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O problema dos monopólios de patentes: o caso dos medicamentos genéricos

Ao contrário do que geralmente se costuma pensar, para muitos autores liberais, patentes não representam uma forma legítima de propriedade privada

Caixas de remédio genérico (.)

Caixas de remédio genérico (.)

Instituto Millenium
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Publicado em 4 de setembro de 2025 às 21h32.

Por Pedro Henrique Engler Urso*

 

Recentemente, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros. Em resposta, o governo brasileiro manifestou a intenção de adotar medidas previstas na Lei Brasileira de Reciprocidade Econômica. Nesse contexto, uma das alternativas consideradas como retaliação ao governo americano envolve a suspensão de direitos de propriedade intelectual, incluindo royalties audiovisuais, patentes de medicamentos e sementes agrícolas. Esse episódio evidencia um debate internacional mais amplo sobre o papel das patentes e sua utilização no cenário global.

As patentes são direitos exclusivos concedidos pelo Estado a inventores de novos produtos, processos ou invenções, por um período determinado em lei. Seu objetivo declarado é incentivar a inovação, garantindo ao titular o poder de impedir terceiros de fabricar, usar, vender ou importar a invenção sem autorização. Trata-se de um mercado multimilionário, estimado em US$ 1,13 bilhão em 2024, com projeção de crescimento para US$ 3,03 bilhões até 2032.

Ao contrário do que geralmente se costuma pensar, para muitos autores liberais, patentes não representam uma forma legítima de propriedade privada, mas sim um privilégio estatal que concede monopólio sobre o uso de ideias. Ao impedir que terceiros usem livremente um conhecimento já descoberto, mesmo que o tenham desenvolvido de forma independente, restringem a concorrência e criam escassez artificial, entrando assim, em contradição com os princípios de livre mercado.

Autores como Stephan Kinsella argumentam que a propriedade só se justifica sobre recursos escassos, e que estender esse conceito a ideias é uma distorção jurídica que fere a liberdade de empreender e inovar. Nesse sentido, patentes funcionam como barreiras legais à entrada, favorecendo grandes corporações e burocracias em detrimento da competição espontânea que caracteriza um mercado verdadeiramente livre. Mises e outros economistas austríacos também entendiam as patentes e direitos autorais como instrumentos de política pública, não como propriedade natural.

Nos países em desenvolvimento, o sistema internacional de patentes especialmente por meio de acordos como o TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) impõe barreiras significativas ao progresso tecnológico e ao acesso da população a bens essenciais. Ao garantir monopólios legais sobre inovações, muitas vezes desenvolvidas nos países ricos, esses acordos restringem a produção local de medicamentos, tecnologias agrícolas e bens industriais, tornando-os artificialmente mais caros e inacessíveis à maioria da população pobre. Em vez de fomentar a inovação, as patentes podem, nesses contextos, consolidar dependências econômicas e tecnológicas, dificultando o desenvolvimento autônomo e perpetuando desigualdades globais. Nesse contexto, a quebra de patentes se mostra como uma solução liberal capaz de aumentar a competitividade e ajudar sobretudo os países em desenvolvimento.

Em 1999, ocorreu um caso emblemático de flexibilização de patentes, com a Lei nº 9.787, que instituiu a política de medicamentos genéricos. Inspirada no modelo norte-americano, a legislação buscou reduzir preços e ampliar o acesso da população a tratamentos essenciais, especialmente para doenças crônicas e em contextos de epidemias. A lei viabilizou a produção de genéricos após a expiração de patentes e, em casos específicos, permitiu a quebra ou flexibilização de patentes antes do vencimento. Por exigência legal, os genéricos deveriam custar ao menos 35% a menos que os medicamentos de marca, mas, na prática, o mercado se ajustou e a diferença chegou a 90%. Isso foi possível porque os laboratórios de genéricos não precisavam arcar com os custos de desenvolvimento da molécula original nem com campanhas publicitárias.

O impacto foi significativo: só em 2023, foram comercializadas 1,98 bilhão de unidades, com faturamento de aproximadamente US$ 3,58 bilhões. Os genéricos já respondem por mais de 70% das vendas em áreas como hipertensão, colesterol alto e ansiolíticos. Desde sua implementação, estima-se que a política tenha gerado uma economia direta de cerca de US$ 60 bilhões aos consumidores brasileiros.

Diante disso, fica evidente que o regime de patentes, longe de ser um pilar natural do livre mercado, opera muitas vezes como um entrave à concorrência, à inovação descentralizada e ao acesso a bens essenciais especialmente aos países em desenvolvimento. Experiências como a da Lei dos Genéricos no Brasil demonstram que a flexibilização ou quebra de patentes, longe de ser uma afronta à liberdade, pode ser uma medida coerente com a lógica de mercado: amplia a concorrência, reduz preços, democratiza o acesso e impulsiona a produção local.

Repensar o papel das patentes, portanto, não é apenas uma agenda de justiça social, mas também uma agenda de liberdade econômica genuína.

 

 

*Pedro Henrique Engler Urso é formado em comércio exterior, pós graduado em Direito da União Europeia pela Universidade de Coimbra, atualmente é estudante de Direito e compõe a equipe da 39º Vara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.