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O que esperar das eleições americanas – parte 1

O Instituto Millenium entrevistou três especialistas sobre o panorama para o dia 5 de novembro, pontos fortes e fracos de cada candidato e mais

(AFP/AFP)
Instituto Millenium

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Publicado em 1 de novembro de 2024 às 12h52.

O déficit público, e a economia em geral, será um dos principais desafios do próximo presidente dos Estados Unidos. O país é decisivo para evitar uma terceira guerra mundial e, neste tema, Donald Trump leva vantagem sobre a adversária Kamala Harris. O candidato conservador é o favorito na disputa, e vem mais forte do que quando perdeu a reeleição, em 2020, muito por conta da gestão da pandemia. Esses são alguns pontos de convergência entre os três especialistas ouvidos pelo Instituto Millenium sobre as eleições americanas, que acontecem na próxima terça-feira (05). Pensilvânia, Michigan e Wisconsin são os estados chave nesta disputa, por, historicamente, terem uma votação mais equilibrada entre Republicanos e Democratas.

Quais são as vantagens de Kamala Harris em relação a Joe Biden, que abandonou a disputa no meio? O que é melhor pro Brasil? Quais os pontos fortes e fracos de cada postulante? Por que Trump, que não conseguiu se reeleger em 2020, aparece mais forte agora? Fizemos estas e outras perguntas para Diogo Costa, cientista político, presidente da FEE e ex-CEO do Millenium, Adriano Gianturco, Coordenador do curso de Relações Internacionais do IBMEC de Belo Horizonte, e Vinícius Rodrigues Vieira, Professor da Faap, FGV e IDP, autor do livro Shaping Nations and Markets.

Confira abaixo a primeira parte da entrevista.

Instituto Millenium: A disputa entre Donald Trump e Kamala Harris está acirrada nesta reta final. Quais estados serão decisivos para decidir o pleito?

Vinícius Rodrigues Vieira: A questão central é que Trump e Kamala estão disputando os estados decisivos, conhecidos como Battleground States ou Swing States. Nevada, Arizona e Geórgia são exemplos – sendo que a Geórgia atualmente inclina para Trump, mas, caso ocorra uma grande mobilização de eleitores negros, o cenário pode mudar. No entanto, os estados mais importantes continuam sendo os do Rust Belt: Pensilvânia, Michigan e, mesmo, Wisconsin. Minnesota provavelmente penderá para os democratas, especialmente pela presença de Kamala e seu vice. Se ela tivesse escolhido Josh Shapiro, governador da Pensilvânia, como vice, isso poderia fortalecer ainda mais o apoio na Pensilvânia, onde ele está bem posicionado, além de o estado contar com outro senador democrata (John Karl Fetterman), que também destacou a força de Trump por lá.

Vale lembrar que a Pensilvânia é o estado onde Trump enfrentou uma tentativa de assassinato, o que pode sensibilizar parte do eleitorado, sendo um fator que não deve ser descartado. Portanto, é essencial prestar atenção à Pensilvânia, mas também a Michigan, onde a classe trabalhadora pode repetir o movimento de 2016 e votar em Trump, talvez garantindo uma vitória apertada no estado. Como o colégio eleitoral é o que determina o resultado final, Trump ainda poderia vencer a eleição, mesmo perdendo no voto popular. É importante notar que ele tem demonstrado popularidade, como no polêmico comício em Nova York – um estado de maioria democrata – marcado por grandes ofensas racistas.

Diogo Costa: Os estados decisivos nessa disputa Trump-Harris são os estados chamados de estados pêndulo, os swing states. São estados que têm um histórico de pender às vezes para um lado, às vezes para o outro, e que, nesse momento, as pesquisas mostram uma disputa muito equilibrada. O mais crucial é a Pensilvânia, porque é um estado grande, ou seja, com um grande número de votos no colégio eleitoral. Tem uma história também de oscilação entre democratas e republicanos e é um estado interessante, porque em vários estados acontece o que acontece na Pensilvânia, que é se ter uma cidade que é mais democrata e um interior que é mais republicano, mas a própria cidade da Filadélfia, que é a principal cidade da Pensilvânia, também é um pouco dividida, e tem parte da Pensilvânia que tem uma oscilação significativa e que naqueles estados especificamente podem ir pro Trump esse ano. Outros estados, se tem estados como o Wisconsin, como o Michigan, (eu estava lá ontem), Michigan é um estado em que o Trump venceu em 2016, por uma margem pequena, o Biden depois venceu em 2020 por uma margem pequena, é um estado também com uma disputa acirrada e o estado de Georgia que é o estado que eu estou nesse momento, que é um estado tradicionalmente republicano mas que vem mostrando uma tendência mais competitiva e que também tem uma diferença muito grande entre Atlanta, que é uma cidade que além de - como outros centros urbanos – tender pros democratas, tem uma população negra forte, uma demografia que costuma se aliar aos democratas. Mas dentro dessas demografias, também está tendo essas diferenças. Homens negros, nessa eleição, parecem estar diminuindo um pouco seu suporte histórico aos democratas. Então tem também essas outras nuances dentro desses campos de batalha.

IM : Quais os pontos fortes e fracos de cada candidato?

VRV: A força de Trump está em prometer uma melhor performance econômica, especialmente para setores que enxergam o Estado como um obstáculo. Ele não é exatamente um liberal puro, pois adota uma mistura de políticas: no campo fiscal, é bastante liberal, enquanto no comércio mantém uma postura fortemente protecionista. Já Kamala, tem um histórico desfavorável como vice-presidente; permaneceu em grande parte apagada e agora surge como candidata de última hora, devido à inviabilidade da candidatura de Biden.

Trump destaca-se em temas econômicos e perde na questão identitária. Ele também se beneficia da imagem de líder que pode pôr fim às guerras, alinhando-se a uma percepção isolacionista crescente nos Estados Unidos, onde as guerras são vistas com desinteresse no momento. Essa tendência favorece Trump. Algumas pesquisas, como a do Institute of Global Affairs , fundado pela Eurasia, sugerem que Trump é percebido como superior nesses aspectos econômico e militar, inclusive nos Swing States.

DC: Em termos de estilo, o Partido Democrata de Kamala Harris se apresenta para muitos eleitores como uma alternativa de maior normalidade política, contrastando com o estilo provocador de Trump. Harris tem sinalizado para o centro, falando de armas, defendendo redução de alguns impostos e desregulamentação da habitação, em linha com o movimento YIMBY.

Esse centrismo atrai alguns eleitores indecisos, mas Kamala ainda carrega o peso da baixa popularidade do governo Biden, sendo difícil se desvincular das críticas e apresentar uma continuidade "diferente." Além disso, sua ascensão como candidata, após elogiar a atuação cognitiva de Biden, gera questionamentos. E ainda existe o aspecto DEI em Kamala, que afasta uma parcela do eleitorado.

Trump, por outro lado, atrai pela postura rígida sobre imigração, agora vista menos como xenofobia e mais como controle de fronteiras. Ele também é associado à percepção de uma economia mais forte antes da Covid, com menos inflação e mais crescimento. Apoiadores tecnológicos, como Elon Musk, reforçam a imagem de um “EUA inovador.”

O maior problema de Trump com boa parte do eleitorado, porém, é seu histórico de não levar a sério as normas democráticas, insistindo que a última eleição foi fraudada e até pedindo ao vice que bloqueasse a transição de poder, o que preocupa muitos eleitores quanto à estabilidade eleitoral.

Seu legado no Judiciário, com a nomeação de juízes federais e ministros da Suprema Corte, é um ponto positivo para parte do eleitorado. Ainda assim, a decisão da corte sobre o aborto gerou impopularidade, e por isso Trump reforça deixar a questão para os Estados.

Há temores de que ele use o poder para retaliações, o que deixa empresas e adversários cautelosos. Alguns acreditam que o Washington Post evitou apoiar Kamala por receio de represálias a Jeff Bezos. Esse clima de revanchismo preocupa muitos eleitores quanto ao comprometimento com normas republicanas.

IM : De que forma a desistência de Joe Biden influenciou o curso da campanha? Quais as vantagens de Kamala em relação a ele?

DC: A primeira e principal vantagem da Kamala Harris é que ela está em posse das suas faculdades mentais. Acho que essa preocupação com os sinais de declínio cognitivo do Biden é uma preocupação grande, uma preocupação que tem repercussão até geopolítica. Acho que uma vantagem que ela tem com relação ao Biden é que ela tem que se posicionar mais ao centro, por ser uma candidata com menos influência política dentro do partido, menos capital político. E isso tem feito ela, em alguns assuntos, se posicionar mais ao centro. Não em todos, ela falou de controle de preços, deve ter muita pauta identitária que ela acaba apoiando, mas em assuntos como segurança pública, como imigração, os assuntos que ela muda de ideia, se você pegar o histórico, costuma ser numa direção um pouco mais positiva.

Então, ela vai ter vários desafios herdados pelo Biden, e talvez um dos principais seja a dívida pública americana, o que fazer com o déficit. Eu realmente não sei por que ela seria melhor. Ela poderia ter uma equipe melhor do que o do Biden, mas o que se sabe também é da dificuldade da Kamala com gestão de pessoas, o turnover no gabinete dela sempre foi muito grande. Então não sei se ela consegue atrair bons talentos para fazer uma composição de equipe.

Adriano Gianturco: A desistência dele forçou a escolha da candidatura de Kamala Harris. Ela foi escolhida exclusivamente porque era a única candidata possível para manter o financiamento de campanha, ou seja, porque ela era a vice da chapa. Se tivessem colocado qualquer outro candidato, teriam que resetar todo o dinheiro e recomeçar a arrecadação do zero. Ela, sendo a vice da chapa, precedentemente, podia continuar com os fundos arrecadados até então. Foi exclusivamente por isso. E isso acaba favorecendo o Donald Trump, porque ela não passou pelas primárias clássicas, como passaram sempre todos os candidatos da história dos Estados Unidos. As primárias são importantes porque, geralmente, ali se escolhe o melhor candidato (para ganhar, não necessariamente para governar). E porque também são um teste, um treino para os candidatos. Ela não passou por esse treino. Por exemplo, dá para ver em suas últimas entrevistas que performou mal e foi até ironizada, satirizada, em parte porque não tem um talento natural para tal, em parte porque não teve esse treinamento nas primárias.

Quanto às vantagens que ela tem, primeiramente que é incumbente. Não é exatamente a presidente, mas é vice. A literatura científica aponta que quando o candidato-presidente ou vice-presidente se recandidata, ou seja, o incumbente, ele tende a ganhar mais vezes do que perder. Essa é uma evidência empírica, e por que acontece? Primeiro, porque podem usar a máquina estatal a seu favor, com todo o seu poder coercitivo. Segundo, porque os eleitores tendem a confirmar o status quo, dar continuidade, exceto em casos nos quais a economia está indo muito mal, tem alguns escândalos muito graves, etc., mas as pessoas tendem a querer menos mudanças. Em terceiro lugar, porque quem já está no comando pode sempre falar - geralmente fala – um discurso do tipo: `meu mandato ainda não acabou, e para implementar meu projeto, ainda preciso de outro mandato, preciso de 8 anos para poder concretizar resultados`.

E, geralmente, os votantes costumam dar crédito a este discurso. Além disso, a vantagem dela é que tem o sistema a favor. Sabemos que o mundo universitário americano é predominantemente a favor dela, a mídia é majoritariamente a favor, as redes sociais, as empresas de Big Tech também. Mesmo o  Zuckerberg já admitiu, explicitamente,  que no passado foi incentivado a censurar conteúdo de direita nas redes sociais, e isso já é sabido por todo mundo.  Além disso, o establishment, de forma geral, o judiciário também, está mais daquele lado que do outro. Então, de forma geral, diria que os poderes fortes estão mais do lado dela que do outro lado.

VRV: Kamala possui, em tese, maior apelo junto às minorias, e possivelmente entre jovens e mulheres, especialmente por sua defesa dos direitos reprodutivos. Esse posicionamento pode representar uma dificuldade para Trump em alguns estados e no voto popular, pois até mesmo algumas mulheres conservadoras podem considerar as recentes interpretações da Suprema Corte sobre direitos reprodutivos como excessivamente rígidas. A retirada de Biden da disputa acabou dando alguma chance aos democratas. Com Biden, Trump venceria com facilidade, como as pesquisas e o desempenho nos debates indicavam, o que também poderia prejudicar o desempenho democrata nas eleições legislativas.

Embora talvez os próprios democratas não esperem uma vitória de Kamala, a intenção seria que sua campanha consiga ao menos reter uma posição mais estável no Congresso, tanto na Câmara quanto no Senado. A saída de Biden, então, pode assegurar um destino melhor para os democratas nessas eleições legislativas e dar uma chance mínima a Kamala, que chegou a ter um bom momento, mas parece estar perdendo força à medida que Trump cresce e o foco da disputa se volta para a economia.

Embora Trump tenha construído sua base com um forte apelo identitário, Kamala parece evitar enfatizar essa questão, optando por uma abordagem que prioriza a competência em relação ao atual presidente. Ainda assim, essa estratégia pode não ser suficiente, já que o nacionalismo branco ainda sustenta uma parte relevante da base de Trump, embora ele também receba apoio de algumas minorias, incluindo latinos e negros.

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O déficit público, e a economia em geral, será um dos principais desafios do próximo presidente dos Estados Unidos. O país é decisivo para evitar uma terceira guerra mundial e, neste tema, Donald Trump leva vantagem sobre a adversária Kamala Harris. O candidato conservador é o favorito na disputa, e vem mais forte do que quando perdeu a reeleição, em 2020, muito por conta da gestão da pandemia. Esses são alguns pontos de convergência entre os três especialistas ouvidos pelo Instituto Millenium sobre as eleições americanas, que acontecem na próxima terça-feira (05). Pensilvânia, Michigan e Wisconsin são os estados chave nesta disputa, por, historicamente, terem uma votação mais equilibrada entre Republicanos e Democratas.

Quais são as vantagens de Kamala Harris em relação a Joe Biden, que abandonou a disputa no meio? O que é melhor pro Brasil? Quais os pontos fortes e fracos de cada postulante? Por que Trump, que não conseguiu se reeleger em 2020, aparece mais forte agora? Fizemos estas e outras perguntas para Diogo Costa, cientista político, presidente da FEE e ex-CEO do Millenium, Adriano Gianturco, Coordenador do curso de Relações Internacionais do IBMEC de Belo Horizonte, e Vinícius Rodrigues Vieira, Professor da Faap, FGV e IDP, autor do livro Shaping Nations and Markets.

Confira abaixo a primeira parte da entrevista.

Instituto Millenium: A disputa entre Donald Trump e Kamala Harris está acirrada nesta reta final. Quais estados serão decisivos para decidir o pleito?

Vinícius Rodrigues Vieira: A questão central é que Trump e Kamala estão disputando os estados decisivos, conhecidos como Battleground States ou Swing States. Nevada, Arizona e Geórgia são exemplos – sendo que a Geórgia atualmente inclina para Trump, mas, caso ocorra uma grande mobilização de eleitores negros, o cenário pode mudar. No entanto, os estados mais importantes continuam sendo os do Rust Belt: Pensilvânia, Michigan e, mesmo, Wisconsin. Minnesota provavelmente penderá para os democratas, especialmente pela presença de Kamala e seu vice. Se ela tivesse escolhido Josh Shapiro, governador da Pensilvânia, como vice, isso poderia fortalecer ainda mais o apoio na Pensilvânia, onde ele está bem posicionado, além de o estado contar com outro senador democrata (John Karl Fetterman), que também destacou a força de Trump por lá.

Vale lembrar que a Pensilvânia é o estado onde Trump enfrentou uma tentativa de assassinato, o que pode sensibilizar parte do eleitorado, sendo um fator que não deve ser descartado. Portanto, é essencial prestar atenção à Pensilvânia, mas também a Michigan, onde a classe trabalhadora pode repetir o movimento de 2016 e votar em Trump, talvez garantindo uma vitória apertada no estado. Como o colégio eleitoral é o que determina o resultado final, Trump ainda poderia vencer a eleição, mesmo perdendo no voto popular. É importante notar que ele tem demonstrado popularidade, como no polêmico comício em Nova York – um estado de maioria democrata – marcado por grandes ofensas racistas.

Diogo Costa: Os estados decisivos nessa disputa Trump-Harris são os estados chamados de estados pêndulo, os swing states. São estados que têm um histórico de pender às vezes para um lado, às vezes para o outro, e que, nesse momento, as pesquisas mostram uma disputa muito equilibrada. O mais crucial é a Pensilvânia, porque é um estado grande, ou seja, com um grande número de votos no colégio eleitoral. Tem uma história também de oscilação entre democratas e republicanos e é um estado interessante, porque em vários estados acontece o que acontece na Pensilvânia, que é se ter uma cidade que é mais democrata e um interior que é mais republicano, mas a própria cidade da Filadélfia, que é a principal cidade da Pensilvânia, também é um pouco dividida, e tem parte da Pensilvânia que tem uma oscilação significativa e que naqueles estados especificamente podem ir pro Trump esse ano. Outros estados, se tem estados como o Wisconsin, como o Michigan, (eu estava lá ontem), Michigan é um estado em que o Trump venceu em 2016, por uma margem pequena, o Biden depois venceu em 2020 por uma margem pequena, é um estado também com uma disputa acirrada e o estado de Georgia que é o estado que eu estou nesse momento, que é um estado tradicionalmente republicano mas que vem mostrando uma tendência mais competitiva e que também tem uma diferença muito grande entre Atlanta, que é uma cidade que além de - como outros centros urbanos – tender pros democratas, tem uma população negra forte, uma demografia que costuma se aliar aos democratas. Mas dentro dessas demografias, também está tendo essas diferenças. Homens negros, nessa eleição, parecem estar diminuindo um pouco seu suporte histórico aos democratas. Então tem também essas outras nuances dentro desses campos de batalha.

IM : Quais os pontos fortes e fracos de cada candidato?

VRV: A força de Trump está em prometer uma melhor performance econômica, especialmente para setores que enxergam o Estado como um obstáculo. Ele não é exatamente um liberal puro, pois adota uma mistura de políticas: no campo fiscal, é bastante liberal, enquanto no comércio mantém uma postura fortemente protecionista. Já Kamala, tem um histórico desfavorável como vice-presidente; permaneceu em grande parte apagada e agora surge como candidata de última hora, devido à inviabilidade da candidatura de Biden.

Trump destaca-se em temas econômicos e perde na questão identitária. Ele também se beneficia da imagem de líder que pode pôr fim às guerras, alinhando-se a uma percepção isolacionista crescente nos Estados Unidos, onde as guerras são vistas com desinteresse no momento. Essa tendência favorece Trump. Algumas pesquisas, como a do Institute of Global Affairs , fundado pela Eurasia, sugerem que Trump é percebido como superior nesses aspectos econômico e militar, inclusive nos Swing States.

DC: Em termos de estilo, o Partido Democrata de Kamala Harris se apresenta para muitos eleitores como uma alternativa de maior normalidade política, contrastando com o estilo provocador de Trump. Harris tem sinalizado para o centro, falando de armas, defendendo redução de alguns impostos e desregulamentação da habitação, em linha com o movimento YIMBY.

Esse centrismo atrai alguns eleitores indecisos, mas Kamala ainda carrega o peso da baixa popularidade do governo Biden, sendo difícil se desvincular das críticas e apresentar uma continuidade "diferente." Além disso, sua ascensão como candidata, após elogiar a atuação cognitiva de Biden, gera questionamentos. E ainda existe o aspecto DEI em Kamala, que afasta uma parcela do eleitorado.

Trump, por outro lado, atrai pela postura rígida sobre imigração, agora vista menos como xenofobia e mais como controle de fronteiras. Ele também é associado à percepção de uma economia mais forte antes da Covid, com menos inflação e mais crescimento. Apoiadores tecnológicos, como Elon Musk, reforçam a imagem de um “EUA inovador.”

O maior problema de Trump com boa parte do eleitorado, porém, é seu histórico de não levar a sério as normas democráticas, insistindo que a última eleição foi fraudada e até pedindo ao vice que bloqueasse a transição de poder, o que preocupa muitos eleitores quanto à estabilidade eleitoral.

Seu legado no Judiciário, com a nomeação de juízes federais e ministros da Suprema Corte, é um ponto positivo para parte do eleitorado. Ainda assim, a decisão da corte sobre o aborto gerou impopularidade, e por isso Trump reforça deixar a questão para os Estados.

Há temores de que ele use o poder para retaliações, o que deixa empresas e adversários cautelosos. Alguns acreditam que o Washington Post evitou apoiar Kamala por receio de represálias a Jeff Bezos. Esse clima de revanchismo preocupa muitos eleitores quanto ao comprometimento com normas republicanas.

IM : De que forma a desistência de Joe Biden influenciou o curso da campanha? Quais as vantagens de Kamala em relação a ele?

DC: A primeira e principal vantagem da Kamala Harris é que ela está em posse das suas faculdades mentais. Acho que essa preocupação com os sinais de declínio cognitivo do Biden é uma preocupação grande, uma preocupação que tem repercussão até geopolítica. Acho que uma vantagem que ela tem com relação ao Biden é que ela tem que se posicionar mais ao centro, por ser uma candidata com menos influência política dentro do partido, menos capital político. E isso tem feito ela, em alguns assuntos, se posicionar mais ao centro. Não em todos, ela falou de controle de preços, deve ter muita pauta identitária que ela acaba apoiando, mas em assuntos como segurança pública, como imigração, os assuntos que ela muda de ideia, se você pegar o histórico, costuma ser numa direção um pouco mais positiva.

Então, ela vai ter vários desafios herdados pelo Biden, e talvez um dos principais seja a dívida pública americana, o que fazer com o déficit. Eu realmente não sei por que ela seria melhor. Ela poderia ter uma equipe melhor do que o do Biden, mas o que se sabe também é da dificuldade da Kamala com gestão de pessoas, o turnover no gabinete dela sempre foi muito grande. Então não sei se ela consegue atrair bons talentos para fazer uma composição de equipe.

Adriano Gianturco: A desistência dele forçou a escolha da candidatura de Kamala Harris. Ela foi escolhida exclusivamente porque era a única candidata possível para manter o financiamento de campanha, ou seja, porque ela era a vice da chapa. Se tivessem colocado qualquer outro candidato, teriam que resetar todo o dinheiro e recomeçar a arrecadação do zero. Ela, sendo a vice da chapa, precedentemente, podia continuar com os fundos arrecadados até então. Foi exclusivamente por isso. E isso acaba favorecendo o Donald Trump, porque ela não passou pelas primárias clássicas, como passaram sempre todos os candidatos da história dos Estados Unidos. As primárias são importantes porque, geralmente, ali se escolhe o melhor candidato (para ganhar, não necessariamente para governar). E porque também são um teste, um treino para os candidatos. Ela não passou por esse treino. Por exemplo, dá para ver em suas últimas entrevistas que performou mal e foi até ironizada, satirizada, em parte porque não tem um talento natural para tal, em parte porque não teve esse treinamento nas primárias.

Quanto às vantagens que ela tem, primeiramente que é incumbente. Não é exatamente a presidente, mas é vice. A literatura científica aponta que quando o candidato-presidente ou vice-presidente se recandidata, ou seja, o incumbente, ele tende a ganhar mais vezes do que perder. Essa é uma evidência empírica, e por que acontece? Primeiro, porque podem usar a máquina estatal a seu favor, com todo o seu poder coercitivo. Segundo, porque os eleitores tendem a confirmar o status quo, dar continuidade, exceto em casos nos quais a economia está indo muito mal, tem alguns escândalos muito graves, etc., mas as pessoas tendem a querer menos mudanças. Em terceiro lugar, porque quem já está no comando pode sempre falar - geralmente fala – um discurso do tipo: `meu mandato ainda não acabou, e para implementar meu projeto, ainda preciso de outro mandato, preciso de 8 anos para poder concretizar resultados`.

E, geralmente, os votantes costumam dar crédito a este discurso. Além disso, a vantagem dela é que tem o sistema a favor. Sabemos que o mundo universitário americano é predominantemente a favor dela, a mídia é majoritariamente a favor, as redes sociais, as empresas de Big Tech também. Mesmo o  Zuckerberg já admitiu, explicitamente,  que no passado foi incentivado a censurar conteúdo de direita nas redes sociais, e isso já é sabido por todo mundo.  Além disso, o establishment, de forma geral, o judiciário também, está mais daquele lado que do outro. Então, de forma geral, diria que os poderes fortes estão mais do lado dela que do outro lado.

VRV: Kamala possui, em tese, maior apelo junto às minorias, e possivelmente entre jovens e mulheres, especialmente por sua defesa dos direitos reprodutivos. Esse posicionamento pode representar uma dificuldade para Trump em alguns estados e no voto popular, pois até mesmo algumas mulheres conservadoras podem considerar as recentes interpretações da Suprema Corte sobre direitos reprodutivos como excessivamente rígidas. A retirada de Biden da disputa acabou dando alguma chance aos democratas. Com Biden, Trump venceria com facilidade, como as pesquisas e o desempenho nos debates indicavam, o que também poderia prejudicar o desempenho democrata nas eleições legislativas.

Embora talvez os próprios democratas não esperem uma vitória de Kamala, a intenção seria que sua campanha consiga ao menos reter uma posição mais estável no Congresso, tanto na Câmara quanto no Senado. A saída de Biden, então, pode assegurar um destino melhor para os democratas nessas eleições legislativas e dar uma chance mínima a Kamala, que chegou a ter um bom momento, mas parece estar perdendo força à medida que Trump cresce e o foco da disputa se volta para a economia.

Embora Trump tenha construído sua base com um forte apelo identitário, Kamala parece evitar enfatizar essa questão, optando por uma abordagem que prioriza a competência em relação ao atual presidente. Ainda assim, essa estratégia pode não ser suficiente, já que o nacionalismo branco ainda sustenta uma parte relevante da base de Trump, embora ele também receba apoio de algumas minorias, incluindo latinos e negros.

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