(Peter Cade/Getty Images)
Instituto Millenium
Publicado em 25 de setembro de 2025 às 23h57.
Última atualização em 26 de setembro de 2025 às 14h58.
Por João Loyola
A discussão sobre a quantidade de feriados no Brasil ocupa um espaço central quando se analisa o impacto da organização do calendário sobre a economia, a produtividade e as estratégias empresariais. O país possui dez feriados nacionais, além de datas estaduais e municipais previstas em lei, e ainda pontos facultativos decretados pelo governo federal, como Carnaval, Corpus Christi e vésperas de Natal e Ano-Novo, que, embora não sejam feriados civis obrigatórios, funcionam na prática como paralisações generalizadas de parte significativa da máquina pública e privada. Em comparação internacional, o Brasil não está entre os campeões de folgas, mas se posiciona acima da média da OCDE, onde a média de feriados nacionais gira em torno de 12 a 13 dias por ano. Países como Japão e Índia chegam a ultrapassar 15, enquanto Estados Unidos contam com apenas 10 feriados federais. A diferença central, contudo, não é apenas o número bruto, mas a forma como essas datas se distribuem durante o ano e se concentram em dias úteis, ampliando o impacto sobre setores produtivos.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC) e a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN) já calcularam perdas significativas em anos de calendário desfavorável. A CNC estimou que cada feriado reduz em média 1,29% a rentabilidade anual do varejo, com especial concentração em supermercados, hipermercados e concessionárias de veículos. Em cenários de muitos feriados em dias de semana, a perda anual pode chegar a 9% do resultado operacional do setor. Já a FIRJAN, em análises que somaram feriados e pontos facultativos, calculou prejuízos superiores a R$ 50 bilhões em determinados anos, apenas na indústria de transformação. O problema não se limita à parada em si, mas à perda de continuidade em linhas de produção contínuas, que sofrem com custos de religamento, perdas de eficiência energética e necessidade de reprogramação logística. Setores como siderurgia, químico, papel e celulose e automotivo são particularmente afetados. Na construção civil, feriados alongados representam encurtamento de frentes de obra, encarecimento de mobilização de equipes e atrasos em cronogramas críticos. No setor logístico, as janelas de coleta e entrega ficam mais estreitas, comprimindo prazos e inflacionando o preço de fretes spot. A própria Bolsa de Valores (B3) segue calendário de feriados que desorganiza operações de tesouraria e liquidação, obrigando empresas expostas ao mercado financeiro a readequar posições de caixa.
Se há setores que contabilizam perdas, outros registram ganhos expressivos. O turismo é o principal beneficiado, especialmente em períodos como o Carnaval, quando em 2025 se projetaram receitas de mais de R$ 12 bilhões, sendo R$ 5,4 bilhões destinados a bares e restaurantes, R$ 3,3 bilhões ao transporte de passageiros e R$ 1,28 bilhão à hotelaria. Estados como Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro atingiram taxas de ocupação superiores a 80% em destinos turísticos. Dados do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB) confirmam que os anos de 2023 e 2024 marcaram recordes de ocupação em resorts desde 2010, reflexo da previsibilidade de picos de demanda em feriados prolongados. O setor aéreo também colhe resultados: a ANAC e o Ministério de Portos e Aeroportos divulgaram sucessivos recordes de passageiros em 2025, impulsionados por folgas e emendas de calendário. O lazer e a alimentação fora do lar acompanham a tendência, reforçando a vocação dos feriados como motores temporários de consumo.
Do ponto de vista macroeconômico, o efeito dos feriados sobre o PIB não se limita às perdas setoriais isoladas, mas atinge a eficiência agregada da economia. Estudos da FIRJAN já mostraram que cada dia parado em escala nacional pode representar uma perda próxima de 0,1 ponto percentual do PIB industrial no ano, dependendo da concentração de datas em dias úteis. Em anos de calendário com muitos “feriadões”, o impacto sobre a taxa de crescimento é sentido de forma mensurável. O Brasil já sofre com uma das menores produtividades do trabalho entre os países da OCDE, e a soma de feriados prolongados agrava a ociosidade das plantas industriais e ociosidade de mão de obra, reduzindo ainda mais a competitividade internacional. Quando comparado a economias como Estados Unidos e Alemanha, que têm número similar ou até maior de feriados, a diferença está na estrutura produtiva: lá, a organização do calendário e o grau de automação reduzem o impacto negativo, enquanto no Brasil, com forte dependência de cadeias industriais intensivas em trabalho e logística pouco flexível, a perda é mais acentuada.
A perspectiva fiscal adiciona outra camada relevante. Os feriados alteram o ritmo de arrecadação de tributos, atrasando a entrada de receitas e pressionando o fluxo de caixa de estados e municípios. O ICMS, principal fonte de receita estadual, é fortemente dependente da circulação de mercadorias, que desacelera em feriados prolongados. O ISS, tributo essencial para os municípios, também sofre com a interrupção de serviços corporativos e financeiros. Relatórios de secretarias de fazenda mostram que meses com concentração de feriados registram quedas temporárias de arrecadação de até 7% em relação à média, exigindo posterior compensação. Além disso, a postergação de vencimentos e compensações bancárias em feriados nacionais gera um efeito de “represamento” de recursos, obrigando governos a recorrer a antecipações de receita ou linhas de crédito para honrar compromissos de curto prazo. Na esfera federal, a Receita Federal já apontou em boletins anuais que a sazonalidade causada por feriados interfere na curva de recolhimento do IRPJ e da CSLL, além de afetar o calendário de declarações acessórias. Ou seja, a questão dos feriados não se limita ao custo direto das empresas, mas também cria descompassos relevantes para a gestão fiscal e para a previsibilidade das contas públicas.
As perdas e ganhos também se manifestam de forma concreta em números recentes de arrecadação e faturamento setorial. A CNC projetou que, em 2024, os feriados poderiam gerar uma perda acumulada de R$ 27,92 bilhões no varejo nacional, praticamente o mesmo patamar de 2023, quando o montante superou R$ 28,9 bilhões. Em média, cada feriado nacional em dia útil representou cerca de R$ 3,2 bilhões em prejuízo apenas para o varejo. No plano regional, a FecomercioSP calculou que o comércio paulista poderia deixar de faturar R$ 19,8 bilhões em 2025 por conta dos feriados nacionais, o que corresponde a aproximadamente 1,4% da receita anual do setor. Entre os segmentos mais impactados, destacam-se móveis e decoração, que sozinhos responderiam por uma perda estimada em R$ 488 milhões. Esses números confirmam que, mesmo em estados com economia diversificada como São Paulo, os feriados afetam de forma desigual as cadeias produtivas, reforçando a necessidade de planejamento por parte dos empresários.
Mas os mesmos dados evidenciam que os feriados também criam janelas de aumento expressivo de receita em determinados setores. Durante o Carnaval de 2025, por exemplo, o varejo ampliado registrou crescimento de 13,1% em faturamento em relação ao ano anterior, segundo o Índice Cielo do Varejo Ampliado. Já no feriado de Corpus Christi de 2025, as vendas do varejo e de serviços cresceram 8,1% em comparação com 2024, impulsionadas por turismo, bares, restaurantes e lazer. Esses resultados ilustram que os feriados não produzem apenas um efeito negativo sobre a economia, mas redistribuem riqueza entre setores, penalizando indústrias e comércio essencial enquanto fortalecem cadeias ligadas ao turismo e ao consumo de experiência.
A análise empreendedora, contudo, não pode se limitar a perdas e ganhos brutos. Os feriados produzem efeitos mais complexos sobre a organização do trabalho e a motivação dos colaboradores. Empresas que lidam bem com escalas, banco de horas e políticas claras de compensação conseguem reduzir custos e, ao mesmo tempo, melhorar o clima organizacional, transformando datas comemorativas em oportunidade de fortalecimento de cultura corporativa. A legislação trabalhista, por sua vez, estabelece custos adicionais: a Lei 605/1949 e a Súmula 146 do TST determinam pagamento em dobro para o trabalho em domingos e feriados não compensados, o que exige cálculos precisos de custo-benefício. Em muitos casos, é mais lucrativo abrir em feriados, mesmo com adicionais, quando a demanda compensa, do que fechar e perder faturamento. Já em setores esvaziados, como comércio em polos corporativos, a decisão racional é reduzir operação ou fechar as portas.
A conclusão inevitável é que os feriados no Brasil produzem um duplo efeito. São custo pesado para indústrias de base, varejo essencial, logística e construção civil, mas são combustível vital para turismo, lazer, mobilidade e hospitalidade. O resultado líquido não depende apenas do número de feriados, mas da capacidade dos agentes econômicos de se anteciparem, racionalizarem suas operações e transformarem períodos de folga em oportunidades de receita. O Brasil precisa avançar no debate institucional sobre a racionalização do calendário, mas enquanto isso não ocorre, cabe ao empreendedor enxergar o cenário como variável controlável por planejamento, e não apenas como um obstáculo inevitável.