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Para além da motosserra: simplificar o Estado deveria ser uma agenda de todos

Estratégias diferentes podem atingir um mesmo objetivo: tornar o governo mais ágil, transparente e menos frustrante 

Elon Musk e Donald Trump no Salão Oval, na Casa Branca (Jim WATSON /AFP)

Elon Musk e Donald Trump no Salão Oval, na Casa Branca (Jim WATSON /AFP)

Instituto Millenium
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Publicado em 30 de abril de 2025 às 22h58.

Por Wagner Lenhart e Rafael Leite*

 

Quando o assunto é reduzir burocracia, é tentador olhar para movimentos mais bruscos como o melhor caminho a seguir. De um lado, a motosserra argentina de Javier Milei, cortando ministérios, regulamentos e funcionários. De outro, o "DOGE" americano, assim apelidado o Departamento de Eficiência Governamental, um título chamativo usado para sinalizar uma cruzada contra a burocracia federal. Ambas as abordagens, especialmente a argentina, são distorcidas no debate público brasileiro e alimentam uma falsa dicotomia que domina o imaginário popular, aquecendo o debate entre direita e esquerda: ou desmantelamos o Estado ou o aceitamos exatamente como é.

A revista The Economist definiu a atual onda de reformas burocráticas globais como uma "revolta contra o red tape". É exatamente disso que se trata. Mas, infelizmente, o debate brasileiro frequentemente reduz o tema a palavras de ordem, a slogans e a posicionamentos simplistas como "mais Estado ou menos Estado". E, ao assim fazer, ignora os dois pontos centrais desse debate: i) uma avaliação racional e fundamentada sobre as funções e prioridades do estado, e ii) a qualidade e a eficiência dos serviços prestados. Simplificar o Estado não deveria ser uma batalha ideológica contra ou a favor do serviço público. Muito pelo contrário: deveria ser uma pauta comum, compartilhada por todos que desejam uma democracia saudável e uma sociedade funcional, a forma mais efetiva de aumentar a confiança pública nas instituições. Exemplos recentes nos Estados Unidos mostram que a desburocratização pode transcender partidos e ideologias políticas.

O estado americano de Idaho, por exemplo, adotou um modelo de reforma definido pelo think tank Manhattan Institute como "regulação base zero". Isso significa que, periodicamente, todas as normas estaduais precisam ser justificadas novamente para continuarem existindo. Em outras palavras, as regras têm data para expirar (ou seja, uma “sunset clause”). É um processo simples, mas revolucionário: ao colocar o ônus da prova sobre a manutenção das regras, e não sobre sua eliminação, o estado americano conseguiu cortar quase 40% de suas normas nos últimos anos, sem comprometer segurança, saúde ou meio ambiente. O resultado é um ambiente mais propício para negócios e menos complicado para o cidadão comum.

Na outra costa americana, Pennsylvania optou por um caminho distinto, porém igualmente criativo. O governador democrata Josh Shapiro batizou sua política de desburocratização de "PAyback", visando destacar um compromisso simples e inédito: se o governo não cumprir prazos definidos para emissão de licenças e autorizações, o cidadão ou empresa recebe seu dinheiro de volta. O que é interessante nesse modelo não é tanto a eliminação de regras em si, mas sim a transformação do Estado em algo próximo a uma empresa de serviços, obrigado a ser eficiente sob pena de perder receitas. 

Ambos os casos americanos demonstram como estratégias radicalmente diferentes podem atingir um mesmo objetivo: tornar o governo mais ágil, mais transparente e menos frustrante para quem dele precisa. Nenhum deles partiu dos pressupostos ideológicos de que o Estado é um mal a ser combatido ou que o Estado é um ente virtuoso que não precisa de ajustes. Pelo contrário, partiram da premissa de que, se o Estado existe, ele precisa funcionar bem.

Esses exemplos são essenciais para o debate público brasileiro. Aqui, reduzir burocracia frequentemente evoca fantasmas ideológicos: de um lado, soa como uma guerra santa contra tudo e todos no Estado; de outro, como concessões perigosas ao mercado que enfraquecem o Estado. A simplificação não deveria ser encarada como uma agenda ideológica, mas como uma necessidade prática e urgente. Ela não é inimiga do servidor público nem da proteção ambiental; ao contrário, é uma aliada para que ambos funcionem de maneira mais eficaz.

Simplificação e desregulamentação não devem ser confundidas com eliminação indiscriminada de normas ou precarização de serviços. O que Idaho e Pennsylvania nos mostram é que existem múltiplos caminhos para modernizar o Estado. O ponto central não é a eliminação do Estado, mas sua reinvenção, tornando-o útil, responsivo e acessível, uma estrutura leve, que caiba no bolso dos cidadãos, garanta os direitos e liberdades individuais e ofereça qualidade na prestação dos serviços públicos.

Portanto, precisamos ir além dos memes. Motosserra e DOGE podem gerar manchetes, mas é necessário refletir sobre como podemos avançar considerando a realidade brasileira. A verdadeira transformação acontece quando entendemos que simplificar o Estado não passa apenas por corte de despesas ou redução de estruturas. Embora o Brasil, hoje, diante do desequilíbrio fiscal e da hipertrofia da estrutura estatal, precise de ambos. Trata-se, acima de tudo, de garantir que ele cumpra com eficiência, rapidez e transparência a sua função: proteger os direitos e as liberdades individuais, oferecer um ambiente de segurança e paz social que permita que a sociedade prospere e, claro, servir bem o cidadão.

 

*Wagner Lenhart é CEO do Instituto Millenium e Rafael Leite, Pesquisador associado do Instituto Millenium

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