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O Estado quer mesmo que você entenda de dinheiro? 

Independência financeira fortalece a independência de pensamento, tornando o indivíduo mais crítico e imune a promessas econômicas de curto prazo 

 (Mininyx Doodle/Getty Images)

(Mininyx Doodle/Getty Images)

Publicado em 18 de agosto de 2025 às 20h12.

Lembro bem das minhas aulas de biologia. Aprendi em detalhes sobre o ciclo de Krebs e a função das mitocôndrias. Lembro também das aulas de história, que me levaram a passear pelas civilizações da Mesopotâmia. Com esforço, resgato da memória as fórmulas de Bhaskara que preenchiam o quadro nas aulas de matemática. 

O que eu não me lembro, por um motivo muito simples, é de ter tido uma única aula sobre juros compostos. Nenhuma aula sobre como ler um contrato ou sobre a diferença entre um ativo e um passivo. A escola me preparou para o vestibular, não para a vida real. 

Essa lacuna não é uma falha pessoal, mas um projeto. É uma falha estrutural que cobra um preço alto da sociedade. Os números são conhecidos: quase 80% das famílias endividadas. Mas os números não capturam o peso na consciência de quem não dorme à noite, a vergonha silenciosa que impede de pedir ajuda, a paralisia de uma vida inteira adiada por uma fatura. 

Na origem do endividamento, há um velho conhecido. O cartão de crédito é a principal armadilha para a maioria dos lares. Para muitos jovens, o pedaço de plástico representa o primeiro contato com o crédito formal, uma suposta porta para a vida adulta. Sem o devido preparo, a porta vira um labirinto de juros sobre juros, uma armadilha moderna da qual milhões não conseguem escapar. 

A resposta oficial e a armadilha da boa vontade 

Em uma resposta tardia a essa falha, observamos agora um movimento de governos e instituições. Projetos de lei avançam no Senado e o Banco Central expande programas como o "Aprender Valor", com o objetivo de finalmente introduzir a educação financeira na educação básica a partir dos próximos anos. 

Aplaudo a intenção. Mas mantenho um ceticismo profundo. 

Minha desconfiança se resume a uma pergunta: será que o Estado realmente deseja a completa emancipação financeira das pessoas? 

O projeto por trás do despreparo 

A resposta é desconfortável. O indivíduo soberano, que entende de investimentos, que poupa com disciplina e que constrói patrimônio, questiona. Ele exige mais. Ele não é seduzido por promessas econômicas de curto prazo. Sua lealdade não é facilmente comprada. Independência financeira gera independência de pensamento. 

O consumidor dependente, por outro lado, é o cidadão ideal para um sistema que vive de ciclos de crise e assistencialismo. Ele é mais suscetível a narrativas populistas, mais grato por pequenas concessões e, também, uma peça mais lucrativa para o oligopólio bancário brasileiro. 

Nesse conflito de interesses, a educação financeira oficial já tem um roteiro. Ensinarão o cidadão a gerir suas obrigações: pagar o boleto em dia, usar o PIX, preencher a declaração de renda. O foco será formar um pagador eficiente, não um indivíduo livre. O objetivo não será criar investidores, mas sim bons pagadores. Não formarão indivíduos livres, mas devedores mais eficientes, capazes de manter o sistema funcionando. 

A única saída é a individual 

Diante dessa inércia calculada, a solução é e sempre será individual. A mudança não virá de uma lousa estatal, mas da decisão consciente de romper o ciclo. De encarar o dinheiro não como um tabu familiar, mas como uma ferramenta de liberdade. De buscar por conta própria a alfabetização que nos foi negada. 

Essa jornada, felizmente, nunca foi tão acessível. A tecnologia e a iniciativa privada criaram um ecossistema de conhecimento acessível. Educadores financeiros sérios, em livros, canais e comunidades, fazem o trabalho que a escola nunca fez. Eles traduzem o "economês", ensinam a negociar dívidas e revelam as estratégias para construir patrimônio. 

Buscar essas fontes conquista a alfabetização mais importante do nosso tempo. O conhecimento financeiro transforma o medo da fatura na confiança do investidor e a incerteza do amanhã na segurança de um plano. É a troca definitiva da dívida pela autonomia. 

É construir o próprio futuro, não apenas financiá-lo.