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O desafio brasileiro da agenda global do clima

Instituto participou da 5ª Summer School, sobre segurança e direitos humanos na Turquia, evento da Friedrich Naumann Foundation e da Human Rights Academy

Belém Pará cop30 (Rafael Medelima/COP30/Flickr)

Belém Pará cop30 (Rafael Medelima/COP30/Flickr)

Instituto Millenium
Instituto Millenium

Instituto Millenium

Publicado em 16 de setembro de 2025 às 21h15.

Por Rafael Mendonça

 

A agenda internacional que se desenrola em torno da COP30, a ser realizada em Belém, em novembro, tem enorme visibilidade e relevância. Contudo, há alguns meses, ela ganha destaque nos noticiários brasileiros e internacionais pela má gestão — fruto do uso político da conferência pelo PT — marcada pela falta de infraestrutura logística e hoteleira da capital paraense para receber o evento. Para além de desperdiçar oportunidades de fortalecimento da imagem internacional do Brasil e atração de investimentos, o fracasso iminente da COP30 desvia o foco de debates fundamentais sobre políticas públicas de enfrentamento às mudanças climáticas, com efeitos potenciais relevantes sobre a saúde pública e a vida nos grandes centros.

O Instituto Millenium levou esse debate para a Summer School da Friedrich Naumann Foundation, durante a palestra do Dr. Ümit Şahin, especialista em saúde pública e pesquisador do Istambul Policy Center, que virá ao Brasil para a COP 30. Şahin mostrou preocupação sobre como as mudanças climáticas apresentam riscos à segurança nacional de diferentes países sob uma ótica multidimensional, indo desde a possibilidade de eventos climáticos extremos provocarem fluxos migratórios intensos, criando conflitos internos nos países de destino, até problemas de saúde em massa.

Em um estudo publicado em 2019, Şahin, que é doutor em Saúde Pública, identificou um total de 419 mortes inesperadas, provocadas por ondas de calor extremo entre 2015 e 2017 na Turquia. Por se tratar de mortes que poderiam ser evitadas com ações de baixo custo e rápido efeito, o pesquisador destaca que os formuladores de políticas públicas deveriam se concentrar no fortalecimento da capacidade institucional para enfrentá-las, estruturando planos de ação para ondas de calor:

“A prevenção de doenças relacionadas ao calor é simples e envolve sistemas de alerta precoce, campanhas de conscientização e a capacitação de profissionais de saúde. Todos os Estados e governos devem considerar a prevenção de doenças relacionadas ao calor como a primeira prioridade diante das mudanças climáticas.”

Essas ações são importantes, mas não suficientes. Para enfrentar um dos maiores riscos apresentados pelas mudanças climáticas, é urgente que o Brasil supere um de seus maiores atrasos civilizatórios: a falta de infraestrutura de saneamento. Segundo o Painel do Saneamento, mais de 90 milhões de brasileiros não têm acesso a coleta de esgoto, e mais de 34 milhões não possuem água tratada, o que contribui para cerca de 197 mil internações por doenças de veiculação hídrica em 2023. Com a possibilidade de enchentes causadas por eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, o Brasil se vê diante de um risco iminente de perdas de vidas e sobrecarga do sistema de saúde.

É, portanto, fundamental proteger os avanços trazidos pelo Marco do Saneamento e acelerar uma agenda de atração de investimentos privados no setor. O primeiro passo é restabelecer a segurança e previsibilidade regulatória, hoje comprometidas por cortes na Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), pela captura de agências reguladoras em nível estadual e municipal e pela instabilidade jurídica gerada por críticas do atual governo a mudanças regulatórias. Superada essa barreira, o país pode avançar em concessões e parcerias público-privadas bem estruturadas que reduzam as deficiências históricas de acesso a serviços sanitários.

Outra área crítica é a resiliência climática urbana. Já passou da hora de as gestões municipais se modernizarem e se abrirem para atrair investimentos privados em drenagem urbana, reuso de água, gestão de áreas de alagamento e unidades de tratamento de resíduos sólidos. Com contratos orientados a desempenho, monitoramento público contínuo e mecanismos modernos de financiamento, parcerias público-privadas podem entregar soluções escaláveis e operacionais para reduzir impactos sobre saúde e infraestrutura.

Sem cair no alarmismo climático nem na inércia diante do problema, é evidente que os efeitos das mudanças climáticas podem ser mitigados com boa governança e gestão pública eficiente. Com capacidade regulatória, contratos orientados a resultados e incentivos financeiros bem definidos em parcerias com o setor privado, é possível fortalecer a segurança ambiental e climática das cidades brasileiras, reduzindo doenças, evitando mortes e preparando o país para os desafios das próximas décadas.