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O ESTADO DE DIREITO está bem longe do Corcovado

A coluna de Cora Rónai de 22 de julho em “O Globo” denuncia o descaso que tomou conta do principal ponto turístico do Rio de Janeiro, que hoje encontra-se entregue a uma máfia. O poder público praticamente abandonou o maior cartão postal da cidade e do Brasil. É isto que mostraremos ao mundo na próxima Copa e nas Olimpíadas de 2016? “E aí resolvemos ir ao Corcovado, para conferir a […] Leia mais

DR

Da Redação

Publicado em 22 de julho de 2010 às 14h45.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 11h34.


A coluna de Cora Rónai de 22 de julho em “O Globo” denuncia o descaso que tomou conta do principal ponto turístico do Rio de Janeiro, que hoje encontra-se entregue a uma máfia. O poder público praticamente abandonou o maior cartão postal da cidade e do Brasil. É isto que mostraremos ao mundo na próxima Copa e nas Olimpíadas de 2016?

“E aí resolvemos ir ao Corcovado, para conferir a sétima maravilha do mundo. Graças ao descaso das autoridades, o que era para ser um singelo programa em família virou aventura radical, em que os turistas são atazanados e intimidados, e tornam-se reféns de bandidos assim que se aproximam da estação do trem. Se estiverem de carro, os flanelinhas vêm buscá-los a laço; se vierem de taxi, serão vítimas de enxames de vendedores de bilhetes de van. Estavamos de carro, e fomos capturados por um marginal que exigiu R$ 20 para “olhar o carro”. Reclamamos.

— Nós somos quarenta pessoas da comunidade, e temos que fechar o caixa.

Que caixa? Em quanto? E como? E por ordem de quem?

— Nós somos quarenta pessoas, vinte nessa rua e vinte na outra. Se pagar, ninguém vai encostar no seu carro.

Diante de argumento tão convincente, deixamos R$ 15 na mão do meliante, raciocinando que ainda saía mais barato isso do que, na melhor das hipóteses, ter que trocar um pneu cortado. É um raciocínio de perdedor, de cidadão que abriu mão da posse da sua cidade, mas é a ele que o governo nos empurra quando deixa de policiar um dos pontos turísticos mais famosos do mundo.

Não há como fugir dos canalhas do Corcovado, já que a operação correta do trem aparentemente não interessa a ninguém. Chegamos à bilheteria antes das três, mas só havia ingressos disponíveis para a viagem das 17h40. Não havia nenhum estande de informações turísticas visível, nenhum cartaz, nenhuma pessoa decente para orientar quem quisesse ver o Cristo antes do pôr-do-sol. Tentamos obter informações na lojinha de souvenirs:

— Carro só pode ir até as Paineiras, tem uma fila para o estacionamento e pode ser assaltado. Melhor ir de van.

A máfia cerca os turistas. Seus membros usam camisas pólo verde-claras e usam crachás, como se pertencessem a alguma entidade oficial. Cobram R$ 45 por pessoa, mas esclarecem que o ingresso está incluído no preço. Que ingresso?

— Para o Cristo. Custa R$ 24,20 lá em cima, mas na minha mão vocês só pagam R$ 20.

E os R$ 45?

— Então: R$ 20 pelo ingresso, R$ 25 pela van, R$ 45.

O bilhete para a Torre Eiffel, em Paris, custa seis euros, e é vendido sem problemas numa bilheteria civilizada. O bilhete para o Taj Mahal custa o equivalente a R$ 35 para estrangeiros, e dá direito a garrafinha de água. Indianos pagam menos de um real.

Antes de sairmos, o motorista esperou alguns minutos para encaixar dois passageiros a mais num espaço que mal dava para quem já estava sentado. De repente apareceu uma viatura policial, e ele ficou nervoso:

— Aquele guarda não tá com a gente? – exclamou para o comparsa, do lado de fora. – Como é que pode, tá chamando o reboque! Tem mais dois passageiros aí?

— Cara, não tem. Vaza logo, não viu que o guarda taí? Tá louco!

Foi essa fina companhia que nos levou até as Paineiras. De lá até o Cristo, tivemos que entrar em outra fila para uma segunda van, menos facinorosa, mas, àquela altura, igualmente suspeita.

Sinceramente? Tenho muita pena dos viajantes iludidos que acham que o Rio é um bom lugar para fazer turismo. Se o principal cartão postal da cidade está assim, o que se pode esperar do resto?”

(O Globo, Segundo Caderno, 22.7.2010)

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“E aí resolvemos ir ao Corcovado, para conferir a sétima maravilha do mundo. Graças ao descaso das autoridades, o que era para ser um singelo programa em família virou aventura radical, em que os turistas são atazanados e intimidados, e tornam-se reféns de bandidos assim que se aproximam da estação do trem. Se estiverem de carro, os flanelinhas vêm buscá-los a laço; se vierem de taxi, serão vítimas de enxames de vendedores de bilhetes de van. Estavamos de carro, e fomos capturados por um marginal que exigiu R$ 20 para “olhar o carro”. Reclamamos.

— Nós somos quarenta pessoas da comunidade, e temos que fechar o caixa.

Que caixa? Em quanto? E como? E por ordem de quem?

— Nós somos quarenta pessoas, vinte nessa rua e vinte na outra. Se pagar, ninguém vai encostar no seu carro.

Diante de argumento tão convincente, deixamos R$ 15 na mão do meliante, raciocinando que ainda saía mais barato isso do que, na melhor das hipóteses, ter que trocar um pneu cortado. É um raciocínio de perdedor, de cidadão que abriu mão da posse da sua cidade, mas é a ele que o governo nos empurra quando deixa de policiar um dos pontos turísticos mais famosos do mundo.

Não há como fugir dos canalhas do Corcovado, já que a operação correta do trem aparentemente não interessa a ninguém. Chegamos à bilheteria antes das três, mas só havia ingressos disponíveis para a viagem das 17h40. Não havia nenhum estande de informações turísticas visível, nenhum cartaz, nenhuma pessoa decente para orientar quem quisesse ver o Cristo antes do pôr-do-sol. Tentamos obter informações na lojinha de souvenirs:

— Carro só pode ir até as Paineiras, tem uma fila para o estacionamento e pode ser assaltado. Melhor ir de van.

A máfia cerca os turistas. Seus membros usam camisas pólo verde-claras e usam crachás, como se pertencessem a alguma entidade oficial. Cobram R$ 45 por pessoa, mas esclarecem que o ingresso está incluído no preço. Que ingresso?

— Para o Cristo. Custa R$ 24,20 lá em cima, mas na minha mão vocês só pagam R$ 20.

E os R$ 45?

— Então: R$ 20 pelo ingresso, R$ 25 pela van, R$ 45.

O bilhete para a Torre Eiffel, em Paris, custa seis euros, e é vendido sem problemas numa bilheteria civilizada. O bilhete para o Taj Mahal custa o equivalente a R$ 35 para estrangeiros, e dá direito a garrafinha de água. Indianos pagam menos de um real.

Antes de sairmos, o motorista esperou alguns minutos para encaixar dois passageiros a mais num espaço que mal dava para quem já estava sentado. De repente apareceu uma viatura policial, e ele ficou nervoso:

— Aquele guarda não tá com a gente? – exclamou para o comparsa, do lado de fora. – Como é que pode, tá chamando o reboque! Tem mais dois passageiros aí?

— Cara, não tem. Vaza logo, não viu que o guarda taí? Tá louco!

Foi essa fina companhia que nos levou até as Paineiras. De lá até o Cristo, tivemos que entrar em outra fila para uma segunda van, menos facinorosa, mas, àquela altura, igualmente suspeita.

Sinceramente? Tenho muita pena dos viajantes iludidos que acham que o Rio é um bom lugar para fazer turismo. Se o principal cartão postal da cidade está assim, o que se pode esperar do resto?”

(O Globo, Segundo Caderno, 22.7.2010)

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