Colunistas

Os custos das narrativas falsas

Governos não geram riqueza, somente o crescimento econômico sustentável, baseado no investimento em capital humano e contínuos  ganhos de produtividade

WASHINGTON, DC - APRIL 07: U.S. President Donald Trump, seen in reflection, speaks during a meeting with Israeli Prime Minister Benjamin Netanyahu in the Oval Office of the White House on April 7, 2025 in Washington, DC. President Trump is meeting with Netanyahu to discuss ongoing efforts to release Israeli hostages from Gaza and newly imposed U.S. tariffs.   Kevin Dietsch/Getty Images/AFP (Photo by Kevin Dietsch / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP) (Kevin Dietsch/AFP)

WASHINGTON, DC - APRIL 07: U.S. President Donald Trump, seen in reflection, speaks during a meeting with Israeli Prime Minister Benjamin Netanyahu in the Oval Office of the White House on April 7, 2025 in Washington, DC. President Trump is meeting with Netanyahu to discuss ongoing efforts to release Israeli hostages from Gaza and newly imposed U.S. tariffs. Kevin Dietsch/Getty Images/AFP (Photo by Kevin Dietsch / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP) (Kevin Dietsch/AFP)

Instituto Millenium
Instituto Millenium

Instituto Millenium

Publicado em 7 de abril de 2025 às 18h47.

Última atualização em 7 de abril de 2025 às 18h48.

Por Roberto Castello Branco

 

Steve Jobs, o lendário fundador da Apple, possuía entre outras qualidades extraordinária capacidade como palestrante. Em suas famosas apresentações anuais, sempre usando camisa de gola rolê preta, espécie de marca registrada pessoal, Jobs aproveitava o lançamento de produtos para fazer atraentes narrativas sobre o presente e o futuro de sua companhia.  

Paradoxalmente, numa época em que o desenvolvimento da capacidade computacional proporciona ampla disponibilidade de dados, aumentou consideravelmente a demanda por narrativas como apoio à massa de números.  

A conexão fácil com as emoções das pessoas, a facilidade de elas serem lembradas e o fato de provocar reações daqueles acessados por suas mensagens se constituem basicamente em suas alavancas de poder. 

Num mundo em que recebemos diariamente consideráveis fluxos de informações, as narrativas são capazes de atrair com sucesso a atenção das pessoas e serem memorizadas. Os números, embora sejam indispensáveis para respaldar as narrativas, em boa parte se perdem no meio da multidão e isoladamente se mostram pouco capazes de transmitir as mensagens que se quer dar.  

Com o advento das redes sociais a difusão das narrativas se tornou muito mais ampla. De no máximo algumas poucas centenas de pessoas num auditório, a audiência se multiplicou para milhares. Podem até viralizar e consequentemente serem transmitidas para milhões ao redor do mundo.  

 Ao lado de seus aspectos positivos as narrativas podem gerar consequências desastrosas quando não suportadas por fatos e dados. A evidência empírica é crucial. 

Muitas vezes seus autores abandonam a realidade e se transportam para um mundo imaginário onde tudo se comporta de acordo com suas previsões. O publico que compra as ideias veiculadas provavelmente as aceita sem questionamento, talvez porque sonhe com um final feliz. 

Um exemplo atual desse tipo de distorção é  o “Make America Great Again”, ou MAGA 

A narrativa parte da visão de um suposto declínio dos EUA provocado por outros países, a China e aliados como Canadá, Mexico, Japão e os europeus. A despeito de seus desafios, a economia americana ainda é a maior do mundo, cresce mais rapidamente do que as principais economias desenvolvidas,  apresenta baixas taxas de desemprego e de inflação, possui liderança global na inovação e a América continua a ser a maior potência militar do globo.  

O sonho de Trump de reconstruir a América pré-globalização, quando sua indústria manufatureira era a maior do mundo e grande empregadora de mão de obra é algo bastante improvável porque ignora o dinamismo da economia e das inovações. 

Apesar disso, o MAGA levou  Donald Trump a se eleger pela segunda vez Presidente dos EUA se posicionando como salvador de uma nação em sérias dificuldades. 

Trump acredita que as tarifas são a principal fonte do crescimento econômico e quer reviver o mercantilismo, ideia predominante até o século XVIII quando a taxa média de expansão da economia mundial era próxima a zero.  

A partir daí há um bombardeio de tarifas sobre importações, impostas sob as mais diversas justificativas: gerar empregos nos EUA, punir inimigos (tarifas secundárias), segurança nacional, aumentar a receita do governo para equilibrar o orçamento - importante no século XIX, principalmente para pagar a dívida para financiar a Guerra da Secessão nos EUA,  quando inexistia a  estrutura tributária construída anos depois -  e tarifas reciprocas, estranhamente fixadas sem considerar as tarifas em vigor.   

Peter Navarro, assessor do Presidente Trump, estima uma receita tarifária anual de US$ 700 bilhões, equivalente a 2% do PIB nominal dos EUA. Esse percentual não é alcançado desde o inicio do século XIX, sendo igual à obtida hoje por países subdesenvolvidos como Mongólia e Senegal. 

O tarifaço determinado pela lei Smoot-Hawley de 1930 contribuiu para propagar a Depressão de 1929 nos EUA para o resto do mundo. Quase um século depois o governo americano aprova algo semelhante à Smoot Hawley. 

Tarifas costumam ter implicações macroeconômicas bastante negativas. Queda de produtividade, redução do produto real, aumento de desemprego, apreciação da taxa de câmbio real e mais desigualdade de renda são algumas delas.  

A exemplo da Smoot- Hawley, a política comercial do governo Trump está incentivando uma guerra comercial com a imposição de tarifas retaliatórias pelo resto do mundo, potencializando o impacto negativo sobre a economia americana e a economia global.  

As nuvens de incerteza que se formaram ao lado da má alocação de recursos causada pela quebra de cadeias de valor e as barreiras à competição permitem esperar uma recessão econômica global com alta de inflação.  

 Por seu turno, o governo Lula crê que o papel de fomentar o crescimento é desempenhado pelos gastos públicos, ideia dos anos 50 da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) . Vale salientar que a implementação das ideias da CEPAL foi uma das principais responsáveis pelo atraso econômico dos países da América Latina. 

Tendo como pano de fundo essa crença, tornou-se proibido cortar dispêndios públicos, qualquer tentativa de ajuste das contas do governo e de estabilização da relação dívida/PIB deve  ser conduzida através de aumento de arrecadação. O arcabouço fiscal, que estranhamente prevê expansão simultânea de gastos e receitas, rapidamente se desgastou e perdeu credibilidade. 

A teoria econômica e a experiência revelam que o aumento de gastos públicos produz impacto positivo sobre a atividade econômica no curto prazo, porém é  seguido de elevação da inflação, de taxas de juros, de prêmios de risco e da relação dívida/PIB, o que juntamente com o aumento de  incerteza implica em recessão e desemprego.  

A experiência brasileira recente com a política macroeconômica que prioriza gastos públicos produziu uma profunda recessão com duração de 33 meses, de março de 2014 até dezembro de 2016, a mais longa na história econômica recente do país , e um contingente de mais de 12 milhões de desempregados. 

Governos não geram riqueza, somente o crescimento econômico sustentável, baseado no investimento em capital humano e contínuos  ganhos de produtividade, é capaz de gerar uma trajetória de prosperidade onde há criação de empregos de boa qualidade e remoção da pobreza de milhões de pessoas. 

 O governo atual começou com a PEC da Transição abrindo as portas para um aumento de gastos da ordem de 2% do PIB. O choque fiscal tem sido seguido por incremento de despesas públicas, transferências de renda, concursos para a contratação de funcionários, gastos parafiscais via fundos e empresas estatais e mais crédito de bancos estatais, tudo o que for possível para acelerar a demanda. 

 O impacto dessa política se esgotou com o crescimento do PIB em 2023/2024, declínio do desemprego e elevação de salários reais. 

 Evidentemente, nada do que foi realizado gera crescimento econômico sustentável e os resultados negativos começam a surgir. As expectativas de inflação não têm sido revertidas mesmo diante de uma política monetária contracionista, sabotada pela frágil situação fiscal.  

 Ao mesmo tempo em que o Banco Central promove novas altas de juros, o Governo expande o crédito para a pessoa física, o Ministro da Fazenda diz que uma supersafra vai baixar a inflação e o Vice Presidente da República quer eliminar os preços de alimentos do cálculo do índice de inflação, sugerindo que talvez o governo não saiba o rumo a tomar diante dos sinais de fracasso de sua narrativa. 

 Para socorrer pessoas endividadas e em dificuldade com os altos juros, em grande parte resultantes da recusa do governo em tomar medidas que conduzam à estabilização da dívida publica, ele próprio lança um programa de crédito bancário consignado, cujas taxas de juros ainda são bem altas. A garantia é um percentual do saldo do FGTS, uma poupança compulsória que nos últimos 20 anos virou “pau para toda obra”, numa clara violação do objetivo para o qual foi criado. 

 Utilizar empresas estatais como indutoras do crescimento econômico é algo que também dá errado, conforme o caso da Petrobras demonstrou claramente. A gestão estatal determina que suas empresas tenham como objetivo a satisfação de interesses políticos, tornando-as bem menos eficientes do que as companhias privadas. Não raro elas se transformam em ninhos de corrupção.  

 Um exemplo claro do emprego de estatais com propósito político é Itaipu. Em lugar de alocar o excesso de caixa para reduzir seus preços e cumprir com o objetivo de fornecer energia para os brasileiros ao menor custo possível, a estatal financia obras no Pará e Paraná e patrocina shows no Rio de Janeiro, intervenções completamente estranhas ao seu objetivo social.   

 Estatais contribuem para reduzir o crescimento da economia no longo prazo, justamente o oposto do que prega o atual governo na defesa de um dogma ideológico.  

 Estamos nos aproximando de uma tempestade, causada pela implementação de duas narrativas falsas. 

Acompanhe tudo sobre:Donald TrumpTarifas