O tal futuro do trabalho
Mercado traz uma ruptura do modelo tradicional de interação entre os trabalhadores e seus tomadores
Colunista - Instituto Millenium
Publicado em 4 de dezembro de 2023 às 13h13.
Na semana que passou, os juízes do trabalho estiveram reunidos em seu congresso nacional anual. O evento, grandioso, teve por tema o progresso tecnológico e seus impactos nas leis trabalhistas. Muito se falou, portanto, sobre esse conceito tão abstrato de consequências tão concretas: o tal futuro do trabalho.
Pude expor as minhas reflexões sobre o assunto, as quais, vou logo confessando, não são nada originais. O meu diagnóstico já é uma espécie de senso comum em nossa área. O que muda é apenas a visão pessimista ou otimista do cenário - e desta vez estou entre os que enxergam o copo meio cheio.
Primeiro, um registro histórico interessante.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) escolheu esse mesmo tema para celebrar seu centenário em 2019. Como a organização costuma estar entre os pessimistas, a escolha veio acompanhada de uma constatação catastrófica. Para ela, as plataformas digitais e as inovações tecnológicas impulsionam uma transformação tão completa do mundo do trabalho, que recriam “práticas do século XIX”, fazem nascer futuras gerações de “ digital day labourers ” e ameaçam de extinção todos os empregos atuais.
A visão é pessimista, repito, mas o diagnóstico é preciso. O mercado de trabalho deste século XXI traz mesmo uma ruptura do modelo tradicional de interação entre os trabalhadores e seus tomadores. E as novas tecnologias parecem mesmo ser o motor dessa subversão.
O que não é tão óbvio, todavia, é o impacto que essas transformações trarão para as normas trabalhistas. E quem o compreende, compreende também o alarmismo da OIT. Afinal, o próprio Direito do Trabalho como o conhecemos está em jogo.
Precisamos nos lembrar de que as legislações trabalhistas modernas nasceram em um contexto em que o homem havia se tornado instrumento, substituível, mera peça do processo produtivo, e em que o trabalho era eminentemente subordinado.
O mundo atual, contudo, se caracteriza pela instabilidade e as novas interações trabalhistas já não cabem nos modelos legais tradicionais. Na verdade, os limites temporais e espaciais que constituem a base das normas protetivas do trabalho não estão apenas se rompendo, mas, desaparecendo: trabalha-se a qualquer tempo, de qualquer lugar. Mais do que isso: trabalha-se para quem se quer.
Nessa era da informação, portanto, há também uma subversão da equação empregatícia: ao trabalhador é dada a possibilidade de assumir o controle de sua vida laborativa e de se utilizar das tecnologias a sua disposição para exercer com autonomia o seu trabalho. E por isso o trabalho por conta própria, sem vínculos funcionais delineados, emerge e se impõe com robustez.
Fenômeno que a um só tempo explica e se torna paradigma desse novo mundo é o das plataformas colaborativas virtuais. Elas já dominam vários setores do mercado e prometem ser a discussão trabalhista da década.
Tais empreendimentos virtuais se colocam à disposição de consumidores e prestadores para que as duas pontas, através da livre utilização da plataforma, estabeleçam suas interações laborativas. O empregador, nesse cenário, desaparece. E o trabalhador, repito, trabalha quando, como e para quem quiser.
Eis o que fundamenta, portanto, a preocupação da OIT: o próprio objeto do Direito do Trabalho, que é o labor subordinado, tem sua existência ameaçada e o trabalho independente dá mostras de que irá substituí-lo. As relações de trabalho autônomas tendem a se tornar maioria (hoje quatro a cada dez trabalhadores do Brasil já não trabalham como empregados).
É também por isso que a Justiça do Trabalho tende a ficar obsoleta se não assegurar outras competências além da relação de emprego. E é também por isso que há uma tendência mundial de adoção de uma soft law: leis que reconhecem a troca do trabalho dependente clássico pelo trabalho autônomo.
E, se já não bastasse a enorme e natural revolução, uma imprevista pandemia veio catalisar o processo.
A Covid-19 acelerou nossa transição para a era digital. Descobrimos na ocupação remota uma forma eficiente e barata de trabalhar e o home office virou tendência irreversível. Com ele, uma ainda maior evidência passou a recair sobre o trabalhador, sua organização, seu espaço particular, suas escolhas.
No tal futuro do trabalho, insisto, o foco é no indivíduo e na sua independência.
É por isso que ele, ao contrário do que pensam estudiosos reunidos e inspirados pela OIT, não precisa ser visto como catástrofe. Antes, como benção. Afinal, a tecnologia é que agora se torna instrumento: de valorização da independência, da liberdade e do próprio ser humano.
Na semana que passou, os juízes do trabalho estiveram reunidos em seu congresso nacional anual. O evento, grandioso, teve por tema o progresso tecnológico e seus impactos nas leis trabalhistas. Muito se falou, portanto, sobre esse conceito tão abstrato de consequências tão concretas: o tal futuro do trabalho.
Pude expor as minhas reflexões sobre o assunto, as quais, vou logo confessando, não são nada originais. O meu diagnóstico já é uma espécie de senso comum em nossa área. O que muda é apenas a visão pessimista ou otimista do cenário - e desta vez estou entre os que enxergam o copo meio cheio.
Primeiro, um registro histórico interessante.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) escolheu esse mesmo tema para celebrar seu centenário em 2019. Como a organização costuma estar entre os pessimistas, a escolha veio acompanhada de uma constatação catastrófica. Para ela, as plataformas digitais e as inovações tecnológicas impulsionam uma transformação tão completa do mundo do trabalho, que recriam “práticas do século XIX”, fazem nascer futuras gerações de “ digital day labourers ” e ameaçam de extinção todos os empregos atuais.
A visão é pessimista, repito, mas o diagnóstico é preciso. O mercado de trabalho deste século XXI traz mesmo uma ruptura do modelo tradicional de interação entre os trabalhadores e seus tomadores. E as novas tecnologias parecem mesmo ser o motor dessa subversão.
O que não é tão óbvio, todavia, é o impacto que essas transformações trarão para as normas trabalhistas. E quem o compreende, compreende também o alarmismo da OIT. Afinal, o próprio Direito do Trabalho como o conhecemos está em jogo.
Precisamos nos lembrar de que as legislações trabalhistas modernas nasceram em um contexto em que o homem havia se tornado instrumento, substituível, mera peça do processo produtivo, e em que o trabalho era eminentemente subordinado.
O mundo atual, contudo, se caracteriza pela instabilidade e as novas interações trabalhistas já não cabem nos modelos legais tradicionais. Na verdade, os limites temporais e espaciais que constituem a base das normas protetivas do trabalho não estão apenas se rompendo, mas, desaparecendo: trabalha-se a qualquer tempo, de qualquer lugar. Mais do que isso: trabalha-se para quem se quer.
Nessa era da informação, portanto, há também uma subversão da equação empregatícia: ao trabalhador é dada a possibilidade de assumir o controle de sua vida laborativa e de se utilizar das tecnologias a sua disposição para exercer com autonomia o seu trabalho. E por isso o trabalho por conta própria, sem vínculos funcionais delineados, emerge e se impõe com robustez.
Fenômeno que a um só tempo explica e se torna paradigma desse novo mundo é o das plataformas colaborativas virtuais. Elas já dominam vários setores do mercado e prometem ser a discussão trabalhista da década.
Tais empreendimentos virtuais se colocam à disposição de consumidores e prestadores para que as duas pontas, através da livre utilização da plataforma, estabeleçam suas interações laborativas. O empregador, nesse cenário, desaparece. E o trabalhador, repito, trabalha quando, como e para quem quiser.
Eis o que fundamenta, portanto, a preocupação da OIT: o próprio objeto do Direito do Trabalho, que é o labor subordinado, tem sua existência ameaçada e o trabalho independente dá mostras de que irá substituí-lo. As relações de trabalho autônomas tendem a se tornar maioria (hoje quatro a cada dez trabalhadores do Brasil já não trabalham como empregados).
É também por isso que a Justiça do Trabalho tende a ficar obsoleta se não assegurar outras competências além da relação de emprego. E é também por isso que há uma tendência mundial de adoção de uma soft law: leis que reconhecem a troca do trabalho dependente clássico pelo trabalho autônomo.
E, se já não bastasse a enorme e natural revolução, uma imprevista pandemia veio catalisar o processo.
A Covid-19 acelerou nossa transição para a era digital. Descobrimos na ocupação remota uma forma eficiente e barata de trabalhar e o home office virou tendência irreversível. Com ele, uma ainda maior evidência passou a recair sobre o trabalhador, sua organização, seu espaço particular, suas escolhas.
No tal futuro do trabalho, insisto, o foco é no indivíduo e na sua independência.
É por isso que ele, ao contrário do que pensam estudiosos reunidos e inspirados pela OIT, não precisa ser visto como catástrofe. Antes, como benção. Afinal, a tecnologia é que agora se torna instrumento: de valorização da independência, da liberdade e do próprio ser humano.