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O futuro do Banco Central: continuidade ou ruptura com a saída de Campos Neto?

Entrevistamos o especialista Rubem Novaes, economista, PhD pela Universidade de Chicago e ex-presidente do Banco do Brasil

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fica até o fim do ano (Germano Lüders/Exame)
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fica até o fim do ano (Germano Lüders/Exame)

No fim do ano, acaba o mandato de Roberto Campos Neto no Banco Central. E agora? Com a indicação de Gabriel Galípolo pro cargo, Será que haverá continuidade nas atuais políticas? A independência da instituição será resguardada? E o mercado, como reagirá? Sobre esse assunto, o Instituto Millenium entrevistou o economista Rubem de Freitas Novaes, PhD pela Universidade de Chicago e ex-presidente do Banco do Brasil, indicado por Paulo Guedes.  

Para ele, o BC já tem uma governança relativamente instituída, ficando livre de discricionaridades de seus dirigentes. “O Galípolo parece ter entendido bem as amarras a que está submetido e por isso mesmo teve sua indicação bem aceita pelo mercado. Resta ver se o Presidente Lula tem o mesmo entendimento do processo, e como reagirá quando seus indicados tiverem necessidade de elevar os juros”, avaliou.  

Novaes também comentou o atual cenário de dominância fiscal, quando a subida dos juros, necessária para combater a inflação, acaba agravando o endividamento público: “É uma situação tão ruim, de desdobramentos tão sérios, que prefiro acreditar que nossas autoridades econômicas serão capazes de encontrar meios de combater o ímpeto reinante na direção do populismo fiscal”.  

O especialista também fez duras críticas à sede tributária do governo. Para ele, a nossa carga tributária “já ultrapassou os limites do suportável”, e esse processo (de elevação de tributos) “enfraquece quem realmente gera riqueza e cria uma multidão de dependentes do Estado”.  

Confira a entrevista na íntegra:  

Instituto Millenium - Este ano termina o mandato de Roberto Campos Neto no Banco Central, e o presidente Lula já indicou o atual diretor de política monetária, Gabriel Galípolo, para o seu lugar. Pelo histórico de cada um, e declarações públicas, se percebe que seguem linhas econômicas distintas. Até onde isso representa uma guinada na condução do BC? Acredita que haverá continuidade nas atuais políticas? 

Rubem Novaes - O regime de metas de inflação é robusto no sentido de que idealmente independe da vontade ou da ideologia dos dirigentes do BACEN para o seu bom funcionamento. Fixada a meta pelo Conselho Monetário, modelos econométricos, que relacionam os juros à inflação futura, orientam a diretoria no rumo a tomar, sem dar muita margem a discricionaridade. O Galípolo parece ter entendido bem as amarras a que está submetido e por isso mesmo teve sua indicação bem aceita pelo mercado.

Resta ver se o Presidente Lula tem o mesmo entendimento do processo, e como reagirá quando seus indicados tiverem necessidade de elevar os juros.

Se posso sugerir algo aqui é no sentido de que o Presidente da República tenha maior participação na fixação da meta de inflação. Estando corresponsável, terá maior empenho em facilitar a tarefa do BACEN, principalmente no que diz respeito à condução da política fiscal.

Também não gosto do mandato intercalado para o Presidente do BACEN. Uma solução de compromisso seria deixar que o Presidente da República recém eleito escolha o presidente do Banco, permanecendo a diretoria com mandatos intercalados. Notem que o atual regime pressupõe de certa forma que próximos governantes são sempre piores, necessitando, portanto, de um monitoramento temporário. Não faz sentido e é regramento pouco democrático.

IM - Como o mercado está vendo essa mudança? Acredita que, ao menos num primeiro momento, os investimentos serão mais tímidos, ou sua indicação já está precificada, uma vez que ele já faz parte da equipe?  

RN - O mercado encaixou muito bem a indicação do Galípolo e aguarda com serenidade as novas indicações para a diretoria. Não vejo que possa haver qualquer barreira também nas aprovações dos novos diretores no Senado. Onde há realmente muita dúvida é sobre as reações do Lula quando o BACEN começar a apertar o torniquete, tentando trazer a inflação futura para o centro da meta. Aceitará tudo na boa ou se insurgirá contra o regime e sua essência? Nesta dúvida é que reside o risco de consequências bem ruins para a nossa economia. 

IM - Num contexto de dívida pública elevada, mas de inflação ainda não controlada, você é a favor de subir a taxa de juros? Qual seria a melhor forma de proceder? 

RN - Se não agirmos rápido na contenção de despesas públicas, caminharemos céleres para o abismo, dado o tamanho da dívida pública em relação ao PIB, e o nível já exagerado de nossa carga tributária.  

Já está diante de nós o fantasma da “dominância fiscal”, situação em que uma elevação dos juros, necessária para combater inflação, torna-se impraticável, por agravar um quadro já dramático de endividamento público. É uma situação tão ruim, de desdobramentos tão sérios, que prefiro acreditar que nossas autoridades econômicas serão capazes de encontrar meios de combater o ímpeto reinante na direção do populismo fiscal.  

IM - O governo deu ao ministro Haddad a missão de equilibrar as contas pelo lado das receitas, com foco em aumentar a arrecadação. Até onde isso é sustentável? Já chegamos ao limite do que o brasileiro está disposto a gastar em impostos e taxas?  

RN - Não é correto dizer que o importante é fechar o déficit, pouco importando se é através de redução de despesas ou da elevação dos tributos. O setor público é tremendamente ineficiente e só consegue crescer às custas do setor privado. Estrangular a atividade privada tornando-a não competitiva em relação a países de perfil semelhante ao nosso é receita certa para a perda de produtividade no uso de fatores escassos e para a estagnação econômica.  

A nossa carga tributária já ultrapassou os limites do suportável. O governo atual parece querer resolver todos os problemas da população através da ação estatal. No processo, enfraquece quem realmente gera riqueza e cria uma multidão de dependentes do Estado. Basta! 

IM - No mês passado, foi divulgado uma previsão de déficit de quase meio trilhão de dólares para este ano. Neste contexto, quais as suas perspectivas fiscais para o ano que vem?    

RN - Nossos melhores analistas das contas públicas chamam atenção para uma tendência deste governo em subestimar despesas e inflar receitas esperadas. Tudo indica que nos laboratórios de Brasília está sendo concebida uma ambiciosa reforma da tributação da renda e talvez do patrimônio. A turma mais à esquerda imagina obter, desta caçada aos ricos, os meios necessários para financiar a ampliação de programas sociais e uma máquina pública ainda maior. Talvez não estejam contando com a resistência do Congresso e com a fuga de capitais. É difícil ser otimista com as perspectivas fiscais para o próximo ano diante da mentalidade reinante no Olimpo.