“Objetivo do Marco do Saneamento era garantia de atendimento ao cidadão”, diz Diogo Mac Cord
O Instituto Millenium entrevistou ex- secretário de Desestatização, sobre as idas e vindas do Marco e as dificuldades de privatizar no Brasil
Publicado em 11 de outubro de 2023 às, 14h58.
Diogo Mac Cord estava à frente da Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do então Ministério da Economia durante a tramitação e aprovação de importantes avanços regulatórios, nos setores de saneamento básico, energia elétrica, entre outros. Mac Cord teve participação direta no processo de privatização da Eletrobras, em junho de 2022, e na aprovação do Marco Regulatório do Saneamento, em 2020. Após sua participação no governo, ele retornou à iniciativa privada, e agora é sócio-líder de infraestrutura e mercados regulados da Ernst & Young (EY) para América Latina.
Nesta entrevista, ele compartilha conosco sua perspectiva sobre os impactos e benefícios deste Marco do Saneamento para o Brasil, destacando a importância da eficiência na prestação de serviços e o potencial de atração de investimentos privados para o setor. Além disso, abordamos a questão da desestatização, a relevância de licitações competitivas e a capacidade do país de cumprir metas ambiciosas de universalização do saneamento.
No próximo dia 20, Mac Cord participa da 10ª edição do Fórum Liberdade e Democracia, promovido pelo IFL-SP, no Teatro B32. O evento também tem entre os palestrantes a empreendedora Magatte Wade, apontada como uma das “20 Jovens Mulheres Poderosas da África” pela Forbes. Para participar do fórum, é necessário se inscrever por este link: https://forumsp.org .
Confira abaixo a entrevista:
Instituto Millenium: Após impasses nos primeiros meses de governo, o tema ‘marco do saneamento’ parece mais pacificado. Na sua opinião, ainda há espaço para reviravoltas, ou o setor privado pode avançar com confiança em seus investimentos?
Diogo Mac Cord: O Brasil é um país com grande histórico de cumprimento de contratos. Isso significa que os editais já publicados e as concessões já assinadas podem ter a tranquilidade de contar com um arcabouço legal e regulatório robusto e seguro. Isso dito, eventuais alterações do Marco de Saneamento podem ter um impacto no pipeline (fluxo de novos projetos), o que pode reduzir o número de novas oportunidades oferecidas ao setor privado ao longo dos próximos anos. Mesmo assim, vejo muitos estados que ainda pretendem avançar com iniciativas bastante atrativas.
IM: Quais benefícios o marco do saneamento trouxe? Há vantagens em uma maior participação privada no setor? Existem dados que comparam a eficiência entre empresas públicas e privadas nesse campo?
DMC: Ao contrário do que muitos pensam, o Marco do Saneamento não teve por objetivo confrontar os setores público e privado: ele tem como principal pilar a eficiência. Há duas perguntas, muito simples, que deveriam ser respondidas: (i) Quanto aquele determinado estado precisa para universalizar o atendimento à sua população? e (ii) A empresa tem capacidade financeira de fazer frente a esse volume de investimentos? Se a resposta à pergunta (ii) fosse positiva, a empresa estatal poderia continuar prestando normalmente seus serviços. Mas, se a resposta fosse negativa, seria obrigatória a licitação dos serviços a um agente capitalizado e eficiente. Após 5 anos, uma nova pergunta deveria ser feita: aquele agente (seja ele o original, que tenha passado no primeiro teste, seja o novo, que ganhou a licitação) avançou na universalização, proporcionalmente à meta de 2033? Se a resposta fosse “sim”, permanecia com o contrato. Mas, se a resposta fosse “não”, perderia a operação e um novo concessionário deveria ser selecionado. Por isso, tudo fica muito claro: o único objetivo é a garantia de atendimento ao cidadão, seja por empresa pública, seja por empresa privada.
IM: Quais são os benefícios para os estados ao privatizar suas estatais de saneamento?
DMC: Há duas vantagens principais: uma financeira e a outra de gestão. Na ponta financeira, trazer um agente privado para a operação libera recursos públicos para serviços essenciais, como saúde, segurança e educação. É importante lembrar que, aqui, falamos de cerca de R$700 bilhões até 2033 para universalizar os serviços de abastecimento de água (99% da população) e coleta e tratamento de esgoto (90% da população). É muito dinheiro (por ano, seria mais do que o total anunciado para o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, para todos os setores juntos), e que a iniciativa privada poderia trazer sem problemas. O que temos visto nas licitações já realizadas é que, mesmo sem aumento de tarifa, é possível não só comportar esse volume de investimento como também viabilizar o pagamento de outorgas adicionais. Isso só é possível pela segunda dimensão de benefício pela parceria com o setor privado, que é a melhoria de gestão – e, por consequência, o ganho de eficiência.
IM: Considerando os meses de incerteza jurídica e projetos paralisados, é realista esperar que as metas de universalização do saneamento sejam cumpridas no prazo? O que é necessário para alcançar essa meta?
DMC: Acredito que ainda seja possível, para os estados que iniciarem imediatamente seus estudos. Mas o prazo está cada vez mais desafiador para aqueles que ainda insistirem no modelo antigo, que depende de repasses públicos a fundo perdido, que resulta em baixos investimentos. De qualquer forma, acredito muito no efeito indutivo: muitos estados, ao observarem os resultados alcançados por seus vizinhos, poderão compreender os benefícios do novo modelo e comparar os avanços de cada região, facilitando a decisão de caminho a ser seguido.
IML: O marco do saneamento promove licitações competitivas para definir o prestador de serviços, ao invés de permitir uma gestão direta e não competitiva feita por estatais. Esse modelo pode ser implementado em outros setores econômicos? Quais setores seriam mais adequados?
DMC: Nosso princípio legal, constitucional, é o do livre mercado, da competição, da eficiência. Veja que, na esfera federal, mesmo quando a União era dona de uma empresa que atuava no setor elétrico (privatizada em 2022), essa empresa nunca recebeu um contrato sem licitação, mesmo tendo como controlador o titular do serviço. Ela sempre precisou participar de processos competitivos, de igual para igual com outras empresas privadas, levando o contrato apenas se apresentasse a melhor proposta – e, após ganhar, ficando sujeita à mesma regulação e governança do restante do mercado. Nessa mesma linha, ainda temos muitos outros setores a avançar, como mobilidade e gás.
IM: Você considera a desestatização uma pauta impopular e, se sim, por que?
DMC: Na realidade, a história comprova que esse é um caminho de sucesso. Legalmente falando, os modelos podem variar pontualmente, aqui ou ali, mas a essência é a mesma – e todos os governos, sem exceção, desde nossa redemocratização, usaram algum desses modelos para avançar na agenda de infraestrutura, nos mais diferentes segmentos. Isso porque são evidentes os retornos que tivemos – e ninguém pode ser contra um aeroporto mais confortável, uma estrada mais segura ou um sistema elétrico mais resiliente.