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Piratas e a moderna governança corporativa

O que piratas do século XVIII podem ensinar aos CEOs de hoje sobre liderança, controle e reputação?

Os piratas no Golfo da Guiné, que faz fronteira com mais de uma dúzia de países, sequestraram 130 marinheiros em 22 incidentes no ano passado (AniphaeS/Getty Images)

Os piratas no Golfo da Guiné, que faz fronteira com mais de uma dúzia de países, sequestraram 130 marinheiros em 22 incidentes no ano passado (AniphaeS/Getty Images)

Instituto Millenium
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Instituto Millenium

Publicado em 5 de junho de 2025 às 07h20.

Por Ronald Hillbrecht

 

A chamada era dourada da pirataria, entre o final do século XVIII e início do XIX, nos deixou figuras lendárias como Barba Negra, Capitão Kidd, Black Bart e o casal Anne Bonny e Calico Jack. Esses personagens se tornaram ícones da cultura popular não só por seus feitos no mar, mas por integrarem nosso imaginário coletivo – como não lembrar de Jack Sparrow, magnificamente interpretado por Johnny Depp em 'Piratas do Caribe'?

Entretanto, como explicar que uma atividade ilegal, perigosa e ferozmente perseguida pela poderosa Marinha Inglesa e por caçadores de recompensas pôde ser tão bem-sucedida durante tanto tempo? O economista Peter Leeson investigou a fundo essa questão e revelou algo surpreendente – os piratas resolveram problemas complexos de organização e ação coletiva usando práticas que hoje associamos à moderna governança corporativa.

Em um ambiente sem leis formais ou proteção estatal, eles criaram mecanismos internos para evitar abusos de poder, reduzir conflitos e garantir uma divisão justa dos saques. Com isso, suas tripulações, compostas por 80 a 200 homens e muitas vezes maiores do que as da marinha mercante, conseguiam operar com eficiência mesmo em condições extremamente adversas.

Para tal, os piratas adotaram dois tipos de instituições (que são as “regras do jogo”) essenciais. Primeiro, estabeleceram limites ao poder dos capitães, que eram eleitos e podiam ser destituídos pela tripulação. Adicionalmente, os capitães tinham plena autoridade em situações de combate e estabelecimento da rota a ser seguida, mas questões do dia a dia, como logística e disciplina da tripulação, ficavam ao encargo do contramestre, que também era eleito.

Segundo, criaram constituições democráticas a bordo, com regras claras sobre conduta, disciplina e divisão de ganhos. Essas normas, acordadas por todos, funcionavam como verdadeiros contratos sociais do alto-mar e têm como equivalente moderno os estatutos sociais das empresas.

Adicionalmente, piratas cultuavam sua reputação estrategicamente. A bandeira Jolly Roger, com sua caveira ameaçadora, não era apenas um símbolo: ela sinalizava aos inimigos que resistir significava morte certa. Embora com a fama de violentos e cruéis, piratas exploravam esta reputação justamente para evitar conflitos mortais com embarcações saqueadas. As tripulações de muitas delas preferiam se render sem luta, poupando recursos e vidas. Essa estratégia de sinalização inteligente maximizava os lucros e minimizava os riscos – algo que empresas modernas também buscam ao gerir suas marcas.

Certamente, esses desafios e estratégias não são exclusivos dos piratas. CEOs de grandes empresas enfrentam dilemas parecidos, como motivar equipes, evitar conflitos internos e exercer autoridade sem abusos com o objetivo de minimizar riscos do empreendimento e maximizar lucros.

Tudo isso são aspectos do que chamamos de problemas de agência, muito discutidos na teoria da governança corporativa, que ocorrem sempre que propriedade e controle de uma organização estão separados.

São típicos problemas de agência: auto benefício (self-dealing), que ocorre quando administradores usam recursos da empresa para seu próprio benefício; benefícios (perquisites) que são os benefícios adicionais oferecidos a executivos e membros do conselho de administração além do salário e outras formas de remuneração padrão, como jatinhos e escritórios; baixo nível de esforço e investimento excessivo que decorre da propensão dos gestores e burocratas de expandir seus orçamentos e criar impérios em busca de poder e prestígio.

Autores consagrados como Berle, Means, Jensen e Meckling estudaram esses problemas e propuseram soluções como proteção jurídica, conselhos independentes, introdução de dívida na estrutura de capital e aquisições hostis (takeovers) para disciplinar gestores e limitar expropriação dos acionistas.

Hoje em dia as corporações contam com proteção legal, regras de informação financeira (financial disclosure rules), conselhos independentes e direitos dos acionistas para lidar com estes problemas. O que aconteceria se elas não tivessem nada disto, ou se fossem empreendimentos criminosos?

O caso dos piratas mostra como instituições podem surgir da necessidade, mesmo sem leis ou Estado. Regras autoaplicáveis, controle democrático e uso estratégico da reputação permitiram que grupos potencialmente violentos cooperassem por longos períodos de modo a alcançar seus objetivos de forma eficiente.

Assim sendo, Barba Negra poderia ensinar muito a CEOs modernos. Sua experiência revela três grandes lições: (i) descentralização pode ser vital mesmo sob risco elevado, (ii) regras acordadas coletivamente funcionam melhor que imposições externas e (iii) instituições são moldadas pelos problemas que enfrentam, seja no mar ou nos mercados. Na próxima vez que ouvir uma palestra sobre governança corporativa, pense nisso: será que não teríamos algo a aprender com o temível pirata Barba Negra? Talvez a resposta seja mais surpreendente do que se possa imaginar.

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