O corte duplo de juros e a decolagem da economia
"Precisamos de um ciclo de reformas no Estado e de contração da despesa pública"
Publicado em 2 de agosto de 2019 às, 14h02.
Última atualização em 2 de agosto de 2019 às, 14h05.
*Por Gustavo Grisa
Vivemos nessa semana uma situação bastante inusitada, de coincidência entre um corte de juros por parte do Federal Reserve Bank (FED), nos Estados Unidos, e um corte na taxa SELIC por parte do Comitê de Política Monetária no Brasil.
A notícia nos EUA causou surpresa em certos meios, pois o corte de juros, que não acontecia desde 2008, dá a entender que houve um claro diagnóstico por parte do FED, que é independente, de risco de recessão na economia norte-americana e dos grandes da Europa nos próximos anos. Ou seja, uma nova estagnação global.
No Brasil, a medida de corte de juros já era esperada pelo mercado, e vem se somar a uma necessária retomada da demanda diante de um estoque de “crise” econômica que preocupa muito: acúmulo de desemprego, uma parte dele estrutural (em que não haverá recolocação), um cenário de redução de despesas públicas, de necessário ajuste e uma certa adaptação da economia real a uma demanda inferior, dificultando projeções mais arrojadas de investimento. É o preço da longa recessão e estagnação. Um exemplo é o volume de exportações e importações, reduzido em relação a anos anteriores, e a produção industrial, que sofre um processo parecido, em maior escala mas menor intensidade, como a indústria argentina que foi dizimada nas décadas de 1990 e 2000.
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No entanto, não acredito que uma eventual desaceleração ou ameaça de recessão global vá afetar tanto o Brasil imediatamente; historicamente, a trajetória brasileira apresenta um atraso, um “delay” em relação às crises globais de alguns anos. Portanto, inicialmente o desafio brasileiro é principalmente o Brasil, mas é óbvio que uma circunstância global ruim pode atrapalhar um pouco. O esforço para retomada econômica é feito em três frentes, principalmente: o quadro institucional/de reformas, que busca gerar confiança no ambiente para atrair investimentos; redução do déficit público; privatizações e medidas de modernização e liberalização da economia. Nesse sentido, ainda que com solavancos, temos avanços e intenção consistente já percebidos. O ideário de reformas institucionais funciona, mas demora um pouco para gerar efeito.
Outra frente seria a de liquidez, de criação de demanda, circulação de recursos na economia – é muito difícil, na atual circunstância, imaginarmos que haverá tempo para que o reflexo de reformas institucionais possa gerar uma recuperação que não seja em alguns anos. Nesse sentido, precisamos de um ciclo de reformas no Estado e de contração da despesa pública. Não há mais espaço para “déficit spending” ou aumento de despesas públicas para criar demanda, o que foi atabalhoadamente criado pelos governos Lula-Dilma a fim de manter taxas razoáveis de crescimento. A liberação de recursos do FGTS é uma medida nesse sentido, mas o volume é de pouca importância diante da real necessidade. Novas formas de criação, concentração e disponibilidade de capital e crédito precisam ser estimuladas, e criadas, e a equipe econômica sabe bem disso. O corte de juros da taxa SELIC não tem reflexos imediatos no mercado financeiro de varejo, pois o spread bancário mais alto do mundo razoavelmente civilizado não permite que pessoas físicas e pequenas empresas possam imediatamente tomar crédito de forma competitiva. No mercado de bens de capital, indústria e construção, pode ser um indicativo importante, se funcionar a terceira frente.
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A terceira frente, do risco político e da governabilidade, precisa funcionar para que as reformas institucionais gerem confiança e resultados mais rapidamente, e se possam abrir mais possibilidades de injeção de liquidez. A taxa de crescimento da nossa economia, a projeção de déficit público e a expectativa de crescimento também precificam a habilidade ou inabilidade da liderança política brasileira na frente interna e externa, a capacidade de lidar com um momento que pede convergência e não divisão; a maneira de inserir-se em questões globais complexas, e que vão afetar nossa economia nas próximas décadas; e, principalmente, em gerar um ambiente de maior racionalidade e sustentação ao processo de retomada e reformas. A fragilidade na liderança política e corrosão do poder presidencial ajudam, também, a atrasar o efeito de medidas institucionalistas e a criar um ambiente de retomada que o País precisa.
O tempo conta contra o Brasil, exatamente pela possibilidade de se criar, na persistência da estagnação ou crescimento pífio, uma fraqueza de demanda tal que a economia simplesmente se acostume, em todos os seus agentes, a um patamar mais baixo. Aí sim, com um vetor de recessão global em três ou quatro anos, teríamos um quadro difícil de reverter.
*Gustavo Grisa é economista, especialista em gestão e inovação pública e sócio da Agência Futuro