O problema dos fundos partidário e eleitoral é maior do que imaginamos
Precisamos de uma fiscalização eficiente do nosso dinheiro!
institutomillenium
Publicado em 17 de setembro de 2019 às 13h24.
Última atualização em 17 de setembro de 2019 às 13h25.
Durante o ano de 2018, muito se debateu sobre o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais. Como você se deve lembrar, caro leitor, estávamos diante das primeiras eleições financiadas exclusivamente com dinheiro público, depois de uma série de escândalos de corrupção como o Petrolão. Com isso, criou-se o chamado Fundo de Financiamento de Campanha, que se assemelha ao já existente Fundo Partidário, destinado à manutenção financeira dos partidos. Com isso, todas as atividades partidárias existentes no Brasil passaram a ser bancadas exclusivamente pelo Estado, o que significa que elas não são mais financiadas por pessoas físicas ou jurídicas ou, melhor dizendo, pelas pessoas ou empresas que apoiam ou se engajam nas ideias e projetos dos partidos. Isto já é um problema por si só, mas esse buraco é ainda maior: o Fundo, além de não passar por nenhum crivo da população, tem fiscalização e controle insuficientes. Em outras palavras, se podemos considerar um absurdo apenas a existência do Fundo e seus valores exorbitantes, imagine então lidar com a possibilidade de que uma parte desse dinheiro está sendo usado para fins que não são necessariamente aqueles para o qual eles são destinados? Vamos ver isto com mais atenção.
De um lado, o fundo de campanha; do outro, o fundo partidário
O Fundo de Campanha, criado em 2017, visava encerrar o financiamento privado das campanhas eleitorais no Brasil. O que se alegava na época era que havia, entre partidos e empresas, uma relação necessariamente escusa entre um doador que doava querendo algo em troca e o partido que recebia a doação já pensando em como retribuir o dinheiro recebido. Entretanto, ao que parece, na tentativa de consertar os erros desta proposta, acabou se criando um problema ainda maior. Estima-se que R$ 1,7 bilhão foi gasto em 2018 no financiamento de campanha e, segundo projeto deste ano do deputado Cacá Leão (PP – BA), esse valor pode vir a quase triplicar, chegando a R$ 3,7 bilhões em 2020, ano de eleições para prefeitos e vereadores. Apesar de o governo posicionar-se publicamente contra a proposta, ela vem recebendo bastante apoio entre deputados de diversos partidos, o que faz pressão sobre o executivo.
O que se debate hoje vai muito além do modelo de financiamento de campanha. Há uma discussão que envolve a totalidade do dinheiro público investido na própria manutenção dos partidos, o chamado Fundo Partidário. Com uma fiscalização fraca, a questão, para além da legitimidade desses fundos (assunto do qual não tratamos neste artigo, mas que é digno de atenção na medida em que são bilhões de reais que poderiam ser utilizados em outras áreas) é saber se esse dinheiro está realmente sendo usados para o fim que ele foi destinado. É assim que adentramos no chamado Fundo Partidário.
O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, mais conhecido como Fundo Partidário, é a verba pública vinda da União e de multas eleitorais destinada ao financiamento dos partidos políticos. Criada em 1988, junto com a Constituição Brasileira, e com valores divulgados anualmente desde 1994, o dinheiro do Fundo é dividido entre partidos, quase em sua totalidade (95%), de acordo com a quantidade de deputados eleitos, sendo uma parte minoritária (5%) dividida igualmente entre os partidos. Segundo o TSE, em 2009 esse valor era de R$ 155 milhões e, em 2018, chegou a R$ 780 milhões. Se colocarmos lado a lado o dinheiro recebido pelos maiores partidos, este dado fica ainda mais alarmante: em 2018, o PT recebeu mais de R$ 103 milhões, enquanto o PSDB recebeu R$ 85 milhões e o MDB R$ 83 milhões. Acha que está ruim? Pois ainda piora: o Fundo Partidário engloba, ainda, quaisquer multas que os partidos venham a receber, ou seja, se algum partido cometer alguma violação ou infração que incida em multa, ela será paga por você, por nós, já que o pagamento das multas é realizado com dinheiro do próprio Fundo. É isso mesmo, além da fraca fiscalização, mesmo que o partido seja multado por alguma irregularidade, é o dinheiro público do Fundo que custeará este gasto. É como se estivéssemos financiando previamente qualquer infração ou crime cometido por cada partido existente em nosso país.
Os graves problemas de controle e fiscalização
Estamos diante de um problema, certo? Então vamos supor que decidamos acompanhar estes gastos e fiscalizar de perto como os partidos utilizam o Fundo. Neste ponto, chegamos a mais um impasse. O primeiro deles é a prescrição. Acontece que, na prática, a maioria dos julgamento das contas dos partidos demoram e, com isso, grande parte deles prescrevem. Além disso, quando as investigações constam como “não julgadas”, elas assim permanecem e não podem ser julgadas novamente, segundo explica este parecer de 2016 que considera que “contas julgadas como não prestadas não serão objeto de novo julgamento, pois referido dispositivo possui apenas natureza regulamentadora”.
As irregularidades que são de fato identificadas, ou seja, aquelas que não prescrevem, são punidas, felizmente, porém cabe perguntar se essas punições são suficientemente rigorosas, na medida em que apenas impedem o recebimento de mais dinheiro do Fundo por um determinado tempo e, no máximo, fazem com que o partido tenha que devolver dinheiro para União. No fim das contas, a punição é apenas devolver o que foi recebido de graça, sem custo nenhum. Ora, mas se não sabemos exatamente como esse dinheiro foi usado pelos partidos, como vamos saber se o crime cometido não foi ainda maior?
Outro problema no controle e na fiscalização do Fundo é o dinheiro que é repassado para os Diretórios Nacionais. Hoje, os diretórios têm total autonomia na decisão de como e onde utilizar o dinheiro, o que gera uma relação nociva à ideia da democracia na medida em que o Fundo se torna uma espécie de moeda de troca, permitindo que se façam acordos “por fora” para que o dinheiro chegue até onde deve chegar. Para além do dinheiro, a democracia partidária em nosso país se torna um jogo de “troca de favores”, sem necessariamente haver um alinhamento das ideias, abrindo espaços para conchavos com empresas mancomunadas com membros desse ou daquele diretório.
Não se pode esquecer também de que há ainda pouquíssima transparência na própria definição das categorias das despesas dos partidos. Atualmente, temos centenas de categorias envolvendo prestações de contas de possíveis despesas, a maioria delas muito genéricas, como “serviços técnico-profissionais”, “transferências com fins eleitorais”, “aluguel de bens móveis” e “alistamento”. Existe, inclusive, uma despesa chamada de “outras despesas eleitorais” que, no fundo, pode servir para qualquer coisa. Para completar, é impensável imaginar que possamos ter pessoas suficientes para fiscalizar todos os partidos, o que na prática significa dar carta branca para os diretórios, carta branca para uma possível corrupção.
Como tentativa de minimizar esses problemas, criou-se um método que faz uma análise amostral das possíveis irregularidades. Esse método permite que se descubra uma série de irregularidades, porém a amostragem jamais será completamente eficaz, na medida que ela nunca será capaz de acompanhar todas as infrações, pois seu sistema de amostra sempre terá alguma margem de erro, deixando muitas pessoas impunes. É como se montássemos um gráfico para mostrar a nossa impossibilidade em fiscalizar.
A verdade é que toda a estrutura precisa ser mudada. É preciso que exista um planejamento sólido para descobrir, primeiro, quais recursos são necessários para garantir uma auditoria plena sobre os gastos dos Fundos Partidários e de Financiamento. Em seguida, precisamos perseguir o entendimento de que algo precisa ser mudado no que se refere aos gastos de nossos recursos públicos: gastar menos e ainda assim encontrar meios de resolver os problemas do país. Precisamos de uma fiscalização eficiente do nosso dinheiro, mas sem que isso signifique gastar ainda mais dinheiro público.
Dica do IMIL
Você sabe que todo eleitor tem a possibilidade de fiscalizar as arrecadações e gastos dos candidatos, partidos políticos e coligações durante toda a campanha eleitoral? Basta acessar o Sistema de Divulgação de Candidaturas e de Prestações de Contas Eleitorais, disponível na página http://divulgacandcontas.tse.jus.br./divulga/
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornou obrigatório que se informe todas as despesas feitas pelos candidatos durante a campanha eleitoral. O candidato ou o administrador financeiro que registra a sua arrecadação tem até 72 horas após a entrada do dinheiro para transmitir essa informação à Justiça Eleitoral.
A ausência de prestação de contas acarreta ao candidato o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral, no caso do partido, ele terá a suspensão do recebimento das cotas do fundo partidário e suspensão do registro ou anotação do órgão partidário.
Sendo assim, ajude a fiscalizar o seu candidato e faça parte da mudança do nosso país.
Durante o ano de 2018, muito se debateu sobre o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais. Como você se deve lembrar, caro leitor, estávamos diante das primeiras eleições financiadas exclusivamente com dinheiro público, depois de uma série de escândalos de corrupção como o Petrolão. Com isso, criou-se o chamado Fundo de Financiamento de Campanha, que se assemelha ao já existente Fundo Partidário, destinado à manutenção financeira dos partidos. Com isso, todas as atividades partidárias existentes no Brasil passaram a ser bancadas exclusivamente pelo Estado, o que significa que elas não são mais financiadas por pessoas físicas ou jurídicas ou, melhor dizendo, pelas pessoas ou empresas que apoiam ou se engajam nas ideias e projetos dos partidos. Isto já é um problema por si só, mas esse buraco é ainda maior: o Fundo, além de não passar por nenhum crivo da população, tem fiscalização e controle insuficientes. Em outras palavras, se podemos considerar um absurdo apenas a existência do Fundo e seus valores exorbitantes, imagine então lidar com a possibilidade de que uma parte desse dinheiro está sendo usado para fins que não são necessariamente aqueles para o qual eles são destinados? Vamos ver isto com mais atenção.
De um lado, o fundo de campanha; do outro, o fundo partidário
O Fundo de Campanha, criado em 2017, visava encerrar o financiamento privado das campanhas eleitorais no Brasil. O que se alegava na época era que havia, entre partidos e empresas, uma relação necessariamente escusa entre um doador que doava querendo algo em troca e o partido que recebia a doação já pensando em como retribuir o dinheiro recebido. Entretanto, ao que parece, na tentativa de consertar os erros desta proposta, acabou se criando um problema ainda maior. Estima-se que R$ 1,7 bilhão foi gasto em 2018 no financiamento de campanha e, segundo projeto deste ano do deputado Cacá Leão (PP – BA), esse valor pode vir a quase triplicar, chegando a R$ 3,7 bilhões em 2020, ano de eleições para prefeitos e vereadores. Apesar de o governo posicionar-se publicamente contra a proposta, ela vem recebendo bastante apoio entre deputados de diversos partidos, o que faz pressão sobre o executivo.
O que se debate hoje vai muito além do modelo de financiamento de campanha. Há uma discussão que envolve a totalidade do dinheiro público investido na própria manutenção dos partidos, o chamado Fundo Partidário. Com uma fiscalização fraca, a questão, para além da legitimidade desses fundos (assunto do qual não tratamos neste artigo, mas que é digno de atenção na medida em que são bilhões de reais que poderiam ser utilizados em outras áreas) é saber se esse dinheiro está realmente sendo usados para o fim que ele foi destinado. É assim que adentramos no chamado Fundo Partidário.
O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, mais conhecido como Fundo Partidário, é a verba pública vinda da União e de multas eleitorais destinada ao financiamento dos partidos políticos. Criada em 1988, junto com a Constituição Brasileira, e com valores divulgados anualmente desde 1994, o dinheiro do Fundo é dividido entre partidos, quase em sua totalidade (95%), de acordo com a quantidade de deputados eleitos, sendo uma parte minoritária (5%) dividida igualmente entre os partidos. Segundo o TSE, em 2009 esse valor era de R$ 155 milhões e, em 2018, chegou a R$ 780 milhões. Se colocarmos lado a lado o dinheiro recebido pelos maiores partidos, este dado fica ainda mais alarmante: em 2018, o PT recebeu mais de R$ 103 milhões, enquanto o PSDB recebeu R$ 85 milhões e o MDB R$ 83 milhões. Acha que está ruim? Pois ainda piora: o Fundo Partidário engloba, ainda, quaisquer multas que os partidos venham a receber, ou seja, se algum partido cometer alguma violação ou infração que incida em multa, ela será paga por você, por nós, já que o pagamento das multas é realizado com dinheiro do próprio Fundo. É isso mesmo, além da fraca fiscalização, mesmo que o partido seja multado por alguma irregularidade, é o dinheiro público do Fundo que custeará este gasto. É como se estivéssemos financiando previamente qualquer infração ou crime cometido por cada partido existente em nosso país.
Os graves problemas de controle e fiscalização
Estamos diante de um problema, certo? Então vamos supor que decidamos acompanhar estes gastos e fiscalizar de perto como os partidos utilizam o Fundo. Neste ponto, chegamos a mais um impasse. O primeiro deles é a prescrição. Acontece que, na prática, a maioria dos julgamento das contas dos partidos demoram e, com isso, grande parte deles prescrevem. Além disso, quando as investigações constam como “não julgadas”, elas assim permanecem e não podem ser julgadas novamente, segundo explica este parecer de 2016 que considera que “contas julgadas como não prestadas não serão objeto de novo julgamento, pois referido dispositivo possui apenas natureza regulamentadora”.
As irregularidades que são de fato identificadas, ou seja, aquelas que não prescrevem, são punidas, felizmente, porém cabe perguntar se essas punições são suficientemente rigorosas, na medida em que apenas impedem o recebimento de mais dinheiro do Fundo por um determinado tempo e, no máximo, fazem com que o partido tenha que devolver dinheiro para União. No fim das contas, a punição é apenas devolver o que foi recebido de graça, sem custo nenhum. Ora, mas se não sabemos exatamente como esse dinheiro foi usado pelos partidos, como vamos saber se o crime cometido não foi ainda maior?
Outro problema no controle e na fiscalização do Fundo é o dinheiro que é repassado para os Diretórios Nacionais. Hoje, os diretórios têm total autonomia na decisão de como e onde utilizar o dinheiro, o que gera uma relação nociva à ideia da democracia na medida em que o Fundo se torna uma espécie de moeda de troca, permitindo que se façam acordos “por fora” para que o dinheiro chegue até onde deve chegar. Para além do dinheiro, a democracia partidária em nosso país se torna um jogo de “troca de favores”, sem necessariamente haver um alinhamento das ideias, abrindo espaços para conchavos com empresas mancomunadas com membros desse ou daquele diretório.
Não se pode esquecer também de que há ainda pouquíssima transparência na própria definição das categorias das despesas dos partidos. Atualmente, temos centenas de categorias envolvendo prestações de contas de possíveis despesas, a maioria delas muito genéricas, como “serviços técnico-profissionais”, “transferências com fins eleitorais”, “aluguel de bens móveis” e “alistamento”. Existe, inclusive, uma despesa chamada de “outras despesas eleitorais” que, no fundo, pode servir para qualquer coisa. Para completar, é impensável imaginar que possamos ter pessoas suficientes para fiscalizar todos os partidos, o que na prática significa dar carta branca para os diretórios, carta branca para uma possível corrupção.
Como tentativa de minimizar esses problemas, criou-se um método que faz uma análise amostral das possíveis irregularidades. Esse método permite que se descubra uma série de irregularidades, porém a amostragem jamais será completamente eficaz, na medida que ela nunca será capaz de acompanhar todas as infrações, pois seu sistema de amostra sempre terá alguma margem de erro, deixando muitas pessoas impunes. É como se montássemos um gráfico para mostrar a nossa impossibilidade em fiscalizar.
A verdade é que toda a estrutura precisa ser mudada. É preciso que exista um planejamento sólido para descobrir, primeiro, quais recursos são necessários para garantir uma auditoria plena sobre os gastos dos Fundos Partidários e de Financiamento. Em seguida, precisamos perseguir o entendimento de que algo precisa ser mudado no que se refere aos gastos de nossos recursos públicos: gastar menos e ainda assim encontrar meios de resolver os problemas do país. Precisamos de uma fiscalização eficiente do nosso dinheiro, mas sem que isso signifique gastar ainda mais dinheiro público.
Dica do IMIL
Você sabe que todo eleitor tem a possibilidade de fiscalizar as arrecadações e gastos dos candidatos, partidos políticos e coligações durante toda a campanha eleitoral? Basta acessar o Sistema de Divulgação de Candidaturas e de Prestações de Contas Eleitorais, disponível na página http://divulgacandcontas.tse.jus.br./divulga/
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornou obrigatório que se informe todas as despesas feitas pelos candidatos durante a campanha eleitoral. O candidato ou o administrador financeiro que registra a sua arrecadação tem até 72 horas após a entrada do dinheiro para transmitir essa informação à Justiça Eleitoral.
A ausência de prestação de contas acarreta ao candidato o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral, no caso do partido, ele terá a suspensão do recebimento das cotas do fundo partidário e suspensão do registro ou anotação do órgão partidário.
Sendo assim, ajude a fiscalizar o seu candidato e faça parte da mudança do nosso país.