Produção: venda globalizada via internet, mas produção verticalizada por regiões ou países (Getty Images/Getty Images)
Instituto Millenium
Publicado em 24 de abril de 2025 às 22h50.
Última atualização em 25 de abril de 2025 às 16h49.
Por Leonardo Chagas
Em um domingo de setembro de 2008, a falência do Lehman Brothers chacoalhou as bases do sistema financeiro global. Anos depois, um vírus microscópico conseguiria paralisar cadeias de suprimentos em todo o planeta, expondo as vulnerabilidades da nossa interdependência econômica.
Agora, tensões comerciais e novas barreiras tarifárias redesenham silenciosamente o mapa do comércio internacional. Uma transformação nas relações econômicas globais que se desenrola diante dos nossos olhos — sem a dramaticidade das crises anteriores, mas com consequências potencialmente mais duradouras.
Estes eventos, aparentemente desconexos, fazem parte de um movimento pendular que acompanhamos há décadas: a oscilação entre forças de integração econômica e tendências protecionistas. Vale compreender essa dinâmica para enxergar além dos acontecimentos imediatos.
A globalização que floresceu após 1945 transformou a economia mundial e expandiu as possibilidades humanas. Sob a liderança americana, o mundo testemunhou crescimento sem precedentes, reduções significativas da pobreza global e democratização do acesso a produtos. O planeta se tornou interconectado por cadeias de valor altamente eficientes. A Itália produzia o macarrão, a Suíça os relógios, e todos prosperavam, seguindo a lógica da vantagem comparativa que David Ricardo nos apresentou há séculos.
Mas este progresso cobrou seu preço. A entrada da China na OMC, em 2001, alterou estruturalmente o comércio multilateral e redirecionou fluxos globais de mercadorias. Empregos manufatureiros migraram de economias desenvolvidas para novos centros produtivos emergentes. Cidades como Detroit e Barcelona viram seus parques industriais se transformarem em ruínas enquanto a produção se deslocava para Shenzhen e Hai Phong. Enquanto consumidores celebravam preços mais acessíveis, trabalhadores enfrentavam um desemprego estrutural para o qual não estavam preparados. Este contraste alimentou um ressentimento que agora ressoa nas políticas protecionistas que presenciamos.
A história possui uma tendência incômoda de repetir seus erros mais evidentes. Em 1930, a Lei Smoot-Hawley prometia proteger empregos americanos através de tarifas elevadas. O resultado foi uma cascata de retaliações globais que derrubou as exportações americanas em 66% e aprofundou a Grande Depressão. Quase um século depois, estamos revisitando essa fórmula desastrosa.
A guerra tarifária que ainda se desenrola — e cujas consequências apenas começamos a mensurar — abandona princípios econômicos fundamentais em favor de uma retórica de "valor justo" e "segurança nacional". Não nos enganemos com estes eufemismos. São apenas máscaras para um protecionismo que inevitavelmente elevará preços ao consumidor, desorganizará cadeias produtivas consolidadas e, ironicamente, destruirá mais empregos do que criará.
A globalização não morreu, mas está tomando fortes pancadas. Três tendências ilustram esta transformação que observo com crescente apreensão:
Primeiro, tensões geopolíticas entre potências como EUA e China redirecionam o comércio para acordos com nações politicamente alinhadas, sacrificando eficiência econômica em nome de alianças estratégicas.
Segundo, desde 2018, barreiras tarifárias triplicaram segundo dados da OMC, restringindo fluxos comerciais e encarecendo produtos finais para consumidores comuns.
Terceiro, empresas multinacionais como Apple estão repatriando sua produção para reduzir vulnerabilidades, reconfigurando operações globais em busca de segurança em detrimento da eficiência.
A promessa de revitalização industrial permanece um horizonte distante, enquanto os custos são imediatos e palpáveis. Enfrentaremos inflação crescente, menos opções de produtos e inovação comprometida. Os consumidores sentirão estes impactos bem antes que qualquer benefício teórico se materialize.
Esta contradição temporal cria um desafio político significativo. Sociedades democráticas raramente aceitam a dor de sacrifícios imediatos em troca de ganhos futuros incertos, o que torna arriscada qualquer aposta na lógica protecionista.
O mundo pós-1945 construiu sua prosperidade sobre a premissa exaustivamente testada de que fronteiras abertas ao comércio geram mais riqueza que muros protecionistas. Este princípio transformou economias devastadas pela guerra em potências econômicas vibrantes. A receita funcionou.
Assistimos hoje à dramática reversão desta lógica. Sociedades que prosperaram graças ao livre comércio agora erguem barreiras, ignorando as amargas lições do passado. O pêndulo da globalização oscila em direção ao nacionalismo econômico e ao "cada um por si", colocando em xeque o mecanismo mais eficiente de geração de riqueza já desenvolvido pela humanidade.
Não posso prever com certeza como este novo capítulo terminará. Apenas sei que ciclos anteriores de fragmentação comercial foram invariavelmente seguidos por ajustes dolorosos e oportunidades desperdiçadas. A cada repetição desse erro, a conta se torna mais cara.