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Para resolver o problema, é preciso conhecê-lo

O urbanismo praticamente não tem espaço no debate público, ficando restrito a pequenos núcleos acadêmicos e burocratas

O urbanismo praticamente não tem espaço no debate público, ficando restrito a pequenos núcleos acadêmicos e burocratas (RPAROBE/Getty Images)
Pedro Portes

colunista - Instituto Millenium

Publicado em 14 de novembro de 2024 às 12h45.

Última atualização em 18 de novembro de 2024 às 13h21.

O atual estado das cidades brasileiras é consequência de um sistema de planejamento e gestão urbana ineficaz, incapaz de oferecer respostas adequadas às demandas existentes. A política urbana—o conjunto de diretrizes, leis, ações e instrumentos—apresenta problemas estruturais que dificultam mudanças nessa realidade. A sociedade também tem uma parcela significativa de culpa, adotando inúmeras posturas que visam impor preferências e obter benefícios privados às custas da coletividade.

Até então, esse cenário não é muito diferente de outras pautas no Brasil, em que a ineficiência e a captura do Estado também são a regra. Entretanto, ao contrário de outras questões relevantes, o urbanismo praticamente não tem espaço no debate público, mesmo sendo um tema que afeta diretamente o cotidiano de mais de 80% dos brasileiros. Por alguma razão, o tópico ficou restrito a pequenos núcleos acadêmicos e burocratas.

Na prática, a política urbana é conduzida a partir de agendas isoladas—habitação, mobilidade, segurança, sustentabilidade—que não se articulam com aspectos fundamentais das cidades, como o ordenamento do solo e o design urbano. Muitas dados relevantes não são consideradas na elaboração de políticas públicas e os instrumentos urbanísticos 1praticamente não são aproveitados. Tem-se uma ideia de que o conjunto de boas medidas isoladas resulta em uma boa cidade, sendo que, na verdade, o sucesso dessas políticas dependem justamente de um bom planejamento e gestão urbana.

Por exemplo, se uma cidade é dispersa e tem baixa densidade, problemas de mobilidade são inevitáveis. Baixas densidades e longas distâncias inviabilizam um transporte público eficaz, pois o custo per capita é muito alto, incentivando o uso do automóvel. O trânsito gerado como consequência, diferentemente do que se acredita, não pode ser superado com viadutos e alargamento de vias, como Los Angeles nos ensina, uma metrópole extremamente rica incapaz de resolver essa chaga.

A solução de problemas de mobilidade passa, primeiramente, pelo zoneamento urbano, para viabilizar maior adensamento em regiões centrais e nas áreas onde há grande demanda. A mistura de usos (residencial, comercial e institucional), tratada nessa mesma legislação, também é fundamental. Se as pessoas morarem distantes do trabalho e dos locais de consumo, a situação não vai se resolver.

Com melhor aproveitamento dos espaços urbanos, os deslocamentos individuais tendem a diminuir gradualmente, a mobilidade ativa pode emergir e o poder público tem maior capacidade para custear ampliação e melhoria dos modais. Mas, infelizmente, as soluções por aqui sempre giram em torno de grandes obras de infraestrutura, especialmente rodoviárias, descoladas das necessidades diárias das pessoas.

Da mesma forma, o urbanismo afeta todas as outras dinâmicas de uma cidade, que são altamente complementares. Por exemplo, densidade, fachadas ativas, espaços públicos pujantes e boas calçadas são essenciais para melhorar a mobilidade, mas também são indispensáveis para a redução da criminalidade e promoção da inovação, por exemplo. Neste contexto, a falta de difusão  do tema, que impede a compreensão clara desses benefícios, se soma à terrível experiência vivenciada pelos habitantes das cidades brasileiras e cria um ciclo vicioso.

A deterioração das cidades e a falta de dinamismo existente geram um maior anseio por automóveis, muros, vias expressas, shopping centers e prédios com grandes áreas de lazer, que, por sua vez, contribuem para uma deterioração e perda de dinamismo ainda maior. É o exato oposto do que se observa em Buenos Aires, Barcelona, Paris, Seul, Hong Kong, Manhattan, Londres e Tóquio, que, com todas as suas diferenças, têm em comum a alta densidade, prédios sem muros, sem áreas de lazer e espaços públicos de qualidade e praticamente não existem viadutos ou vias expressas.

Essas cidades prosperaram e atraem milhões de pessoas justamente por conta de seu bom urbanismo, peça central na formulação de qualquer política. É evidente que existem muitos fatores que afastam o Brasil dessa realidade, mas a pouca difusão do tema nos mantém sempre em busca de uma nova solução equivocada -e geralmente muito cara.

Apesar do atual cenário nada animador, a reversão deste quadro não é tão difícil quanto parece. Há um espaço enorme para que estudantes, pesquisadores, profissionais e agentes públicos possam promover avanços nessa agenda. A situação atual é tão drástica que medidas muito modestas poderiam representar grandes progressos. É um verdadeiro oceano azul, um campo aberto para políticas públicas inovadoras, geração de renda e empregos.

Urbanismo não serve apenas para planejar cidades, é também uma ferramenta que influencia diretamente o sucesso de empreendimentos empresariais e a melhoria na qualidade de vida dos cidadãos. Todos aqueles que vivem em espaço urbano podem ser beneficiados com uma maior compreensão sobre o tema. Esse conhecimento é essencial para a tomada de decisões e ganho de eficiência.

Outro ponto fundamental, é que a pauta pode avançar sem grande impacto nas contas públicas. Em um país onde o orçamento dos entes federativos é comprometido e disputado, esse ponto é de suma relevância e constitui um excelente incentivo aos políticos. Os próprios rendimentos do desenvolvimento imobiliário podem ser revertidos, em parte, para investimentos em infraestrutura, habitação social, reformas e zeladoria. A melhoria da cidade valoriza tudo que existe nela.

Como hoje a legislação é muito restritiva, uma maior flexibilidade poderia abrir caminho para a geração de renda e oportunidades, algo que não representa custos para o estado. Isso é muito importante, pois, quando interesses privados se chocam com os da sociedade, a resistência enfrentada é enorme. Além disso, boa parte da flexibilização necessária é competência do município, o que torna a tarefa menos árdua. Reformas federais também são muito importantes, mas tem um grau maior de complexidade.

É urgente que o urbanismo seja colocado no centro do debate público e das políticas governamentais, criando condições para reverter o atual ciclo vicioso. Os incentivos existentes devem ser aproveitados, e, mesmo a possibilidade de ganhos privados, são muito úteis para impulsionar a pauta.

Com maior protagonismo do tema e um esforço individual dos cidadãos, a transformação das cidades e da vida de milhões de brasileiros pode estar muito mais próxima do que imaginamos. O desenvolvimento recente de cidades asiáticas e da nossa vizinha Colômbia, por exemplo, são um belo lembrete de que também somos capazes.

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O atual estado das cidades brasileiras é consequência de um sistema de planejamento e gestão urbana ineficaz, incapaz de oferecer respostas adequadas às demandas existentes. A política urbana—o conjunto de diretrizes, leis, ações e instrumentos—apresenta problemas estruturais que dificultam mudanças nessa realidade. A sociedade também tem uma parcela significativa de culpa, adotando inúmeras posturas que visam impor preferências e obter benefícios privados às custas da coletividade.

Até então, esse cenário não é muito diferente de outras pautas no Brasil, em que a ineficiência e a captura do Estado também são a regra. Entretanto, ao contrário de outras questões relevantes, o urbanismo praticamente não tem espaço no debate público, mesmo sendo um tema que afeta diretamente o cotidiano de mais de 80% dos brasileiros. Por alguma razão, o tópico ficou restrito a pequenos núcleos acadêmicos e burocratas.

Na prática, a política urbana é conduzida a partir de agendas isoladas—habitação, mobilidade, segurança, sustentabilidade—que não se articulam com aspectos fundamentais das cidades, como o ordenamento do solo e o design urbano. Muitas dados relevantes não são consideradas na elaboração de políticas públicas e os instrumentos urbanísticos 1praticamente não são aproveitados. Tem-se uma ideia de que o conjunto de boas medidas isoladas resulta em uma boa cidade, sendo que, na verdade, o sucesso dessas políticas dependem justamente de um bom planejamento e gestão urbana.

Por exemplo, se uma cidade é dispersa e tem baixa densidade, problemas de mobilidade são inevitáveis. Baixas densidades e longas distâncias inviabilizam um transporte público eficaz, pois o custo per capita é muito alto, incentivando o uso do automóvel. O trânsito gerado como consequência, diferentemente do que se acredita, não pode ser superado com viadutos e alargamento de vias, como Los Angeles nos ensina, uma metrópole extremamente rica incapaz de resolver essa chaga.

A solução de problemas de mobilidade passa, primeiramente, pelo zoneamento urbano, para viabilizar maior adensamento em regiões centrais e nas áreas onde há grande demanda. A mistura de usos (residencial, comercial e institucional), tratada nessa mesma legislação, também é fundamental. Se as pessoas morarem distantes do trabalho e dos locais de consumo, a situação não vai se resolver.

Com melhor aproveitamento dos espaços urbanos, os deslocamentos individuais tendem a diminuir gradualmente, a mobilidade ativa pode emergir e o poder público tem maior capacidade para custear ampliação e melhoria dos modais. Mas, infelizmente, as soluções por aqui sempre giram em torno de grandes obras de infraestrutura, especialmente rodoviárias, descoladas das necessidades diárias das pessoas.

Da mesma forma, o urbanismo afeta todas as outras dinâmicas de uma cidade, que são altamente complementares. Por exemplo, densidade, fachadas ativas, espaços públicos pujantes e boas calçadas são essenciais para melhorar a mobilidade, mas também são indispensáveis para a redução da criminalidade e promoção da inovação, por exemplo. Neste contexto, a falta de difusão  do tema, que impede a compreensão clara desses benefícios, se soma à terrível experiência vivenciada pelos habitantes das cidades brasileiras e cria um ciclo vicioso.

A deterioração das cidades e a falta de dinamismo existente geram um maior anseio por automóveis, muros, vias expressas, shopping centers e prédios com grandes áreas de lazer, que, por sua vez, contribuem para uma deterioração e perda de dinamismo ainda maior. É o exato oposto do que se observa em Buenos Aires, Barcelona, Paris, Seul, Hong Kong, Manhattan, Londres e Tóquio, que, com todas as suas diferenças, têm em comum a alta densidade, prédios sem muros, sem áreas de lazer e espaços públicos de qualidade e praticamente não existem viadutos ou vias expressas.

Essas cidades prosperaram e atraem milhões de pessoas justamente por conta de seu bom urbanismo, peça central na formulação de qualquer política. É evidente que existem muitos fatores que afastam o Brasil dessa realidade, mas a pouca difusão do tema nos mantém sempre em busca de uma nova solução equivocada -e geralmente muito cara.

Apesar do atual cenário nada animador, a reversão deste quadro não é tão difícil quanto parece. Há um espaço enorme para que estudantes, pesquisadores, profissionais e agentes públicos possam promover avanços nessa agenda. A situação atual é tão drástica que medidas muito modestas poderiam representar grandes progressos. É um verdadeiro oceano azul, um campo aberto para políticas públicas inovadoras, geração de renda e empregos.

Urbanismo não serve apenas para planejar cidades, é também uma ferramenta que influencia diretamente o sucesso de empreendimentos empresariais e a melhoria na qualidade de vida dos cidadãos. Todos aqueles que vivem em espaço urbano podem ser beneficiados com uma maior compreensão sobre o tema. Esse conhecimento é essencial para a tomada de decisões e ganho de eficiência.

Outro ponto fundamental, é que a pauta pode avançar sem grande impacto nas contas públicas. Em um país onde o orçamento dos entes federativos é comprometido e disputado, esse ponto é de suma relevância e constitui um excelente incentivo aos políticos. Os próprios rendimentos do desenvolvimento imobiliário podem ser revertidos, em parte, para investimentos em infraestrutura, habitação social, reformas e zeladoria. A melhoria da cidade valoriza tudo que existe nela.

Como hoje a legislação é muito restritiva, uma maior flexibilidade poderia abrir caminho para a geração de renda e oportunidades, algo que não representa custos para o estado. Isso é muito importante, pois, quando interesses privados se chocam com os da sociedade, a resistência enfrentada é enorme. Além disso, boa parte da flexibilização necessária é competência do município, o que torna a tarefa menos árdua. Reformas federais também são muito importantes, mas tem um grau maior de complexidade.

É urgente que o urbanismo seja colocado no centro do debate público e das políticas governamentais, criando condições para reverter o atual ciclo vicioso. Os incentivos existentes devem ser aproveitados, e, mesmo a possibilidade de ganhos privados, são muito úteis para impulsionar a pauta.

Com maior protagonismo do tema e um esforço individual dos cidadãos, a transformação das cidades e da vida de milhões de brasileiros pode estar muito mais próxima do que imaginamos. O desenvolvimento recente de cidades asiáticas e da nossa vizinha Colômbia, por exemplo, são um belo lembrete de que também somos capazes.

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