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Operação no Alemão marca nova fase no combate ao crime no Rio, avalia Roberto Motta

Em entrevista, o estudioso da área destaca o planejamento da ação policial, critica a impunidade e defende reformas na legislação e forças de segurança

Instituto Millenium
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Publicado em 3 de novembro de 2025 às 14h11.

Última atualização em 3 de novembro de 2025 às 23h17.

A recente megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro — que resultou em mais de uma centena de mortos, dezenas de prisões e apreensões de armas e drogas — foi considerada por Roberto Motta, estudioso em segurança pública, uma das mais eficientes já realizadas pela polícia. Segundo ele, a ação - que tinha como meta o cumprimento de mais de cem mandados de prisão - contou com “cuidadoso planejamento para evitar vítimas entre a população”. Diante do domínio do tráfico nessas áreas, a operação foi estruturada para lidar com a forte possibilidade de confronto armado.

“Como se trata de um local dominado pelo narcotráfico, a polícia se preparou para uma eventual reação dos criminosos. O planejamento direcionou o conflito para uma área de mata desabitada.” Motta destacou que os criminosos estavam fortemente equipados, “uniformizados e armados com armas de guerra”, além de utilizarem drones para lançar granadas contra os agentes. Em sua avaliação, não houve erros significativos na execução da operação. Para Motta, que também é engenheiro, mestre em gestão, autor do livro A construção da maldade e comentarista da Jovem Pan, o elevado número de mortos reflete a própria natureza das facções criminosas que controlam parte do território carioca. Segundo ele, essas organizações funcionam como “um estado paralelo, com forças armadas e bem equipadas”, o que torna improvável uma rendição voluntária em confrontos desse tipo. “Não existe política de segurança que convença um narcotraficante uniformizado e armado com um fuzil a se render”, destaca.

Ele considera que o país não possui uma política de segurança consolidada e defende que o sistema de justiça brasileiro é excessivamente permissivo, o que acaba favorecendo a reincidência.

A reação pública ao episódio também revela um contraste de visões. Enquanto a maioria da população demonstrou apoio à operação, parte da imprensa e do meio acadêmico se manifestou de forma crítica. Motta atribui essa divergência a uma influência prolongada de abordagens ideológicas marxistas no debate sobre criminalidade, segundo ele, mais comuns entre setores ligados à comunicação e ao meio jurídico, que tendem a interpretar o crime sob a ótica de desigualdades sociais e econômicas.

“Para os marxistas da segurança pública, o criminoso luta contra a injustiça do sistema capitalista, e o crime não passa de uma tentativa de combater a desigualdade”, critica. Ele falou também sobre o impacto internacional no debate, citando o caso de Nayib Bukele, presidente de El Salvador, que ganhou destaque por reduzir significativamente o crime no país, através de medidas rigorosas (e polêmicas) contra o crime. Motta observa que, apesar das críticas, “Bukele foi eleito democraticamente e suas medidas foram aprovadas pelo Congresso”.

Ao tratar da formulação de políticas públicas, ele reforça que há ampla literatura sobre a chamada economia do crime, segundo a qual os criminosos respondem a incentivos e punições. Ele cita o economista Gary Becker, prêmio Nobel em 1992, como referência nesse campo, e lamenta que, no Brasil, evidências empíricas como essas ainda sejam ignoradas na formulação das leis e decisões judiciais. “Existe fartura de literatura sobre a economia do crime, que mostra que os criminosos, como todo mundo, são movidos a incentivos e punições. As medidas eficientes de combate ao crime são aquelas que aumentam o custo do crime para o criminoso e reduzem os benefícios”, explica.

Para ilustrar o que chama de leniência do Estado brasileiro com o crime, o estudioso aponta a reincidência como um dos principais sintomas do problema. “Um sujeito que assalta alguém com uma arma na cabeça, em menos de dois anos está de volta às ruas”, exemplifica. “O Brasil criou a prisão em regime aberto, uma inovação pioneira no mundo - o criminoso está preso, mas não está. Recentemente, no Rio de Janeiro, um criminoso foi preso pela 87ª vez. Logo em seguida, ele foi solto. O juiz responsável pela decisão disse que não cabia ‘nenhum exercício de futurologia’”.

Ainda nesta linha, e ao contrário do que costuma ser dito, Motta argumenta que não há encarceramento em massa no país, e sim “impunidade em massa”. “Em média, apenas 8% dos homicídios são desvendados - e são mais de 40 mil homicídios anuais. Os números de criminosos presos no Brasil são propositalmente submetidos a distorções e exageros. Dizem que Brasil tem 650 mil criminosos presos. Mas esse número inclui presos nos regimes semiaberto e aberto. O número real de presos em regime fechado, incluindo os provisórios, é por volta de 500 mil. Isso dá 0.24% da população – no país que mais mata no mundo!”, detalha.

Sobre o papel do tráfico de drogas, Roberto Motta considera que ele está no centro das principais atividades criminosas e que seus efeitos se espalham por instituições do Estado, pelo sistema de ensino e até pela mídia. Para ele, o enfrentamento da criminalidade exige três medidas principais: reformar a legislação penal, retomar o controle efetivo dos presídios e reestruturar as polícias.

Embora reconheça que ainda seja cedo para afirmar se a recente operação representa uma virada definitiva na postura do Estado, Motta acredita que ela inaugurou um novo momento para a segurança pública do Rio de Janeiro. Em sua avaliação, a atuação coordenada das forças policiais, somada à comunicação mais assertiva e ao apoio de governadores de outros estados, “pode marcar o início de uma nova era no combate ao crime organizado no país”.