse sentido, acredito que uma boa reforma administrativa deva conter os seguintes pontos:
- Vedação de certos benefícios usufruídos pelo funcionalismo (atuais e futuros, englobando também membros de poder), como: progressões ou promoções baseadas somente em tempo de serviço, gratificações, verbas e outros ganhos salariais automáticos ou incorporações que não estejam conectados a entrega efetiva de resultado;
- Reforma do atual modelo de estágio probatório, permitindo que o desligamento do servidor possa ocorrer durante o período probatório;
- Regulamentar, via legislação complementar, a contratação por tempo determinado, estabelecendo diretrizes comuns para o uso de profissionais temporários na máquina pública (direitos, limites, vedações, deveres, responsabilidades, formas de seleção e duração máxima desses vínculos);
- Definir previsão constitucional de que, via Lei Complementar, serão estabelecidos critérios e diretrizes gerais para a "pré-seleção“ de pessoal para os cargos de comissão (deixando aberta também a regulamentação do tema por estados e municípios via legislações locais). Assim, é importante que tais cargos não tenham como característica exclusiva a livre nomeação, podendo parte deles ser preenchido via processo seletivo (“pré-seleção”);
- Regulamentar, via lei complementar, processo de desligamento de servidores mediante processo de avaliação periódica de desempenho, permitindo também o desligamento por decisão judicial proferida por órgão colegiado e em casos de obsolescência e desnecessidade do cargo;
- Eliminação de dispositivos que reduzem a mobilidade de pessoal no setor público além da racionalização do número de carreiras, estabelecendo carreiras mais amplas, generalistas e flexíveis;
- Harmonização, nas carreiras em que é possível, dos salários do setor público com a realidade do setor privado;
- Implementação de mecanismos mais meritocráticos no serviço público, com o servidor que progride na carreira o fazendo com base em avaliações de desempenho bem desenhadas e efetivas;
- Regulamentação do teto constitucional do serviço público;
Também é importante, ainda pelo lado da despesa, rever algumas políticas públicas. O caso principal é o do Abono Salarial (14º salário), benefício pago a trabalhadores formais com remuneração de até dois salários mínimos(SM). Apesar de seu custo fiscal elevado (R$ 20 bilhões ao ano com tendência de crescimento caso o programa não seja redesenhado) a política é mal focalizada, não contribuindo, por exemplo, para a redução da pobreza e da desigualdade. Assim, opções como a extinção da política ou, ao menos, sua focalização para trabalhadores formais com remuneração de 1 SM, seriam opções importantes as quais geram impacto fiscal positivo. De modo geral, muitos programas sociais podem ser integrados e redesenhados gerando maior eficiência e economia de recursos. [8]
Já pelo lado das receitas, parece haver pouco espaço, inclusive do ponto de vista político, para aumento de tributação. Nota-se, primeiramente, que a carga tributária do Brasil não é compatível com o nível de desenvolvimento do país, estando alinhada à de países ricos.
Assim, para o ano de 2016, a carga tributária brasileira ficou nos patamares da de países desenvolvidos, como Reino Unido e Canadá. Naquele ano, a carga tributária nacional ficou em 33,3% do PIB, com a média latino-americana ficando em 22,2% do PIB e a média dos países da OCDE em 34,5% do PIB. [9].
Uma medida que poderia ser adotada nessa frente consiste na redução de gastos tributários, os quais são bastante elevados no Brasil, com o país ocupando a quinta posição em termos do tamanho do gasto tributário no comparativo com 17 países da América Latina. Enquanto perdemos 4,2% do PIB em receitas, Chile, México, Argentina e Peru perdem de 3,4% a 2,1% do PIB. A Colômbia, por sua vez, perde apenas 0,7% do PIB [10].
Outra medida relevante que poderia ser adotada no campo da tributação seria a promoção de maior convergência entre a tributação do trabalho e a do capital, em especial nos regimes tributários especiais, como Simples e Lucro Presumido. Abordei o tema da tributação direta em mais detalhes em artigo publicado no site do Millenium em 2021( https://bit.ly/3J40qm9 )
Endividamento Público
No campo fiscal, é interessante analisarmos a deterioração verificada em relação às expectativas relativas ao endividamento público, aqui medido pela DBGG(Dívida Bruta do Governo Geral). A aprovação de três rodadas de flexibilização do teto de gastos desde o final de 2021 (PEC dos Precatórios, PEC das Eleições e PEC da Transição) deteriorou às projeções relativas a trajetória da DBGG, com o cenário atual apontando para forte crescimento do endividamento público conforme demonstrado no gráfico abaixo. Importante lembrar que, antes da aprovação da PEC dos Precatórios, o cenário era de estabilização do endividamento público [11].
Fonte: Elaboração do autor com as projeções do RAF de Novembro da IFI(Instituição Fiscal Independente)
Conclusão
A partir do exposto neste artigo, nota-se a importância de o novo governo adotar postura mais prudente do que foi sinalizado até agora em termos de política fiscal. Nesse sentido, seria importante, por exemplo, não utilizar inteiramente o excessivo espaço fiscal aberto pela PEC da Transição, propor e aprovar novo arcabouço fiscal que sinalize com redução do endividamento público em um prazo não muito longo além de conseguir aprovar no Congresso Nacional medidas de redução de gastos públicos (Reforma Administrativa e eliminação/redução de políticas públicas ineficientes, como o abono salarial) além de redução de gastos tributários. A boa gestão fiscal é imprescindível para que possamos crescer de modo inclusivo, sustentado e com inflação estável.
[1] Para mais detalhes sobre o tema ver : OPINIÃO: A PEC do caminhão ladeira abaixo - Brazil Journal
[2] O canto de Haddad - 16/12/2022 - Opinião - Folha (uol.com.br)
[3] Por que a herança de Bolsonaro na economia não é tão ruim assim | Blog do IBRE (fgv.br)
[4] Para mais detalhes ver: Governo gastou demais e programas públicos estão no osso - 16/12/2022 - Marcos Mendes - Folha (uol.com.br)
[5] Estimativa do Ministério da Fazenda aponta que, das transferências do setor público, somente 30% chega aos 10% mais pobres da população, com 20% sendo direcionado para os 10% mais ricos. Países com gasto público mais progressivo, como os da União Europeia, têm, em média, quase 70% de suas transferências direcionadas para os 10% mais pobres. Em outros, como Dinamarca, Reino Unido e Irlanda, as transferências públicas para os 10% mais ricos não chegam a 5%. Nesse sentido, nota-se que o gasto social no Brasil é elevado no comparativo internacional, porém mal focalizado.
[6] As medidas e seus impactos fiscais foram compiladas no artigo Contas públicas: o trem da alegria passou na véspera do Natal - Brazil Journal
[7] Contas públicas: o trem da alegria passou na véspera do Natal - Brazil Journa l
[8] Para mais detalhes sobre o tema ver: Revisão de gasto pode economizar até R$ 700 bilhões em dez anos | Blog do IBRE (fgv.br)
[9] Para mais detalhes ver: AFONSO,José e CASTRO, Kleber. Contas Públicas no Brasil: Parte III - O lado do financiamento do estado.
[10] Para mais detalhes ver: AFONSO,José e CASTRO, Kleber. Contas Públicas no Brasil: Parte III - O lado do financiamento do estado.
[11] Surpresa fiscal positiva já foi em boa parte consumida por novos gastos e desonerações | Blog do IBRE (fgv.br)
Por Pedro Trippi
Recentemente, foi aprovada no Congresso Nacional a chamada PEC da Transição, legislação que promoveu nova rodada de flexibilização no teto de gastos. No presente artigo, serão feitas considerações sobre essa e outras legislações aprovadas no final do ano de 2022, as quais geram elevação dos gastos públicos. Também será abordado a importância de o novo governo adotar uma agenda de reformas estruturais, em especial como foco no controle da despesa, dada a perigosa situação fiscal do país.
PEC da Transição
Em linhas gerais, a legislação permitiu nova rodada de aumento dos gastos públicos. Seus principais pontos são:
1) Elevação do teto de gastos, para o exercício de 2023, em R$ 145 bilhões;
2) Exclusão de determinadas despesas do teto totalizando algo na faixa de R$1,1 bilhão de gastos fora da regra fiscal [1];
3) Aumento de investimentos públicos em R$23 bilhões, a serem custeados com recursos abandonados do PIS/PASEP e apropriados pelo Tesouro Nacional (essa despesa com investimentos também não será computada no teto de gastos);
4) Alteração da incidência do ITCMD(Imposto de Transmissão Causas Mortis e Doação) o qual não irá mais incidir sobre doações destinadas a projetos socioambientais ou de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e também sobre doações feitas para instituições federais de ensino;
5) Alteração da DRU (Desvinculação das Receitas da União) a qual desvincula 30% das receitas vinculadas. Com a PEC, a DRU tem seu prazo de vigência estendido por um ano, passando a valer até 31 de dezembro de 2024;
6) Previsão de que, até 31 de agosto de 2023, o Presidente da República deverá enviar projeto de lei complementar instituindo novo arcabouço fiscal que irá substituir o atual teto de gastos. Após sanção da LC, o teto de gastos será revogado. Nota-se que a nova regra fiscal, caso aprovada, ficará fora do texto constitucional.
De modo geral, estimativas apontam que a PEC autoriza incremento de gastos públicos na faixa de R$170 bilhões.
A grande pergunta é: Foi correto permitir aumento da despesa pública nessa magnitude?
Vale algumas considerações sobre o tema.
Primeiramente, seriam necessários R$ 50 bilhões a mais de recursos para recompor o valor de R$ 600 do Bolsa Família (Auxílio Brasil). Considerando ainda a ampliação dessa política pública via inclusão de adicional por crianças até seis anos de idade, chegamos em R$ 70 bilhões de recursos adicionais [2].
Além disso, é fato que determinados programas precisavam de recomposição orçamentária, como Farmácia Popular, Merenda Escolar, Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia e Lei Aldir Blanc. Também seriam necessários mais recursos para zerar a fila do SUS. Com R$ 20 bilhões a mais de gastos já seria possível recompor todo esse conjunto de despesas [3].
Assim, notamos que um pacote fiscal de até R$90 bilhões de aumento de gastos seria uma alternativa bem mais equilibrada. Nesse sentido, conclui-se que a PEC abriu espaço fiscal acima do que seria necessário em termos de recomposição orçamentária e prudente do ponto de vista fiscal (aumentar as despesas para além do patamar de R$90 bilhões pode acarretar dificuldades no sentido de estabilizar o endividamento público)
Vale notar também que muitos programas públicos estão sofrendo com falta de recursos não por causa de um suposto “austericídio” , mas sim pelo fato de outras despesas terem tido aumentos significativos, como gastos com emendas parlamentares, o elevado incremento de recursos alocados no Bolsa Família e a ampliação da contribuição da União ao Fundeb, apenas para citar alguns exemplos [4].
Conceitos como escassez de recursos, alocação eficiente de recursos escassos, custo de oportunidade e políticas públicas focalizadas [5] parecem ser ignorados quando tratamos do orçamento do país.
Outros aumentos de gastos aprovados
É importante ressaltar que outras medidas que acarretam aumento do gasto público também foram aprovadas no final de 2022, [6] destacando-se:
1) Promulgação da EC 127/22, estabelecendo que a União deve cobrir os custos oriundos do aumento do piso salarial dos profissionais de enfermagem. O impacto fiscal dessa medida está entre R$16 bilhões e R$ 18 bilhões, sendo que esta despesa ficará fora do teto de gastos;
2) Ampliação do teto de gastos no Orçamento de 2023 em R$ 24 bilhões acima do previsto na Constituição, dada a utilização, pelo relator do Orçamento, de uma expectativa superestimada de inflação (indexador do teto);
Nota-se, nesse sentido, um potencial aumento de mais de R$ 200 bilhões de gastos públicos no comparativo com o teto de gastos original (170+16+24).
Para piorar, temos também que considerar a possibilidade, advinda de liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, da integralidade dos gastos com o Bolsa Família (R$ 156 bilhões) serem realizados via abertura de crédito extraordinário(fora do teto de gastos) gerando, assim, abertura de novo espaço fiscal no teto de gastos no valor de R$ 156 bilhões. Nesse cenário pessimista, o potencial de expansão dos gastos públicos passaria de R$360 bilhões [7].
Reformas fiscais
Nesse momento é importante ressaltar um conjunto de reformas, pelo lado das despesas, que poderiam ser adotadas, gerando economia de recursos para o setor público. A principal delas é a Reforma Administrativa. Como já abordei em artigos anteriores para o Instituto Millenium( https://bit.ly/3ZRykAI e https://bit.ly/3XK5tMB ) a máquina pública brasileira, além de consumir elevada quantidade de recursos, é repleta de distorções e incentivos mal desenhados. Nesse sentido, acredito que uma boa reforma administrativa deva conter os seguintes pontos:
- Vedação de certos benefícios usufruídos pelo funcionalismo (atuais e futuros, englobando também membros de poder), como: progressões ou promoções baseadas somente em tempo de serviço, gratificações, verbas e outros ganhos salariais automáticos ou incorporações que não estejam conectados a entrega efetiva de resultado;
- Reforma do atual modelo de estágio probatório, permitindo que o desligamento do servidor possa ocorrer durante o período probatório;
- Regulamentar, via legislação complementar, a contratação por tempo determinado, estabelecendo diretrizes comuns para o uso de profissionais temporários na máquina pública (direitos, limites, vedações, deveres, responsabilidades, formas de seleção e duração máxima desses vínculos);
- Definir previsão constitucional de que, via Lei Complementar, serão estabelecidos critérios e diretrizes gerais para a "pré-seleção“ de pessoal para os cargos de comissão (deixando aberta também a regulamentação do tema por estados e municípios via legislações locais). Assim, é importante que tais cargos não tenham como característica exclusiva a livre nomeação, podendo parte deles ser preenchido via processo seletivo (“pré-seleção”);
- Regulamentar, via lei complementar, processo de desligamento de servidores mediante processo de avaliação periódica de desempenho, permitindo também o desligamento por decisão judicial proferida por órgão colegiado e em casos de obsolescência e desnecessidade do cargo;
- Eliminação de dispositivos que reduzem a mobilidade de pessoal no setor público além da racionalização do número de carreiras, estabelecendo carreiras mais amplas, generalistas e flexíveis;
- Harmonização, nas carreiras em que é possível, dos salários do setor público com a realidade do setor privado;
- Implementação de mecanismos mais meritocráticos no serviço público, com o servidor que progride na carreira o fazendo com base em avaliações de desempenho bem desenhadas e efetivas;
- Regulamentação do teto constitucional do serviço público;
Também é importante, ainda pelo lado da despesa, rever algumas políticas públicas. O caso principal é o do Abono Salarial (14º salário), benefício pago a trabalhadores formais com remuneração de até dois salários mínimos(SM). Apesar de seu custo fiscal elevado (R$ 20 bilhões ao ano com tendência de crescimento caso o programa não seja redesenhado) a política é mal focalizada, não contribuindo, por exemplo, para a redução da pobreza e da desigualdade. Assim, opções como a extinção da política ou, ao menos, sua focalização para trabalhadores formais com remuneração de 1 SM, seriam opções importantes as quais geram impacto fiscal positivo. De modo geral, muitos programas sociais podem ser integrados e redesenhados gerando maior eficiência e economia de recursos. [8]
Já pelo lado das receitas, parece haver pouco espaço, inclusive do ponto de vista político, para aumento de tributação. Nota-se, primeiramente, que a carga tributária do Brasil não é compatível com o nível de desenvolvimento do país, estando alinhada à de países ricos.
Assim, para o ano de 2016, a carga tributária brasileira ficou nos patamares da de países desenvolvidos, como Reino Unido e Canadá. Naquele ano, a carga tributária nacional ficou em 33,3% do PIB, com a média latino-americana ficando em 22,2% do PIB e a média dos países da OCDE em 34,5% do PIB. [9].
Uma medida que poderia ser adotada nessa frente consiste na redução de gastos tributários, os quais são bastante elevados no Brasil, com o país ocupando a quinta posição em termos do tamanho do gasto tributário no comparativo com 17 países da América Latina. Enquanto perdemos 4,2% do PIB em receitas, Chile, México, Argentina e Peru perdem de 3,4% a 2,1% do PIB. A Colômbia, por sua vez, perde apenas 0,7% do PIB [10].
Outra medida relevante que poderia ser adotada no campo da tributação seria a promoção de maior convergência entre a tributação do trabalho e a do capital, em especial nos regimes tributários especiais, como Simples e Lucro Presumido. Abordei o tema da tributação direta em mais detalhes em artigo publicado no site do Millenium em 2021( https://bit.ly/3J40qm9 )
Endividamento Público
No campo fiscal, é interessante analisarmos a deterioração verificada em relação às expectativas relativas ao endividamento público, aqui medido pela DBGG(Dívida Bruta do Governo Geral). A aprovação de três rodadas de flexibilização do teto de gastos desde o final de 2021 (PEC dos Precatórios, PEC das Eleições e PEC da Transição) deteriorou às projeções relativas a trajetória da DBGG, com o cenário atual apontando para forte crescimento do endividamento público conforme demonstrado no gráfico abaixo. Importante lembrar que, antes da aprovação da PEC dos Precatórios, o cenário era de estabilização do endividamento público [11].
Fonte: Elaboração do autor com as projeções do RAF de Novembro da IFI(Instituição Fiscal Independente)
Conclusão
A partir do exposto neste artigo, nota-se a importância de o novo governo adotar postura mais prudente do que foi sinalizado até agora em termos de política fiscal. Nesse sentido, seria importante, por exemplo, não utilizar inteiramente o excessivo espaço fiscal aberto pela PEC da Transição, propor e aprovar novo arcabouço fiscal que sinalize com redução do endividamento público em um prazo não muito longo além de conseguir aprovar no Congresso Nacional medidas de redução de gastos públicos (Reforma Administrativa e eliminação/redução de políticas públicas ineficientes, como o abono salarial) além de redução de gastos tributários. A boa gestão fiscal é imprescindível para que possamos crescer de modo inclusivo, sustentado e com inflação estável.
[1] Para mais detalhes sobre o tema ver : OPINIÃO: A PEC do caminhão ladeira abaixo - Brazil Journal
[2] O canto de Haddad - 16/12/2022 - Opinião - Folha (uol.com.br)
[3] Por que a herança de Bolsonaro na economia não é tão ruim assim | Blog do IBRE (fgv.br)
[4] Para mais detalhes ver: Governo gastou demais e programas públicos estão no osso - 16/12/2022 - Marcos Mendes - Folha (uol.com.br)
[5] Estimativa do Ministério da Fazenda aponta que, das transferências do setor público, somente 30% chega aos 10% mais pobres da população, com 20% sendo direcionado para os 10% mais ricos. Países com gasto público mais progressivo, como os da União Europeia, têm, em média, quase 70% de suas transferências direcionadas para os 10% mais pobres. Em outros, como Dinamarca, Reino Unido e Irlanda, as transferências públicas para os 10% mais ricos não chegam a 5%. Nesse sentido, nota-se que o gasto social no Brasil é elevado no comparativo internacional, porém mal focalizado.
[6] As medidas e seus impactos fiscais foram compiladas no artigo Contas públicas: o trem da alegria passou na véspera do Natal - Brazil Journal
[7] Contas públicas: o trem da alegria passou na véspera do Natal - Brazil Journa l
[8] Para mais detalhes sobre o tema ver: Revisão de gasto pode economizar até R$ 700 bilhões em dez anos | Blog do IBRE (fgv.br)
[9] Para mais detalhes ver: AFONSO,José e CASTRO, Kleber. Contas Públicas no Brasil: Parte III - O lado do financiamento do estado.
[10] Para mais detalhes ver: AFONSO,José e CASTRO, Kleber. Contas Públicas no Brasil: Parte III - O lado do financiamento do estado.
[11] Surpresa fiscal positiva já foi em boa parte consumida por novos gastos e desonerações | Blog do IBRE (fgv.br)