Nota de real, reias, 200 reais, 100 reais, 50 reais, dinheiro, inflação, invetimento, juros, moeda Foto: Leandro Fonseca Data: 04/02/2025 (Leandro Fonseca/Exame)
Colunista
Publicado em 9 de julho de 2025 às 11h10.
Qualquer um que acompanhe o noticiário político e a trajetória fiscal do país sente a gravidade do momento. Essa tensão alimenta uma dúvida inevitável que circula em todos os ambientes. Será que o Brasil vai dar um calote? Apesar de entender a origem do receio, minha perspectiva é outra. Eu penso que o medo de um evento grandioso, como um anúncio de moratória, desvia nosso foco do perigo real. O verdadeiro calote brasileiro não seria um evento para o futuro. Ele já está em curso, de maneira sutil e talvez mais perversa.
Um desastre em câmera lenta
A imaginação popular tende a enxergar o calote como um colapso agudo, um evento cinematográfico que levaria o país ao caos da noite para o dia. Eu vejo esse perigo de outra forma.
O que estamos vivendo é um calote em câmera lenta, o calote do crescimento. Refiro-me à incapacidade crônica do país de atingir seu potencial, uma estagnação prolongada que destrói valor de maneira muito mais sutil que uma moratória declarada.
Esse calote não vira uma manchete internacional, mas ele aparece no seu extrato bancário. Ele vai se manifestando na volatilidade dos títulos públicos, na letargia da bolsa de valores e na desvalorização constante da nossa moeda.
O veneno que chega ao seu bolso
A evidência mais clara dessa corrosão talvez esteja no Tesouro Direto, o investimento considerado o pilar da segurança no país. A desconfiança na capacidade do governo de gerir suas contas força o Banco Central a manter juros altos.
O próprio mercado passa a exigir um prêmio de risco cada vez maior para emprestar dinheiro ao Estado no longo prazo. O resultado prático é que o valor dos seus títulos atrelados à inflação oscila violentamente.
O investidor que buscou proteção acaba exposto a uma montanha-russa de marcação a mercado, um reflexo direto da instabilidade que a má gestão fiscal impõe sobre todos nós.
Esse veneno se espalha por todo o sistema. Juros elevados funcionam como uma âncora para a economia e para a bolsa de valores. Eles tornam o crédito mais caro, desestimulam o investimento produtivo e fazem com que qualquer aplicação de risco pareça pouco atraente.
Por que uma empresa investiria em uma nova fábrica ou um investidor compraria ações se pode obter alto retorno com a garantia do governo?
A consequência disso é um mercado de capitais anêmico e um dólar que serve de refúgio, subindo não por mérito próprio, mas por demérito nosso. Cada real perdido para a moeda americana é um pedaço do nosso patrimônio que se esvai.
A solução que vira doença
Ainda assim, eu não acredito em um calote tradicional. A maior parte da nossa dívida é interna e denominada em reais, o que nos protege de uma crise cambial clássica como a que vimos em outros vizinhos latino-americanos.
O governo, em última instância, pode sempre imprimir a moeda que deve. A capacidade de emitir dinheiro sem lastro em produtividade revela, contudo, um problema mais profundo. Essa suposta solução se torna a própria doença, porque no fim gerará mais inflação. A inflação é a forma mais democrática e covarde de calote, por corroer o poder de compra de todos, especialmente dos mais pobres.
É aqui que chegamos ao custo final, o mais profundo de todos. A energia que uma sociedade gasta para se defender de si mesma é um recurso irrecuperável. Essa sensação de crise contínua gera uma perigosa familiaridade, um conformismo que nos leva a aceitar o desperdício de potencial como normal e pavimenta o caminho para a irrelevância.
Esse é o calote contra a história, o risco da lenta e gradual decadência enquanto o mundo avança. Descobriremos, talvez tarde demais, que o calote mais perigoso é o da nossa própria coragem, pago diariamente em parcelas de conformismo.