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Pesquisa identifica impacto da diversidade cultural nos salários

Instituto Millenium entrevista Leonardo Monasterio

Instituto Millenium entrevista Leonardo Monasterio  (Acervo pessoal)
Instituto Millenium entrevista Leonardo Monasterio (Acervo pessoal)

Cidades com mais diversidade de descendentes de imigrantes oferecem maiores salários. Foi essa a conclusão do paper "Inherited cultural diversity and wages: surname-based evidence" ("Diversidade cultural herdada e salários: evidências baseadas em sobrenomes", em tradução livre). O artigo foi recém-lançado por Leonardo Monasterio, pesquisador do IPEA e professor no IDP, e Philipp Ehrl, professor da Fundação Getúlio Vargas. Publicado no Journal of Economic Geography no início do mês, o estudo explora o impacto da diversidade cultural herdada sobre os salários, usando dados administrativos de indivíduos formalmente empregados no Rio Grande do Sul entre 2008 e 2013, com técnicas de aprendizado de máquina para inferir a ancestralidade dos trabalhadores, a partir de seus sobrenomes. 

Nesta entrevista ao Instituto Millenium, Monasterio discute as implicações de sua pesquisa, destacando como a diversidade cultural herdada exerce uma influência positiva sobre os salários na região estudada. Ele aborda a metodologia inovadora utilizada para distinguir a diversidade herdada da diversidade de local de nascimento e explora como esses achados podem informar políticas públicas. Monasterio também reflete sobre os desafios e benefícios da imigração, oferecendo uma perspectiva histórica sobre como as comunidades imigrantes foram percebidas ao longo do tempo no Brasil e como isso se reflete nas atitudes contemporâneas em relação aos novos imigrantes. 

Instituto Millenium: Quais os destaques do estudo? 

Leonardo Monasterio: O destaque do estudo é que, apesar de existirem muitos estudos mostrando que a diversidade cultural pode gerar retornos econômicos em diversos lugares do mundo, o nosso foca no caso brasileiro. Mais especificamente, analisamos o Rio Grande do Sul, uma região marcada por intensas ondas de migração no final do século XIX e começo do XX, e que depois viu uma diminuição significativa de imigrantes. Em comparação, países como os Estados Unidos e a Inglaterra continuaram recebendo imigrantes sucessivamente, o que torna mais difícil medir o efeito da diversidade 'herdada'.  

No nosso estudo, pudemos observar o impacto dessa diversidade herdada mesmo em pessoas de terceira ou quarta geração, mostrando que ainda há um prêmio pela diversidade. Conseguimos identificar isso devido às características específicas do Brasil e do Rio Grande do Sul, em especial pela localização das colônias. Essa é a grande contribuição do estudo. Além disso, temos uma interpretação causal desses resultados, indicando que os salários mais altos em áreas mais diversas não são devido ao tamanho dos municípios, à qualidade institucional ou ao capital humano medido pela escolaridade. Os mecanismos identificados não estão relacionados ao fato de indivíduos mais produtivos escolherem locais mais diversos. Conseguimos mostrar que esses não são os mecanismos que explicam nossos resultados. 

IM: No seu estudo, você descobriu que a diversidade cultural está ligada a salários mais altos no Rio Grande do Sul. Poderia nos explicar, de maneira simples, como essa diversidade influencia positivamente os salários e quais são os principais benefícios para trabalhadores e empresas locais? 

LM: O que descobrimos é que um componente dos salários e da produtividade dos indivíduos provém do fato de eles estarem em locais culturalmente diversos. Eliminamos outras explicações possíveis para essa relação, como geografia, instituições ou conexões diretas com o comércio internacional. Não são esses os fatores. A diversidade cultural, como sugerido também na literatura, parece influenciar positivamente pois proporciona uma variedade de formas de resolver problemas e um leque mais amplo de conhecimentos úteis.  

Em outras palavras, não é suficiente ter todos com o mesmo tipo de capital humano; é vantajoso ter diversidade em capital humano, habilidades e qualificações. Grupos com maior diversidade podem oferecer perspectivas únicas e habilidades diversas, que muitas vezes são tradições passadas de geração para geração. Isso resulta em benefícios produtivos. Portanto, identificamos um mecanismo causal que mostra que a diversidade por si só, e não outros fatores mais óbvios, é que promove maiores salários e produtividade. 

IM: Você utilizou técnicas avançadas, como o aprendizado de máquina, para inferir a ancestralidade das pessoas a partir de seus sobrenomes. Essa abordagem é bastante inovadora. Poderia explicar como isso funciona e de que maneira essa tecnologia pode ser utilizada para ajudar a entender outros aspectos sociais ou econômicos da sociedade brasileira? 

LM: Para a atribuição dos sobrenomes neste estudo, utilizei um algoritmo que desenvolvi em um trabalho anterior, em 2017. Esse algoritmo é relativamente simples e opera com uma base de dados histórica que associa sobrenomes a nacionalidades. Ele analisa o padrão linguístico dos sobrenomes, isto é, como os fonemas se organizam e a sonoridade geral do nome. Quando se encontra um sobrenome já presente na base de dados, a atribuição de nacionalidade é direta. No entanto, se o sobrenome é desconhecido, o algoritmo tenta inferir a nacionalidade baseado em seu padrão fonético. Esse método é particularmente útil no Brasil, onde as grafias dos sobrenomes podem mudar ao longo do tempo, adaptando-se às variações linguísticas locais. 

IM: Considerando a história única de acolhimento a imigrantes no Rio Grande do Sul, de que maneira você acredita que essa diversidade cultural pode ser utilizada como uma alavanca para o desenvolvimento econômico e social em outras regiões do Brasil? Quais seriam suas recomendações para os formuladores de políticas públicas? 

LM: Uma lição importante da história é que é muito difícil acertar previamente quais grupos de imigrantes serão bem-sucedidos a longo prazo. O que hoje é visto como adaptação bem-sucedida ao Brasil, como no caso dos japoneses que colaboraram com o desenvolvimento regional, não era percebido assim no passado. A imigração japonesa, por exemplo, chegou a ser banida no Brasil e não era bem vista.  Esse mesmo padrão pode acontecer com todos os povos. Vejo muitas críticas atuais, por exemplo, em relação aos refugiados afegãos, venezuelanos, haitianos, que repetem discursos do passado sobre outros povos. Portanto, minha recomendação geral para o Brasil é promover uma economia mais aberta, que facilite a imigração. Isso não resultará em impactos imediatos, estou falando de impactos que podem ser observados em 100 anos, mas acredito que os benefícios imediatos são evidentes.  

Claro que há benefícios de curto prazo: os refugiados venezuelanos, por exemplo, têm escolaridade bem maior que a média da mão de obra brasileira. Assim, as vantagens da diversidade não são limitadas apenas aos benefícios da imigração que mostramos; há outros canais pelos quais a imigração pode beneficiar a sociedade. O exemplo do Rio Grande do Sul, onde conseguimos medir esses canais, mostra isso claramente. E se você olhar para cidades como São Paulo, que é essencialmente multicultural, ou para grandes cidades e regiões de sucesso no mundo, como Londres, Nova Iorque, ou Los Angeles, verá que a diversidade cultural é um fator predominante. Pessoas com habilidades e culturas diferentes colaboram cada uma à sua maneira, contribuindo para a produtividade e adaptabilidade dessas regiões.