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O Paradoxo Trump: Quando a Caneta Presidencial Encontra a Meme Coin

Se lançamento do token sugere uma Casa Branca disposta a derrubar barreiras regulatórias, possíveis conflitos de interesse podem gerar novos riscos

Donald Trump, presidente eleito dos EUA (AFP)

Donald Trump, presidente eleito dos EUA (AFP)

Alexandre Ludolf
Alexandre Ludolf

Colunista - Instituto Millenium

Publicado em 23 de janeiro de 2025 às 12h34.

A sobreposição entre poder político e mercado cripto acaba de atingir um novo ápice. Com Donald Trump retornando à Casa Branca, o lançamento do token TRUMP — que em apenas 48 horas superou os 15 bilhões de dólares em valor de mercado — simboliza muito mais do que uma simples brincadeira para celebrar a posse. Trata-se de uma metamorfose na relação entre o poder executivo e as finanças descentralizadas, criando um emaranhado que pode remodelar o futuro tanto dos cripto ativos quanto dos “superpoderes” da caneta presidencial.

O contraste com a abordagem anterior na SEC, sob Gary Gensler, evidencia o quão disruptivo é este momento. Se antes havia uma postura regulatória rigorosa e conservadora em relação às criptomoedas, hoje a Casa Branca coloca o pé no acelerador de forma inédita, com o próprio Trump ofertando sua moeda digital ao público. Fala-se até na possibilidade de o Federal Reserve estabelecer reservas estratégicas de Bitcoin, e a cotação da principal criptomoeda do mundo, impulsionada por esses rumores, rompeu a barreira psicológica dos 100 mil dólares. Esse salto traduz o entusiasmo de investidores diante de um possível arcabouço “crypto-friendly” na esfera federal, mas também inaugura uma zona nebulosa quanto a potenciais fontes internacionais de financiamento e conflitos de interesse envolvendo o presidente.

Porém, nem tudo são flores. Enquanto a nova gestão sinaliza uma regulação mais branda para criptoativos, Trump mantém o discurso de impor tarifas de importação agressivas. Tal medida pode encarecer semicondutores e outros componentes cruciais tanto para a manutenção de blockchains quanto para o desenvolvimento de Inteligência Artificial — áreas que demandam alto poder computacional e investimentos. Essa dicotomia coloca empresas de tecnologia em um dilema estratégico: ao mesmo tempo em que veem menos riscos regulatórios no front cripto, receiam as consequências de uma política comercial mais protecionista, capaz de reposicionar geograficamente linhas de produção e encarecer toda a cadeia de suprimentos tecnológica.

A apreensão se reflete nos encontros de transição em Mar-a-Lago, onde líderes de Big Tech tentam vislumbrar os rumos da nova administração. Sinais de um ambiente mais acolhedor para P&D em blockchain e IA soam atraentes, mas a realidade geopolítica e tarifária pode complicar a integração internacional, fator imprescindível para o avanço de pesquisas em Inteligência Artificial Geral (AGI), que depende de colaboração global e acesso irrestrito a componentes de ponta. Se a Casa Branca optar por uma postura “America First” mais radical, a corrida pela AGI — e por outras inovações disruptivas — poderá sofrer efeitos colaterais, seja com aumento de custos ou com retaliações comerciais.

Do ponto de vista macroeconômico, analistas já projetam cenários de juros mais altos e dólar valorizado, o que poderia, paradoxalmente, favorecer tanto os mercados acionários tradicionais quanto certos criptoativos. Tudo, no entanto, depende do equilíbrio entre políticas protecionistas e acordos internacionais, em especial com países-chave na cadeia de suprimentos de hardware. O perigo de uma escalada tarifária coloca em risco a estabilidade de parcerias comerciais, testando a confiança dos investidores que hoje celebram o “boom” das criptos sob o signo de Trump.

No âmago desse turbilhão de expectativas, a criação da própria memecoin do presidente abre precedentes até então inexistentes. Em mercados tradicionais, um chefe de Estado costuma influenciar preços de forma indireta, por meio de políticas e declarações. Agora, temos um líder que, ao mesmo tempo em que atua no topo da pirâmide política, mantém posição bilionária em um ativo extremamente especulativo. Essa convergência pode resultar em movimentos bruscos de mercado baseados em anúncios oficiais ou simples posts nas redes sociais — risco que ecoa lembranças dos embates entre investidores e o “xerife cripto” Gensler, mas em escala bem maior.

A ironia é que aqueles que reclamavam do zelo excessivo de Gensler talvez encontrem na era Trump um cenário ainda mais imprevisível, onde tweets presidenciais podem desencadear oscilações dramáticas de preço. Além disso, a clareza regulatória pode ficar comprometida se o presidente acumula o papel de principal emissor de um token. Críticos temem que, em vez de uma política robusta e transparente, haja espaço para manobras que sirvam a interesses políticos ou pessoais, potencialmente distorcendo um mercado que já se notabiliza pela alta volatilidade.

Ainda assim, o ecossistema cripto jamais desfrutou de tamanha visibilidade. A Casa Branca flerta com uma agenda pró-inovação, atraindo atenção de desenvolvedores, fundos de venture capital e gigantes da tecnologia, que enxergam oportunidades únicas para expandir produtos e soluções baseados em blockchain. O desafio, contudo, será equilibrar esse impulso empreendedor com a consolidação de boas práticas e a prevenção de manipulações — especialmente quando a mesma caneta presidencial que assina ordens executivas pode, em tese, impactar uma criptomoeda específica.

No fim das contas, 2025 começa com uma interrogação de proporções históricas: até que ponto a união entre autoridade governamental e ativos digitais redefinirá o eixo do poder econômico e geopolítico? Se o lançamento do token TRUMP sugere uma Casa Branca disposta a derrubar barreiras regulatórias, as tensões tarifárias e possíveis conflitos de interesse podem gerar novos riscos sistêmicos. Na prática, a indústria cripto passa a protagonizar a maior vitrine possível — ainda que sobre um piso escorregadio, balizado por agendas protecionistas e tweets erráticos.

Para os que acompanham de perto esse enredo, uma coisa é certa: o cenário jamais foi tão promissor para avanços tecnológicos, mas tampouco foi tão incerto. O “novo normal” presidido por Donald Trump mistura entusiasmos e receios em dose máxima. À medida que as fronteiras entre política e mercado digital se diluem, formam-se precedentes capazes de redesenhar marcos regulatórios, mexer em alicerces da economia global e suscitar debates intensos sobre manipulação, transparência e governança. E, como tudo indica, essa nova série já foi renovada por mais quatro temporadas.

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