Minha Casa Minha Vida (Ricardo Stuckert/PR)
Instituto Millenium
Publicado em 16 de outubro de 2025 às 23h03.
Por Yuri Quadros, fundador do action-tank Aliança, diretor de formação do Instituto de Formação de Líderes de Belo Horizonte e conselheiro da Rede Liberdade.
A família abre a conta de luz de agosto. O consumo caiu, mas a fatura subiu. Entre os encargos, um item cresceu em silêncio: a CDE. Ninguém aumentou o salário, ninguém ligou o ar-condicionado mais vezes, mas a vida ficou um pouco mais cara, e ninguém sabe direito por quê.
A pergunta que deveria ser respondida na fatura é: quem está pagando pelo consumo de quem?
Em 11 de agosto deste ano, a Aneel projetou alta média de 6,3% nas tarifas de energia para 2025. O vilão? Os valores da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Um mês antes, a agência havia aprovado o orçamento da CDE em R$ 49,2 bilhões. E em 17 de setembro, avançou no Congresso a gratuidade de até 80 kWh por mês para beneficiários da Tarifa Social.
Nada disso "sai do nada". Quando o benefício é financiado na própria tarifa, o custo migra para os demais consumidores — inclusive aquela família de classe média que acorda cedo, paga suas contas em dia e não recebe desconto algum. O alívio visível de alguns se transforma, silenciosamente, no custo invisível de muitos.
E não para por aí.
O mesmo padrão se repete no crédito direcionado. A equalização de juros do Plano Safra segue firme em 2025/26, enquanto o conjunto total de subsídios da União — entre benefícios tributários, financeiros e creditícios — chegou a impressionantes R$ 678 bilhões em 2024. Isso representa 5,78% do PIB.
Essa conta não desaparece no ar. Ela vira impostos — hoje ou amanhã alguém terá que pagar essa conta — e desloca recursos que poderiam gerar muito mais retorno social. Crédito barato para uns normalmente significa juros mais altos para outros, menos concorrência no mercado e pior seleção de projetos. Mais uma vez: o alívio imediato vem acompanhado de custos difusos que só aparecem depois, quando já é tarde demais.
Na habitação, o cenário é ainda mais revelador. Em 2025, ampliaram-se as condições do Minha Casa, Minha Vida, inclusive para a classe média com financiamento via FGTS. Enquanto ampliamos subsídios, o Brasil patina no básico: dar título e previsibilidade jurídica à moradia. Aceleremos a REURB (Lei 13.465/2017) e o SERP (Lei 14.382/2022) para digitalizar e integrar registros. É isso que transforma posse em ativo bancável, amplia oferta formal e derruba o custo da moradia no tempo — com benefício social por real investido entre 18:1 e 45:1, segundo o Copenhagen Consensus.
Aqui está o paradoxo: a evidência internacional mostra, de forma consistente, que garantir a titularidade e digitalizar registros está entre as políticas públicas com maior benefício social por real investido. Por quê? Porque o título barateia o crédito (afinal, a garantia fica mais sólida), aumenta a produtividade do uso do solo e expande a oferta de moradia.
Estudos do Copenhagen Consensus estimam uma relação benefício-custo entre 18:1 em áreas rurais e 30 a 45:1 em contextos urbanos, com média em torno de 21:1. Ou seja: cada real investido em titulação gera até 21 reais de benefício social.
Subsidiar preço hoje pode parecer mais sedutor politicamente do que resolver o fundamento institucional. Mas é a base jurídica do chão — não o desconto no telhado — que reduz o custo de moradia de forma duradoura e sustentável.
Ao privilegiar o que se vê — o alívio imediato, a manchete positiva, o benefício tangível — ignoramos sistematicamente o que não se vê. Ignoramos o encarecimento difuso, o atraso de investimentos privados, o aumento estrutural dos juros e as oportunidades que simplesmente deixam de existir.
No agregado, essa soma aparentemente inocente de pequenos “favores” altera preços relativos, distorce a concorrência e pune justamente os mais vulneráveis — aqueles com menos margem para absorver aumentos de tarifa, aluguel e custo do crédito. Preço é um sinal com incentivo: quando o Estado embaralha esse sinal, decisões de consumo e investimento ficam piores — e a conta recai sobre quem tem menos defesa.
Sei que a objeção honesta virá: "Mas sem subsídio, muitos ficariam para trás."
Entendo. O problema, no entanto, não é a intenção — é o desenho. Quando o financiamento do benefício é embutido no preço (seja em tarifa ou crédito), o sinal econômico se deforma. Quando a intervenção escolhe vencedores, a competição se retrai. E quando isso acontece, todos perdem — inclusive quem você queria proteger.
Se o objetivo real é proteger os mais vulneráveis, então não podemos mentir no preço. Preços limpos sinalizam escassez, incentivam investimento privado e permitem comparar alternativas com clareza. A boa política social focaliza com transparência e exige evidência de resultado — especialmente quando há projetos com benefício-custo comprovadamente maior, como direitos de propriedade e compras públicas digitais, destacados pelo Best Things First.
No fim das contas, a questão é menos ideológica e mais moral: se cada desconto invisível viesse explícito no extrato de impostos da sua família, você manteria as mesmas escolhas?
Pense nisso na próxima vez que abrir a conta de luz.
Referências: