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O Futuro da IA e a Máquina do Tempo de Acemoglu

Concentração de poder na IA preocupa especialistas. Mas, será que o perigo real é justamente o contrário?

IA: quais os riscos que acompanham a evolução das tecnologias? (Getty Images/Getty Images)
IA: quais os riscos que acompanham a evolução das tecnologias? (Getty Images/Getty Images)

Por Diogo Costa, CEO do Instituto Millenium

Daron Acemoglu, economista do MIT, tem se tornado uma das vozes mais críticas no debate sobre o desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA). Junto ao também economista Simon Johnson, Acemoglu recentemente lançou o livro "Power and Progress" esclarecendo sua visão histórica do avanço tecnológico da humanidade, e expressando sua preocupação com os mais recentes desdobramentos. Apesar da promessa de automação reduzir o esforço e aumentar a capacidade humana, os autores se preocupam no poder de tecnologias digitais intensificarem a estratificação social, fazendo com que as diferenças sociais se tornem mais profundas e marcantes.

"Hoje estamos nos aproximando mais da distopia futurista da Máquina do Tempo de H.G. Wells", escrevem Acemoglu e Johnson. Wells retratava uma sociedade futura onde a tecnologia causaria uma divisão social tão drástica que as pessoas acabariam evoluindo para formar duas espécies distintas. De acordo com Acemoglu e Johnson, poderíamos estar à beira de uma situação similar. Um lado dessa divisão seria composto por uma grande massa de trabalhadores descartáveis, considerados "propensos a erros". Do outro lado, estariam as gigantes tecnológicas, como Google, Facebook e Microsoft, que, graças às tecnologias digitais, teriam uma concentração sem precedentes de poder e informação.

Essas gigantes tecnológicas estão de fato investindo recursos significativos para se posicionarem na vanguarda da IA, muitas vezes associando-se a empresas pioneiras na área. No entanto, podemos questionar se a IA, por sua natureza, confere a essas grandes empresas um controle e um poder monopolista sem precedentes.

Uma resposta possível a essa questão veio através de um memorando vazado do Google, cujo título, traduzido para o português, seria "Não possuímos fosso de proteção (e a OpenAI também não)". O documento, escrito por um engenheiro cuja identidade não foi divulgada, questiona suposições antigas sobre o equilíbrio de poder na indústria da IA. Enquanto Google e OpenAI se colocam numa corrida tecnológica, o texto chama a atenção pela capacidade de projetos de código aberto em resolver problemas de maneira rápida e eficiente.

Segundo o memorando, os modelos de IA de código aberto estão se desenvolvendo a um ritmo mais acelerado que os das grandes empresas de tecnologia. Além de resolverem problemas com mais eficácia e em menos tempo, esses modelos são ainda mais personalizáveis e respeitam mais a privacidade. Startups e pesquisadores dessa comunidade estão alcançando resultados similares aos de modelos proprietários mais avançados, usando recursos gratuitos disponíveis online. Isso desafia a ideia de que a IA será dominada por um pequeno grupo de empresas com recursos abundantes.

O documento pode ser interpretado como um sinal de possível mudança no ecossistema da IA. As barreiras para treinamento e experimentação em IA têm diminuído significativamente, o que democratiza o acesso à tecnologia. Portanto, grandes empresas de tecnologia não estão mais protegidas por barreiras à entrada de concorrentes de código aberto.

O valor de mercado da OpenAI, atualmente em torno de $30 bilhões, corrobora essa visão. Embora esse valor pareça elevado, é modesto quando comparado com gigantes da tecnologia como Apple (com valor de mercado de $2.7 trilhões), Google ($1.5 trilhões) ou até mesmo a surpreendente Nvidia, que em maio superou a marca de $1 trilhão. Isso sugere que os benefícios da IA não são exclusivos dos proprietários e criadores de grandes modelos algorítmicos. Existem oportunidades de geração de valor em outras áreas do ecossistema da IA - como em aplicações, análise de dados, hardware e serviços. A IA não é um jogo de soma zero, e seus benefícios podem ser compartilhados de maneira mais ampla.

Esse cenário em que a tecnologia de IA tenha sua cadeia de valor mais distribuída, e em que seu desenvolvimento possa ser realizado por indivíduos e entidades menores e sem fins lucrativos, contradiz a visão de Acemoglu da IA como uma tecnologia que, por conta própria, concentra riqueza e poder. A própria concentração de talentos na área, que Acemoglu vê como um componente de desigualdade em nosso futuro, não parece estar se concretizando no mundo da IA. Pelo contrário, o desenvolvimento de ferramentas de programação em linguagem natural e de geração de arte visual e musical através de comandos comuns, permite que mais pessoas criem software de forma mais fácil e democrática.

Na verdade, as preocupações de Acemoglu sobre a concentração de poder na indústria da IA podem virar 180 graus em breve. Talvez a atenção dos especialistas sobre a consolidação de poder econômico e político em breve passe para o temor da descentralização excessiva. Essa ampla distribuição de capacidades de IA pode levar a uma nova fronteira "faroeste" da tecnologia, mais difícil de controlar, regular e prever - um mundo onde a IA não está apenas nas mãos de algumas empresas, mas potencialmente nas mãos de todos.

Não podemos perder de vista a ironia: a própria democratização que deveria aliviar as preocupações de Acemoglu pode se tornar o novo vilão a ser enfrentado por especialistas e reguladores.